PALCO DA VIDA

Toni Platão se recupera de AVC com amor, arte e resistência

Toni Platão começou a travar sua luta pela vida no dia 11 de novembro do ano passado, data em que sofreu o AVC.

Toni Platão se recupera de AVC com amor, arte e resistência Toni Platão se recupera de AVC com amor, arte e resistência Toni Platão se recupera de AVC com amor, arte e resistência Toni Platão se recupera de AVC com amor, arte e resistência
Toni Platão começou a travar sua luta pela vida no dia 11 de novembro do ano passado, data em que sofreu o AVC.
Toni Platão começou a travar sua luta pela vida no dia 11 de novembro do ano passado, data em que sofreu o AVC.

O meia Hércules marca o segundo gol do Fluminense contra a Inter de Milão já nos acréscimos do jogo. É a partida que leva o time às quartas de final do Mundial de Clubes, pelo qual ele volta a campo nesta sexta-feira para enfrentar o Al-Hilal. Vidrado na TV está um dos tricolores mais célebres do Rio de Janeiro: o cantor e compositor carioca Toni Platão, de 62 anos, que despontou na leva roqueira dos anos 1980 à frente da banda Hojerizah e se consolidou na carreira solo como intérprete de timbre grave e aveludado. Ele vibra sacudindo o braço esquerdo com os punhos cerrados até chegar às lágrimas. De repente, solta um sonoro “puta que pariu!”.

O palavrão perfeitamente articulado é motivo de comemoração. Assim como sua alegria, que se reflete imediatamente no astral das pessoas que estão nas duas pontas da poltrona onde o artista está sentado. Uma delas é o enfermeiro Rodrigo. A outra, Deborah Colker. Companheira do músico há 20 anos, a coreógrafa celebra cada sorriso, choro ou frase que sai da boca dele. Toda emoção e reação são encaradas como pequenas grandes vitórias. Chamada por Toni de “minha parceira definitiva” numa entrevista ao GLOBO em 2022 – quando ele definiu a relação como “uma história de amor entre uma coreógrafa rouca e um cantor sem elasticidade nenhuma” -, é Deborah quem toca a bola na linha de frente rumo à recuperação da paixão de sua vida.

No dia 11, completam-se oito meses que Toni sofreu um AVC . Desde então, a bailarina se dedica intensamente à reabilitação dele, que voltou para casa em 1º de abril. A evolução é constante. A cabeça está consciente. Toni entende tudo, lê e cantarola melodias dando sinais de que pode ser apenas uma questão de tempo para o vozeirão estar tinindo de novo. Ainda tem dificuldade para falar. Quem chega com olhos e ouvidos atentos, além do coração aberto, entende o que ele quer dizer. Porque a intenção é nítida.

Ele reclama do comentarista esportivo e pede para abaixar o som da TV. Basta alguns minutos para perceber que a ironia e a acidez que forjam sua personalidade estão intactas. Na véspera, ele zoou até não poder mais William, o enfermeiro que torcia para o Flamengo vencer o Bayern de Munique.

– Ihhh – resmunga, quando o time adversário avança em direção ao gol do Flu. – Epa, boa! – grita, na recuperação da bola pelo tricolor.

Se a vitória do time injeta animação no ambiente, a música opera milagres. Semana passada, Leila Pinheiro esteve lá tocando piano e acabou protagonizando dueto com Toni, que improvisou jazzisticamente, ao microfone, a letra de “Me liga”, de Herbert Vianna. O momento ficou registrado num vídeo emocionante. Foi nessa hora que Rita Oliveira, namorada de Leila, chamou a atenção de Deborah para o fato de Toni estar lendo. Ele havia virado as páginas onde a letra da música estava impressa.


Outros parceiros íntimos, como Cris Caffarelli e Sergio Diab, têm pintado para levar um som. Ouvir Roberto Carlos faz Toni chorar. Não foi diferente quando puseram para tocar “Um dia de domingo”, com Gal Costa e Tim Maia. Dia desses, ele ganhou uma gaita. E saiu tocando. Também corrigiu um erro de português. Mandou tirar o “i” do início da palavra “nhoque”, prato daquele dia no cardápio de casa.

As visitas vão chegando aos poucos, sempre com o aval do músico, que aprovou, inclusive, a presença desta repórter. O telefone de Deborah não para. É por ali, no grupo de WhatsApp batizado de “Viva Toni”, que ela atualiza as notícias do marido e alimenta os afetos de esperança. Recebe também uma enxurrada de mensagens. Toni cativou um milhão de amigos durante suas seis décadas de existência.

Amizade, para ele, sempre foi um troço sério. E não só as relações profundas. Figura carismática das ruas da cidade, o artista sabe a importância de um “bom dia” educado, de um cúmplice “saudações tricolores” ou mesmo daquele papo furado sobre a previsão do tempo na gira das esquinas. Foi assim que, além dos de fé, ele construiu uma legião de admiradores. Taxistas, flanelinhas, donos de bar, funcionários da Rádio Roquette Pinto, cuja direção artística ele comanda desde 2021. Todo mundo pergunta e torce por sua recuperação.

Um deles virou parceiro e testemunha ocular das prosas e doideiras que acontecem numa mesa de boteco – e por lá devem ficar: Seu Alberto, dono do Rebouças, no Jardim Botânico, na Zona Sul do Rio. Toni é tão querido naquele pé-sujo que estampa uma foto pendurada na parede. Uma vez, os funcionários chegaram a interromper as férias coletivas para celebrar seu aniversário.

É esse amor plantado no cotidiano – que Toni vinha propondo também profissionalmente, num show com canções românticas de Herbert Vianna – o motor que move a batalha por sua reabilitação.

A Luta e a Recuperação de Toni Platão


– O amor passou na frente de tudo. A gente casa, separa, se acostuma com a vida. Mas a vida é assim: está de um jeito e, de repente, muda. Somos vulneráveis – aceita Deborah. – Sempre aprendemos alguma coisa. Não fico pensando: “Ah, aconteceu uma tragédia.” Não! Estou em guerra. Essa batalha é uma das tantas que já tive. E vamos vencer!

Toni Platão começou a travar sua luta pela vida no dia 11 de novembro do ano passado, data em que sofreu o AVC. Pouco antes, exames de rotina haviam detectado veias do coração entupidas e a necessidade de realizar uma angioplastia. Durante o procedimento, o médico constatou ainda a obstrução da carótida e sugeriu que a operasse. “É simples, é que nem tirar dente”, disse o doutor.

Em 7 de novembro, ele encarou a cirurgia. No dia 9, teve alta. Dois dias depois, sentiu-se mal no café da manhã. “Parece que o sangue está vindo para a cabeça…”, disse. Já no Hospital Silvestre, no Cosme Velho, Rio de Janeiro, a tomografia constatou: AVC hemorrágico gravíssimo. Foi quando o neurocirurgião Paulo Niemeyer entrou em ação para salvar sua vida.

Quinze dias após a operação, Toni foi desentubado e passou por uma traqueostomia. Começou a despertar, a tentar se comunicar, a chorar, a sorrir. Foram seis dias de onda boa e potente, em que ele se deu conta de que estava vivo. Daí complicou, porque vieram crises convulsivas. Mas elas foram controladas com medicação e, pronto, o jogador estava em campo de novo.

– Nenhum sonho se aproxima da potência que foi ver o Toni voltando, renascendo, recuperando a compreensão. Minha própria bateria é olhar para ele. Perde quem não luta, vence quem luta. Toni lutou para vencer, e eu estou junto dele – diz Deborah Colker.

Muito do aprendizado dela veio da convivência com Theo, seu neto mais velho, de 15 anos, que inspirou o espetáculo “Cura”, da companhia de dança da avó. Ele segue ensinando:

– Outro dia, eu disse: “Theo, estou preocupada, o Totoi (como Toni é chamado pelo garoto) está parecendo você, não quer comer.” E Theo respondeu: “Vovó, pede um cheesburger, uma pizza, duvido que não vá comer.”

Não deu outra.

Durante os quatro meses de CTI e 20 dias de quarto no hospital, Deborah nunca quis ouvir sobre sequelas. Para que saber sobre consequências que poderiam soar limitantes? Pedia apenas que os médicos devolvessem o marido vivo.

– Viver é uma coisa linda. Nos distanciamos do que é a força de respirar, deglutir… Tem tanta coisa acontecendo dentro da gente, e isso tem um valor… – afirma. – E aqui está todo mundo vivo. Ninguém está anestesiado, não.

A fé na medicina, que aposta na capacidade do sistema nervoso de se adaptar e se reorganizar em resposta a experiências, aprendizados e lesões, é constante:

– Paulinho (Niemeyer) disse: “Deborah, existe uma coisa chamada neuroplasticidade, quando outros neurônios que não foram abatidos trabalham pelos outros que foram sacrificados. E cada cérebro é aquilo que leu, ouviu, pensou. É com isso que Toni vai reagir” – conta ela. – Toni é muito inteligente, valorizou coisas que agora vão ajudá-lo. Leu a obra completa de Dostoiévski, de Henry Miller. Mas o importante mesmo para ele sempre foi o amor, a amizade, respeitar os outros, ser gentil.

Reabilitação e Rotina


A rotina atual é puxada por fisioterapia e fonoaudiologia diárias, coordenadas pela equipe de fisiatria e fisioterapia do Centro de Reabilitação Valsa Saúde, na ABBR. Toni também faz sessões semanais na Clínica Cirta, com José Vicente Martins, professor de fisioterapia da UFRJ. Tudo isso depois de passar 18 dias no Hospital Sarah Kubitschek de Brasília, sob a supervisão da neurocientista Lucia Braga, presidente da Rede Sarah.

– Essa mulher é incrível! Colocou o Toni para andar de barco no lago. Tirou ele daquela rotina de hospital, e aquilo mudou os ares, os códigos, normalizou. E o Sarah é o melhor centro de reabilitação do Brasil. É público, de altíssima excelência, é para todos. Todo mundo é tratado igual – destaca. – Meu amigo Hermano Vianna (antropólogo e irmão de Herbert Vianna) me disse: “Vai para o Sarah, porque, além de ser um salto para o Toni, você vai ser cuidada e amparada. Esse é o Brasil que a gente quer!”

Foi o que aconteceu. Deborah saiu de lá com ainda mais sangue no olho. E com a pilha recarregada para trabalhar em prol de seus maiores desejos:

– O que mais quero é ver Toni bem. E cantando.

Um novo projeto, aliás, já estava sendo elaborado pelo músico, que selecionava canções de Michael Sullivan para um próximo show. Foi Sullivan, coautor de clássicos como “Me dê motivo”, “Deslizes” e “Estranha loucura”, quem, lá nos anos 1980, avisou a Toni que ele cantava três tons abaixo daquele que faria sua voz brilhar. “Devo minha carreira ao Sullivan”, reconheceu Toni na entrevista de 2022 ao GLOBO.

Sua vontade é de retribuir. Assim que a vida permitir.

– Vai rolar! – encerra o músico, assentindo firmemente com a cabeça, antes de se despedir da repórter com um beijo na mão.

Texto de: Maria Fortuna