Aline Monteiro*
Editora do Você
Há quase três anos – com a interrupção da pandemia pelo meio – a primeira sexta-feira de cada mês é assim: em noite clara ou sob chuva, é como um sopro que vem da Baía do Guajará que se propaga em ondas de energia plena de felicidades, de batuques, risos altos. Samba, suor e cerveja, como já cantou Caetano, ocupando um dos pontos mais antigos de Belém, a Feira do Açaí.
É lá que ocorre o Samba da Feira do Açaí, uma roda que cresceu amparada de um lado pelo casario histórico, do outro pelo Forte do Presépio, com o Ver-o-Peso e os paneiros de açaí como cenário. Surgido como movimento cultural independente, o Samba da Feira agora pode se tornar patrimônio imaterial de Belém.
É o que propõe a vereadora Bia Caminha, em projeto de lei protocolado na Câmara de Belém em maio de 2022. Segundo a vereadora, a iniciativa visa garantir o devido reconhecimento a essa manifestação cultural, bem como o apoio institucional para o fortalecimento dos eventos. Para além da ocupação surgida a partir do grupo Roda de Samba Fé no Batuque, tendo à frente o cantor Geraldo Nogueira, e nomes como a DJ e produtora cultural Jaqueline Ferreira, a DJ Jack Sainha, o projeto engloba qualquer manifestação em formato de roda de samba e batuque realizado naquele cartão postal, com intuito de valorização e salvaguarda da cultura.
A proposta surgiu do movimento cultural e ganhou a parceria da vereadora, que já apoiava o movimento, enquanto agente do poder público. A inspiração veio de outras cidades brasileiras que transformaram tradicionais rodas de samba em patrimônio, “como uma forma de valorizar o gênero samba enquanto cultura popular e negra, bem como valorizar o local como importante ponto de cultura paraense”, destacam os realizadores do Samba da Feira.
“Em 2022, eu tive conhecimento de uma roda de samba que existe lá em Natal, no Rio Grande do Norte, chamada ‘Quinta que te quero samba’, que tinha se tornado patrimônio cultural e imaterial aquele ano. Então procurei vários parlamentares para sugerir que algo parecido fosse feito aqui com o Samba da Feira do Açaí. E a única resposta positiva que tivemos foi da Bia Caminha, por reconhecer a proporção que o evento vinha tomando, e por ele democratizar a cultura, com impactos na economia local e geração de renda”, diz Geraldo Nogueira, cantor, compositor, sambista, idealizador e organizador do Samba da Feira do Açaí.
Com a Roda de Samba Fé no Batuque, o Samba da Feira do Açaí reúne grandes musicistas, sambistas e intérpretes, tanto na formação da banda base como dentre os convidados. A roda é abençoada pelas imagens de São Jorge e Zé Pilintra, ressaltando a valorização da religiosidade afro-amazônica e anunciando, como dizem os organizadores, “que ali todos os credos, cores, amores são bem-vindos”.
Desde a sua criação, o evento é realizado de forma independente, aberto ao público e sem fins lucrativos. Mas a ausência de apoio institucional está ameaçando a realização da festa, que tem se sustentado por recursos de apoiadores, organizadores, da contribuição do público e dos ambulantes.
“Após várias reuniões com quem produz cultura nesse local, o nosso mandato viu que era necessário reconhecer essas manifestações que por tantos anos foram marginalizadas e até criminalizadas como cultura na nossa cidade”, diz a vereadora. “Queremos, através do PL, garantir o reconhecimento cultural e a partir disso também lutar para que essas manifestações ocorram com uma estrutura melhor e maior apoio do Estado, queremos que essa efervescência cultural seja respeitada”, completa.
Acontece que mais de um ano depois, o projeto ainda não entrou em votação no plenário. O que fez os defensores da ideia lançarem um manifesto público pela internet, a partir do perfil do projeto no Instagram (@sambatuquefeiradoacai), para cobrar mais agilidade na tramitação e assim, talvez garantir melhor estrutura para a manutenção da roda.
“Há três anos, a gente vem realizando o Samba da Feira na garra e na resistência, porque não temos apoio institucional ou empresarial. Produzir e fazer acontecer um evento como esse tem custos e requer muito amor e dedicação pela arte, pela cultura. Então, todo e qualquer tipo de apoio é muito bem-vindo”, diz a produtora do evento, DJ Jack Sainha. “Vamos lutar para essa aprovação sair, porque quem ganha é a cultura do samba, é o batuque amazônico, é o povo e os artistas locais”, defende.
*Com informações de assessoria