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Saiba por que Belém não recebe grandes shows internacionais

***ARQUIVO***SÃO PAULO, SP, 10.03.2023 - Show da banda Coldplay no estádio do Morumbi, em São Paulo. (Foto: Adriano Vizoni/Folhapress)
***ARQUIVO***SÃO PAULO, SP, 10.03.2023 - Show da banda Coldplay no estádio do Morumbi, em São Paulo. (Foto: Adriano Vizoni/Folhapress)

Aline Rodrigues

Quem não gostaria de assistir a Paul McCartney, Bruno Mars, John Mayer, Coldplay, U2 ou outro artista internacional preferido em apresentações aqui em Belém? Mas embora o Brasil há tempos tenha entrado na rota de grandes turnês – como a despedida de Roger Waters dos palcos, com seis shows recém-anunciados entre outubro e novembro no país -, esses eventos têm desviado do Pará. O custo de trazer uma megaprodução para o estado amazônico, com tudo que isso implica em dificuldades de transporte, é o grande porém, segundo produtores culturais.

Há mais de 30 anos atuando na produção de grandes shows e hoje à frente de uma das maiores empresas locais do setor, a Link Produtora, Rosalina Melom diz que a questão não é exatamente o tamanho das equipes internacionais, já que produções nacionais estão chegando a nível tão elevado que já se pode compará-las. “Por exemplo, os Titãs vieram com mais de 50 pessoas recentemente a Belém”, conta. “Mas não podemos deixar de levar em conta as passagens internacionais. Porém, o custo em geral é rateado entre as cidades brasileiras por onde passa a turnê. As exigências de cenários e equipamentos são um empecilho. Por isso hoje em dia os shows internacionais [no Brasil] se concentram em São Paulo e no Rio de Janeiro”, conta Rosalina.

Ela destaca ainda que para os artistas é mais vantajoso montar uma estrutura numa única cidade e fazer várias apresentações, como foi o caso do Coldplay, que recentemente se apresentou por uma semana inteira em São Paulo, e o RBD, que fará três shows em novembro por lá. “Quando a turnê internacional abrange mais cidades, geralmente faz-se adaptações ou se cria uma estrutura que possa viajar com mais facilidade pelo país”, acrescenta.

As produtoras que trazem turnês internacionais para o Brasil também entenderam essa concentração como uma vantagem. Financeiramente, é melhor montar uma estrutura em São Paulo, onde pessoas de todo o Brasil conseguem chegar com facilidade devido à farta malha aérea, e fazer várias apresentações, do que montar uma estrutura em cada cidade e viajar pelo país com as turnês.

“Com o custo do dólar elevado, é compreensível essa tomada de decisão, pois minimizam os riscos. Fazer um show internacional hoje em dia é um desafio, com o dólar valendo cinco, seis vezes mais que a nossa moeda, e num momento em que o público está bastante voltado para o mercado nacional. Se você analisar o Top das 100 músicas mais escutadas atualmente no Brasil, há poucas ou nenhuma internacional. Então, o risco é grande. É mais fácil apostar em nomes consagrados, porém são justamente eles os mais caros e menos acessíveis”, pondera a produtora.

Sim, a logística é o grande desafio em promover shows em nossa região, afirma Rosalina, com custos que geram impacto no orçamento do evento e refletem no valor do ingresso. “Especialmente com os valores elevados das passagens aéreas para nossa região e a escassez de voos. Para terem uma ideia, alguns cantores não aceitam voos com conexão, e cidades como o Rio de Janeiro, de onde partem muitos artistas, não tem mais voos diretos para Belém”, relata, afirmando que somente uma companhia faz essa rota.

“Isso quando o artista não exige jatinho para se locomover. Alguns até têm o seu próprio, no entanto o contratante é responsável por todas as despesas, como combustível e diária do piloto. Não podemos esquecer também que as turnês viajam com carretas e caminhões transportando equipamentos e cenários, e o custo para que tudo isso chegue até Belém é todo nosso”, diz Rosalina.

 

Custo Amazônia e concorrência

Para Jeft Dias, da Psica Produções – realizadora do Festival Psica, que tem recebido grandes shows, como a histórica última apresentação de Elza Soares -, esse não é um problema só de Belém. Manaus tem recebido alguns shows internacionais, mas não com tanta frequência como Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre, que são as quatro capitais que mais acolhem esses shows.

“Eu acho que tem várias questões aí envolvidas. Uma delas é o custo Amazônia, que é um negócio que encarece muito em qualquer produção, fica difícil o transporte para cá, alguns serviços. Enfim, é um peso enorme para a viabilidade desses grandes eventos. A outra é a estrutura. Essas outras capitais estão mais bem estruturadas do que a nossa cidade. Isso acaba pesando. E tem também um fator muito importante, que é o interesse das grandes marcas em patrocinar”, aponta.

A banda Kiss foi até a vizinha Manaus com a “Monsters Tour”, assim como o Guns’n’Roses, um ano antes FOTOs: EDUARDO ANIZELLI e MARCELO JUSTO/FOLHAPRESS

Segundo Jeft Dias, as marcas que patrocinam eventos de todos os portes – fundamentais para cobrir custos altos de produção – acabam tendo um interesse maior por projetos culturais no Sudeste.

“As grandes marcas não têm tanto interesse em investir aqui, então a gente precisa atrair esse interesse, esses investimentos, para que a gente consiga realizar esses eventos, dito que o custo é muito alto e fica inviável produzir coisas assim confiando apenas na bilheteria. É necessário incentivo, patrocínio, coisas que são escassas aqui para a nossa região”, acrescenta Jeft, destacando que o Festival Psica tem feito um trabalho incansável para atrair a atenção de marcas e patrocinadores na busca por captar grandes shows para cá.

“O ano passado fizemos um grande festival, com mais de 40 mil pessoas. E isso tem chamado atenção das marcas. Acredito que é o trabalho de formiga, a longo prazo, e que daqui a algum tempo a gente vai começar a colher”, pontua.

PRECONCEITO

Diretor da Se Rasgum Produções, que realiza os festivais Se Rasgum e Sonido, Marcelo Damaso lembra que muitos shows de grande porte chegam por aqui, mas que em se tratando de shows internacionais, em comparação com Manaus, a capital amazonense tem levado vantagem no “marketing” para atrair apresentações de artistas como Scorpions e Kiss, que tocaram por lá no mês passado, na “Monsters Tour”.

“Esses grandes shows, sim, vão para lá. Principalmente quando se trata de um show internacional, eles acreditam que Manaus é realmente a grande cidade da Amazônia. Mas é uma lógica que não é muito verdadeira, porque Belém tem muito mais rota de shows. O próprio Scorpions já tocou aqui, assim como há outros shows que vieram para cá e não foram para lá”, avalia Damaso, relembrando ainda o show do Whitesnake em Manaus em 2008, o que mostra que a tendência não é recente.

Para ele, talvez falte informação a empresários e artistas sobre o Brasil. “Como achar que a cidade tem mais estrutura para receber, e a gente tem tanta estrutura quanto. Na verdade, a rota do Brasil para vir para Belém é muito melhor do que ir para Manaus, é muito mais fácil”, diz ele, que também não acha que falte público.

“Eu acho que isso é principalmente questão de contratantes de fora. Mas se a gente falar de grandes nomes brasileiros, eu te digo que são vários pontos para eles não virem a Belém. Primeiro, tem artistas que simplesmente estão confortáveis em fazer show em Rio e São Paulo, acham que, sei lá, Belém é longe. Estou sentindo isso na pele agora, com várias tentativas de contratação do Se Rasgum. Tem artistas que não querem vir porque não tem voo direto ou artistas que sequer respondem.”

Para Gibson Massoud, da Sonique Produções, o fato de alguns shows não colocarem Belém na rota não tem apenas um fator específico, mas uma junção de fatores. Entre eles, a logística de vir do Sudeste para cá: uma vez que uma banda internacional não fica tantos dias no Brasil, o custo é elevado, já que o dólar ainda continua alto. Ele concorda com Jeft Dias que a falta de patrocinadores de grande porte olharem o Norte como uma praça interessante é o maior fator.

“Comparando com Manaus, podemos dizer que eles saíram na frente pois já têm um local adequado (a Arena Amazônia) há mais tempo que a gente. Ter uma estrutura que esteja à altura de uma turnê dessas é fundamental. Acredito que, com o novo Mangueirão, temos chances maiores de entrar nesta rota das turnês internacionais. Antes, tínhamos a estrutura necessária (equipamentos), mas não tínhamos o local adequado. Com o local adequado, já temos pelo menos a possibilidade de receber as turnês”, diz Gibson.

HORA DA MUDANÇA

Rosalina Melom confirma que, quando incluem o Norte, essas grandes turnês acabam elegendo uma única cidade na região, no caso Manaus.

“Em se tratando de shows internacionais, Manaus recebeu dois grandes nomes nos últimos anos, Guns’n’Roses, em 2022, e Kiss este ano, junto com o Scorpions, que já fizemos em Belém. O Guns teve um bom público, porém o Kiss e Scorpions não fizeram boa bilheteria. Há uma especulação sobre Aerosmith e Bon Jovi em 2024 por lá, conforme anunciado pelo prefeito ano passado. Mas para Belém não houve oferta para a vinda de nenhum desses artistas até o momento, pelo menos para nós”, conta Rosalina.

Mas ela também vê mudanças nisso agora que o Estádio do Mangueirão está preparado para receber grandes eventos. “Temos certeza que se tornará mais fácil trazer essas turnês internacionais. Agora é torcer para a economia melhorar, a moeda estrangeira baixar, e para que os artistas e empresários tenham interesse em vender os shows para cá. Estamos preparados para entregar uma produção à altura de seus espetáculos”, declara, otimista, Rosalina.

Com a capital paraense confirmada, na última sexta-feira, 26, como a sede da COP 30, a conferência da ONU sobre o clima, em 2025, e os olhos internacionais voltados para cá, essa história também pode mudar.