Neste fim de semana, sábado e domingo, o Theater Schloss Britz, principal teatro de Berlim, na Alemanha, será o palco para a estreia mundial da “Cantata Ayabas”, uma obra monumental de autoria da maestrina e compositora carioca Andrea Huguenin Botelho, inspirada na cultura Yorubá. O concerto reunirá 80 músicos e cantoras no palco, entre alemãs, polonesas, ucranianas e brasileiras, que irão cantar na língua Yorùbá. Entre as solistas, estão a soprano paraense Adriane Queiroz, e a polonesa Natalia Srycka.
Radicada há mais de 25 anos fora do Brasil – os últimos 16 deles em Berlim -, Andrea Botelho estudou durante quatro anos a língua brasileira de origem africana para compor essa obra, concebida para coro feminino, solistas (soprano e alto), orquestra de câmara e percussão brasileira.
“A ‘Cantata Ayabás’ é o resultado de mais de quatro anos de dedicação e paixão pela música e cultura afro-brasileira. Escrevi essa obra tendo como inspiração o desejo de me aprofundar na riqueza cultural e histórica do Brasil, sob outras óticas. Muitas das nossas histórias e raízes são ainda constantemente silenciadas e distorcidas. Me ocupo há anos em entender a nossa brasilidade através da história e raízes dos outros povos que fundaram e enriqueceram o nosso país”, falou Andrea.
Para ela, a cantata traz a música brasileira para o palco, celebrando suas raízes e diversidade. “Tenho muito fascínio pelas diversas línguas brasileiras, e considero entre elas a língua Yorubá. Com cerca de 45 milhões de falantes no mundo, o Yorubá é um testemunho vivo da resiliência cultural e da influência africana no Brasil. Sua presença no país não só enriquece nosso patrimônio cultural, mas também nos convida a valorizar a diversidade linguística brasileira. Sempre digo que, se por conta do colonialismo, a língua portuguesa se instaurou e foi oficializada. As línguas dos povos que foram oprimidos pela diáspora também têm que ser considerados”, destacou ela.
CANTATA
A cantata, um tipo de composição vocal para uma ou mais vozes, com acompanhamento instrumental e, às vezes, também com coro, tem duração 50 minutos, foi escrita em homenagem às Ayabás – as deusas mitologicas da cultura Iorubá, e é considerada pela compositora como umas das obras mais complexas que escreveu.
“Escrevi para orquestra sinfônica, dois coros femininos, duas solistas e percussão brasileira. As cantoras são a brasileira Adriane Queiroz e a polonesa Natalia Skrycza, ambas solistas da Staatsoper Berlin, uma das maiores da Europa. Os corais Ayabás Berlin e Chora são os selecionados, além de músicos de ponta na cidade. Será um concerto memorável e inesquecível”, disse a maestrina, que atualmente, em paralelo às suas atividades, trabalha em projetos de curadoria com o Schloss Britz em Berlim, apresentando uma série de concertos dedicados a compositoras, intitulada “Komponistinnen – eine Spurensuche”. Em 2024/2025, uma sequência dessa série será realizada e dedicada a compositoras contemporâneas.
Todo seu trabalho reforça seu status como figura central no diálogo cultural entre o Brasil e a Alemanha e como defensora das mulheres na música em todo o mundo.
A paraense Adriane Queiriz conheceu Andrea Botelho há alguns anos em Berlim, e ficou impactada com o trabalho da maestrina e sua perspicácia como compositora, pesquisadora e regente.
“Cantar para o feminino, musicar com mulheres fortes e apresentar obras novas de compositoras como Andrea Botelho, que também a rege, significa a base da arte, do nascer e renascer, pois todos fazemos parte da gestação e da ancestralidade indígena e africana!”, comemorou Adriane, destacando ainda que, como paraense, reconhece que esse universo está presente em todo seu âmbito cultural e religioso.
“Por isso vejo em ‘Ayabas’ um presente em participar desse grande projeto, em que a língua Yorubá, aliada aos ritmos genuinamente africanos, estão presentes. Vocalmente é um grande desafio, pois o âmbito vocal a ser explorado, agudo e grave, com partes faladas, exige concentração, estudo e, acima de tudo, um respeito às divindades. Estou feliz e o dia de amanhã (sábado) será certamente um novo marco nesse gênero!”, finalizou Adriane.