RECONHECIMENTO

Racionais MCs recebem título coletivo de doutor honoris causa na Unicamp

Eles foram os primeiros intelectuais negros e periféricos a receberem o título na instituição, em um reconhecimento inédito a um coletivo.

Eles foram os primeiros intelectuais negros e periféricos a receberem o título na instituição, em um reconhecimento inédito a um coletivo.
Eles foram os primeiros intelectuais negros e periféricos a receberem o título na instituição, em um reconhecimento inédito a um coletivo.

A Universidade Estadual de Campinas, a Unicamp, concedeu o título de doutor honoris causa aos Racionais MCs nesta quinta-feira (6), em reconhecimento à relevância intelectual do grupo formado por Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay, e sua atuação na luta contra o racismo e as violências sociais no Brasil. Eles foram os primeiros intelectuais negros e periféricos a receberem o título na instituição, em um reconhecimento inédito a um coletivo.

A honraria foi aprovada pelo Conselho Universitário da Unicamp em novembro de 2023, após um grupo de estudantes defender a concessão do título, em conjunto com os professores Omar Ribeiro Thomas, Jaqueline Santos e Daniela Vieira, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

“Quando a gente começou, a única ambição que a gente tinha certeza que aconteceria era que, quando os preto ouvissem a gente, alguma coisa aconteceria”, afirmou Brown na cerimônia. “Eu fui um jovem afoito, estudei muito pouco. Não tive tempo para estudar. Era questão de matar a fome. E quando eu me aventurei a tentar estudar, eu me senti um excluído na escola. Não me adaptada, não aprendia, não tinha amigos. Preferi sair para procurar um mundo melhor para mim.”

“Hoje, recebendo um título de ‘doutor’, é muita reflexão”, disse, e agradeceu sua mãe, Ana Soares, morta em 2016 aos 85 anos, os amigos de grupo e a esposa, Eliane Dias. Em 2023, Brown recebeu o reconhecimento da Universidade Federal do Sul da Bahia.

Em sua fala, KL Jay agradeceu ao extinto Bodega Bay e aos produtores do Clube do Rap, que propiciaram o primeiro encontro do grupo, além de outros precursores da cena em São Paulo. “Hip hop é um acontecimento espiritual que fez um grande resgate dos pretos no mundo inteiro. A Lauryn Hill também falou isso e eu falei: caramba, pensa que nem eu”, brincou.

Ice Blue homenageou seu pai e relatou momentos difíceis de sua vida. “Hoje eu sei o que é ter um filho preto da porta para fora. Eu sei o que minha mãe sentia quando
ela falava: ‘Me avisa onde você tá’. Hoje eu passo por isso. Então, estar hoje aqui vendo todos os meus antepassados, meu vô Benedito, seu Isac, entre outros que lutaram, eu sou um cara muito agradecido e honrado. Muito obrigado.”

Em sua fala, Edi Rock lembrou que a primeira gravação oficial dos Racionais MCs aconteceu em Campinas, em 1989, e agradeceu ao movimento negro e ao movimento de hip hop da cidade pelo acolhimento desde aquele período.

Os Racionais tiveram como madrinha a pedagoga e doutora em antropologia social pela Universidade de São Paulo Nilma Lino Gomes. Ela foi a primeira mulher negra a comandar uma universidade pública federal, ao ser nomeada como reitora da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira em 2013.

“A voz dos Racionais MCs ecoa luta por direitos. Com sua dura crítica ao poder e aos poderosos, resgata histórias silenciadas, as reinventa, trazendo-lhes legitimidade de forma insurgente. Abre as mentes. Propõe novas perspectivas estéticas e políticas sobre a realidade da população pobre no Brasil, capazes de provocar reflexões e questionamentos sobre as ciências e sobre as estruturas de opressão”, afirmou.

De acordo com ela, a Unicamp se renova a partir das ações afirmativa e da entrada de estudantes pretos, pardos, indígenas e de escola pública. “A universidade é um espaço de poder. E, para democratizar essa estrutura secular, é essencial que ela seja constantemente indagada e instigada a se manter sintonizada com a dinâmica do nosso tempo.”

Formado em 1988 na periferia de São Paulo, o grupo se consolidou como uma das vozes mais influentes da música nacional e da cultura periférica, com composições que pautaram o debate público sobre desigualdade social, violência policial e genocídio da população negra.

Em 2018, a universidade incluiu o álbum “Sobrevivendo no Inferno” entre as obras de leitura obrigatória para o vestibular 2020. Foi a primeira vez que um disco de música passou a ser recomendado para a prova. O grupo de rap foi incluído na categoria de poesias, ao lado de sonetos do português Luís de Camões.
Nomes como os professores Paulo Freire, Antonio Candido e Mário Quintana, além do economista Celso Furtado e do arquiteto Oscar Niemeyer, já receberam o título da Unicamp.

PAOLA FERREIRA ROSA