Na semana que passou, José Alberto Mujica Cordano, o uruguaio Pepe Mujica, fez uma despedida pública de amigos e companheiros de luta. Uma despedida da vida em um longo comunicado. Com câncer espalhado pelo corpo e sem saúde para tratamentos mais invasivos, ele resolveu esperar pela inevitabilidade em casa, numa chácara onde mora nos arredores de Montevidéu. Um dos heróis da luta pela democracia na América do Sul, o ex-presidente e para sempre um Tupamaro teve a vida narrada na graphic novel “Pepe Mujica e as Flores da Guerrilha”, de Matías Castro e Leo Trinidad, que será lançada pela primeira vez em português em 2025 pela editora Levoir, de Portugal.
“O que quero é dizer adeus aos meus compatriotas. É fácil respeitar quem pensa como você, mas é preciso aprender que a base da democracia é o respeito por quem pensa diferente”.
Quando se esperava que saísse do cárcere à beira da loucura, ele se transformou…
Na descrição da HQ, Pepe Mujica é apresentado como um jovem militante em partidos tradicionais, que partiu para o partido comunista e depois para a luta armada contra a ditadura no Uruguai. Ele foi preso quatro vezes, baleado seis vezes (algumas balas ele carrega no corpo até hoje) e dado como morto, escapou da prisão duas vezes. Ele ficou preso por 14 anos, onze deles na solitária. Quando se esperava que saísse do cárcere à beira da loucura, ele se transformou para retornar à vida civil chegando a presidente, tornando-se um líder mundial.
“Tudo que quero agora é dizer adeus. A minha vida me deu muitas recompensas”.
Pepe foi membro do Movimento de Liberação Nacional – Tupamaros (MLN-T). Um dos mais emblemáticos grupos de resistência do continente. O Tupamaros – nome dado em homenagem a Tupac Amaru II, líder indígena do Peru que comandou uma insurreição contra a Espanha, em 1780 -, foi um grupo de guerrilha urbana que operou nas décadas de 1960 e 1970, antes e durante a ditadura militar no Uruguai (1973-1985). Assaltos a bancos, clubes de armas, entre outros, o grupo costumava distribuir comida e dinheiro roubados aos pobres em Montevidéu.
“A vida é uma bela aventura e um milagre. Estamos muito concentrados na riqueza e não na felicidade”.
Fusca virou “xodó” nacional
Dono de um modo de vida austero, Pepe dirigiu durante anos uma lambreta que caía aos pedaços. Em 2005, quando se tornou ministro de Estado, deu um upgrade em seu meio de transporte, vendeu a lambreta e comprou um Fusca modelo 1982. Em 2015, um xeque árabe ofereceu US$ 1 milhão pelo possante, mas grupos uruguaios lhe pediram que não vendesse um símbolo nacional.
“Eu vivi a vida muito bem. Minha vida é meio que um romance. A Presidência é simplesmente um disparate, apenas mais um capítulo”.
Sempre as flores
No fim da vida, abandonou a política e as aparições públicas, dedicando-se à profissão que lhe foi passada pelo pai, a de floricultor. Durante décadas, forneceu flores para as feiras e floriculturas da capital uruguaia. Se existir um céu, Pepe distribuirá flores aos locais e se deliciará com a vida comunal.
“Para que as coisas permaneçam, é preciso mudar permanentemente. O que não alcança a sucessão morre, porque a morte se responde com a vida”.