Entretenimento

"Papo Cast: Uma história contada" revela narrativas na Terra Firme

Idealizado pela professora Lília Melo, o projeto narra as histórias de vida de seus ex-alunos do ensino médio na Escola Estadual Brigadeiro Fontenelle, em Belém. FOTO: Divulgação
Idealizado pela professora Lília Melo, o projeto narra as histórias de vida de seus ex-alunos do ensino médio na Escola Estadual Brigadeiro Fontenelle, em Belém. FOTO: Divulgação

“Reverberar as vozes das pessoas da periferia”, esta é a missão do “Papo Cast: Uma história contada”, segundo a idealizadora dele, a professora Lília Melo. Conhecida por diversas premiações, inclusive uma internacional, ela desenvolveu o projeto a partir das histórias de vida de seus ex-alunos do ensino médio na Escola Estadual Brigadeiro Fontenelle, em Belém. Com narrativa de Josy Louzeiro, “Podes mirar que vais errar minha pele escura” é o quinto episódio desta temporada, e entra no ar esta semana, assim como o último episódio, que irá reunir todos os participantes.

O podcast “PapoCast: uma história contada” foi aprovado pelo edital da Fundação Cultural do Pará (FCP) referente ao Prêmio de Incentivo à Arte e à Cultura 2022. As cinco histórias inspiradoras presentes na série, são também muito significativas para a construção da trajetória profissional de Lília como a Melhor Professora do Brasil (MEC/2018). São jovens da periferia, com histórias incríveis de resistência e superação através da produção artístico-cultural.

“O ‘Papo Cast’ pretende ser um programa audiovisual porque vamos disponibilizar o conteúdo, tanto em áudio, no Spotify, como em vídeos no YouTube. O projeto surgiu a partir da necessidade que eu tenho de dialogar com as narrativas de sucesso de pessoas da periferia, com ideias artístico-culturais para superar as dificuldades do dia a dia. As pessoas, através da arte e da cultura, conseguem vencer a ausência de coisas que elas não têm”, explica a professora.

Ela conta que percebeu entre essas ausências a falta de um instrumento que dialogasse com a comunidade. “Pretende ser não só pedagógico, como um produto educacional, mas uma vitrine para valorizar as pessoas das periferias. São narrativas superadoras, mas que estão silenciadas dentro das estruturas formais. Elas precisam ter suas vozes reverberadas e o ‘Papo Cast’ é um instrumento de reverberação dessas vozes”, afirma Lília Melo.

É o caso da funcionária pública Leide Gomes. Aos 40 anos, ainda é difícil para ela lembrar as situações de tristeza que passou com ex-companheiros e com os filhos, mas, conseguiu superar e ressignificar tudo. Essa é a narrativa do terceiro episódio da série, “O amor tem cheiro de pimenta e cominho”, já disponível no YouTube.

“Não foi fácil falar de coisas muito tristes da minha vida, como o abandono da minha própria mãe, a violência que sofri por dois ex-companheiros, e ainda, diante dos meus dois filhos. Passamos também por muitas necessidades financeiras. Foi como ter que voltar ao passado e reviver tudo o que eu vivi. Mas também foi bom porque pude mostrar que de tudo que eu passei, me recuperei, dei a volta por cima e superei. Pude ser exemplo para outras mulheres”, afirma.

O amor tem cheiro de pimenta e cominho

Leide Gomes conta que o título “O amor tem cheiro de pimenta e cominho” faz referência ao cheiro que tinha na própria casa na época que conheceu a professora Lília Melo. “No dia em que a professora veio pela primeira vez na minha casa, na época, era muito humilde, não tinha nada, só um cheiro de pimenta e cominho porque era o que eu vendia na feira pra sustentar meus filhos, uma renda de R$8 por dia, mas minha casa vivia cheia de jovens amigos do meu filho, eu cuidava deles e dava muito amor e carinho pra todos. Ela viu que lá eles se sentiam bem, então ela deu esse título ao episódio”.

Ao selecionar os convidados, Lília conta que buscou histórias que já tinham uma espécie de produto, um filme que materializasse o contexto falado. O primeiro episódio fala de Natasha Angel, em “Meu Corpo é Poesia”, com um filme que já existe. A reunião entre a professora e estes jovens ocorre desde 2015, quando fizeram o filme “O Extermínio é Protagonismo”.

“São pessoas com as quais construímos uma relação afetiva, de se conhecer, de se perceber. Hoje essas pessoas são exemplos para outros jovens. São eles que palestram para os outros. Inclusive, o segundo episódio ‘O Pulsar do Corpo Preto’, com Kleberson Willian, revela um pouco disso. Nele, ele diz: ‘sou a Pantera Negra das crianças, porque um dia o personagem Pantera me mostrou isso’. Eles não só se reconhecem, mas assumem essa responsabilidade de ser referência dentro de sua própria comunidade”, analisa Lília.

SALA DE AULA

De forma prática, Lília Melo, mostra que o “Papo Cast” deve circular nas escolas e comunidades. “A pretensão é a gente construir um novo paradigma, de dentro para fora, e não o contrário. Ou ainda, que ele seja mútuo, mas é preciso perceber que as instituições de ensino trabalham com uma relação vertical, de cima para baixo. O ‘Papo Cast’, por outro lado, vem para mostrar que é tudo circular, quer dizer que a gente aprende a cada instante e isso precisa estar nas escolas”.

A ideia ainda é chamar a atenção dos educadores e educadoras não só da rede privada ou pública, mas principalmente neste contexto das novas tecnologias, que são observadas com uma grande dificuldade nesse meio e esse é um produto educacional para dizer que é possível usar um podcast dentro da sala de aula. “A gente pode fazer um áudio de qualquer aplicativo e, por bluetooth, simular um rádio”, ensina.

“A inserção nesse contexto tecnológico é pensar em estender o uso dele para a sala de aula, para formar esses meninos para as tecnologias midiáticas. É por isso que esse programa não é só para educadores, mas para a comunidade como um todo, a gente, por ter dificuldade com as redes, coloca eles na internet. Não vai dar para tirar a internet, mas tem que utilizar essa ferramenta com outro viés de forma positiva e produtiva”, completa.

RECONHECIMENTO

A professora Lília Melo recebeu diversos prêmios por suas iniciativas, como o já citado Prêmio de Melhor Professora do Brasil, e foi reconhecida como uma das 50 melhores educadoras do mundo pelo Global Teacher Prize 2020, considerado o Prêmio Nobel da Educação, concedido a cada ano pela Fundação Varkey, que trabalha pela melhoria da educação para crianças em situação de vulnerabilidade. Dentre os projetos agraciados se destacam o Cineclube TF, pelo qual a linguagem audiovisual foi utilizada como principal forma de ecoar a realidade do bairro da Terra Firme, na capital paraense.

Texto: Wal Sarges/Repórter do Caderno Você

ASSISTA
Papo Cast: Uma história contada
Onde: www.youtube.com/@papocastumahistoriacontada