Fábio Nóvoa
Quando um diretor de cinema decide emular algum elemento que seria, teoricamente “real”, como nos filmes “found footage” ou “mockumentary” (estão cheios de exemplos por aí, como “Bruxa de Blair”, “REC” e “Borat”), ele tem uma possibilidade segura e um risco. A possibilidade é poder trabalhar com elementos criativos, tanto estética quanto narrativamente, a partir de algo palpável, reconhecido, mas criando algo único. O risco está na falta de sutileza do real, que faz falta quando o filme não reconhece sua função catártica ou didática.
“Entrevista com o Demônio” (2023) trabalha bem no terreno das possibilidades, mas enfrenta o risco de parecer estressante como o bastidor de um programa de TV existente. Aqui, os diretores Cole e Cameron Cairnes (sim, mais uma vez temos irmãos no controle de um filme de terror) conseguem ser criativos na condução da obra, que mostra um apresentador decadente e sensacionalista tentando alavancar a audiência novamente com uma suposta possessão demoníaca ao vivo no palco.
O design de produção é certeiro ao recriar o clima dos anos 70, com direito a estética televisiva da época, além de recursos criativos para aumentar a tensão, como os intervalos em preto em branco e as reações da plateia. E conta ainda com o carisma de David Dastmalchian, ator que tem um currículo extenso na indústria americana, mas que parece cada vez mais à vontade no cinema de horror. Dastmalchian tem a cara e os trejeitos de um âncora picareta e trabalha bem as nuances do personagem.
O único problema do filme dos Cairnes foi tornar a experiência tão real que, em algum momento, ela se torna maçante, e isso pode ser fatal em um filme de terror que precisa envolver seu público. O fato é que demora muito para termos contato com o verdadeiro potencial da obra e quando a natureza do mal se revela, a produção já caminha para a reta final, que pode ser decepcionante e incompleta para muitas pessoas.
O fato é que, na somatória dos pontos, o filme vence pela inventividade em um gênero que poderia estar saturado, como é o horror, mas que tem se mostrado ainda vivo e com sucesso de público e crítica, ainda bem, nos últimos anos. Além do circuito comercial, o filme também entrou na programação do Cine Líbero Luxardo, no Centur. Consultem a programação nas redes sociais.