LEONARDO SANCHEZ
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – São três as provações pelas quais “Nosso Lar 2: Os Mensageiros” vai passar quando chegar aos cinemas nesta semana.
Primeiro, precisará provar seu próprio apelo 14 anos após o filme original levar 4 milhões de espectadores às salas. Depois, vai testar se o espiritismo continua forte num Brasil que, neste meio tempo, viu a ascensão das igrejas neopentecostais. Por fim, vai medir o poder de atração do cinema nacional antes que a cota de tela, recém-sancionada pelo presidente Lula, seja de fato implementada.
Tudo isso num cenário ainda hostil ao audiovisual local, após a ausência de políticas públicas para o setor durante o governo de Jair Bolsonaro, o acirramento de um discurso contra a classe artística e a ascensão do streaming, que na prática escanteou produções de pequeno e médio porte, como são os filmes brasileiros, nos dados de bilheteria.
Dirigido por Wagner de Assis, que comandou a produção seminal e outras do subgênero espírita, como “Kardec” e “Chico para Sempre”, “Nosso Lar 2” estreia querendo mais uma vez ser um blockbuster, como foi o caso em 2010, quando alcançou a quinta posição na lista de maiores bilheterias nacionais da época.
Agora encontra, no entanto, um país muito diferente daquele, seja na área cultural, seja na religiosidade. Se antes os católicos, que vão menos às igrejas, eram a maioria da população, hoje eles caíram para 50%, enquanto os evangélicos, três vezes mais assíduos e, portanto, mais fiéis a seus ritos, segundo pesquisa do Datafolha de 2020, subiram para 31%.
Baseado na obra literária de Chico Xavier, maior nome do espiritismo no Brasil, “Nosso Lar 2” afirma, ainda nos primeiros minutos de tela, que “a morte não existe, quando acordamos na dimensão paralela, continuamos a responder por nossas histórias. É um fato, não uma crença”.
Assis, no entanto, diz que o longa é uma ficção sem proselitismo ou caráter doutrinário. Segundo ele, foi por causa de temas universais, “que não são propriedades do espiritismo”, que o primeiro filme conseguiu arrecadar R$ 36 milhões de bilheteria, números impressionantes para a realidade do audiovisual brasileiro.
“Nosso Lar” não está sozinho. Entre os anos 2000 e 2010, o nicho espírita se provou uma mina de ouro para o cinema nacional. Além dele, “Bezerra de Menezes – O Diário de um Espírito” e “As Mães de Chico Xavier” foram sucessos naquela virada de década, com cerca de meio milhão de espectadores cada.
“Chico Xavier”, por sua vez, levou 3,4 milhões de pessoas às salas de cinema. Antes da pandemia, “Divaldo – O Mensageiro da Paz” e “Kardec”, ambos de 2019, mostraram que ainda havia público para o subgênero, com 430 mil e 749 mil espectadores, respectivamente.
Em paralelo, cresceu na última década a presença de evangélicos nas telas. “Nada a Perder”, “Os Dez Mandamentos” e “Nada a Perder 2” venderam 12, 11 e 6 milhões de ingressos, nesta ordem. O número é inflacionado, já que templos compravam entradas e distribuíam para fiéis que não necessariamente compareciam às sessões, como reportagens mostraram à época, mas mesmo seu público real já forma uma massa considerável.
“Nosso Lar 2” vai tentar trilhar o mesmo caminho com uma trama que retorna ao plano etéreo que dá nome ao longa, para onde vão os espíritos após sua morte biológica e onde aguardam a reencarnação.
O cenário é o que liga o primeiro e o segundo filme, já que, agora, acompanhamos cinco guias espirituais que voltam à Terra para orientar um médium. Entre eles estão personagens vividos por Edson Celulari, Fernanda Rodrigues e Fábio Lago. Othon Bastos retorna como o governador Anacleto.
“Eu quero acreditar que ‘Nosso Lar 2’ vai ser um produto de cinema, e o cinema é democrático, é aberto a qualquer pessoa que queira sentar e ver o filme”, diz Wagner de Assis. “É da natureza do próprio espiritismo não ser doutrinário, então não temos a presunção de defender uma linha filosófica ou outra. A gente espera que isso funcione agora do mesmo jeito que funcionou no primeiro filme.”
Não foi só no cinema, no entanto, que os evangélicos ganharam fôlego e abocanharam uma fatia generosa do público interessado nos filmes de fé, que só no ano passado teve ainda como exemplares “Nas Ondas da Fé”, “O Pastor e o Guerrilheiro” e “Mato Seco em Chamas”. Na televisão também ocorre movimento semelhante.
Mesmo que “A Viagem”, baseada no kardecismo, esteja voltando para uma reprise no Viva, a Globo já deixou claro seu desejo de priorizar os evangélicos, com tramas inteiras girando em torno de personagens desse grupo religioso, como “Vai na Fé”, e trocas de padres por pastores, como a que ocorreu no remake de “Renascer”.
Se antes os espíritas ocupavam lugar privilegiado nos núcleos espirituais dos folhetins, como em “Além do Tempo”, “Amor Eterno Amor” e “Escrito nas Estrelas”, todas da última década, agora eles vêm rareando. Autora de todas essas tramas e a única especializada no tema na Globo, Elizabeth Jhin foi demitida da emissora há dois anos, após três décadas de trabalho.
Desde a pandemia, o cinema brasileiro sofre com bilheterias pouco expressivas. Enquanto produções estrangeiras conseguiram aos poucos retomar os níveis de arrecadação, as nacionais custaram para despertar o interesse do público. Foi só na semana retrasada que um longa produzido por aqui, “Minha Irmã e Eu”, conseguiu atingir um milhão de espectadores, algo que ao menos as comédias faziam com certa facilidade antes da Covid-19.
“Nosso Lar 2” tenta agora driblar o novo contexto religioso que se estabeleceu no país, mesmo sem o apoio que a cota de tela teria dado, caso já estivesse em pleno funcionamento, uma vez que obriga os cinemas a destinar parte de sua programação, incluindo os horários nobres, antes das 17h, a filmes nacionais
A obra também representa o tipo de aposta que a indústria local faz nesta esperada retomada. Sequências, como também vem acontecendo em Hollywood, despertam cada vez mais o interesse de produtores brasileiros. Depois de “Ó, Paí Ó 2”, o filme espírita se junta a “O Auto da Compadecida 2” e “Estômago 2” na lista dos sucessos comerciais de outrora que tentam uma nova chance nas bilheterias neste ano.
“O que é bom pode ser repetido, revisto, recriado. A pandemia trouxe um pouco essa ideia de revisitar algumas coisas. Que sejam bem-feitas”, diz Edson Celulari, que vê certa nostalgia no movimento, para além do inescapável aspecto comercial.
NOSSO LAR 2: OS MENSAGEIROS
Quando Estreia nesta quinta (25), nos cinemas
Classificação 14 anos
Elenco Edson Celulari, Fernanda Rodrigues e Othon Bastos
Produção Brasil, 2024
Direção Wagner de Assis