MODA

Normando: moda amazônica na SPFW

Descubra a estreia da marca paraense Normando na São Paulo Fashion Week, com o tema 'As joias da rainha', em homenagem a Regina Guerreiro.

Marca dos paraenses Marco Normando e Emídio Contente estreou na maior semana de moda da AL
Marca dos paraenses Marco Normando e Emídio Contente estreou na maior semana de moda da AL

A marca paraense Normando, assinada por Marco Normando e Emídio Contente, fez uma belíssima estreia nas passarelas da São Paulo Fashion Week – maior calendário da moda da América Latina, que está em sua 58ª edição, com o tema “As joias da rainha”, em homenagem à jornalista, editora e crítica de moda Regina Guerreiro. O evento está acontecendo no Pavilhão das Culturas Brasileiras do Parque Ibirapuera e em locais externos da capital paulista, desde o dia 14 e segue até 21 de outubro.

Na última quarta-feira,(16/10), a Normando apresentou sua 5ª collection, denominada de “Vândalos do Apocalipse” – faz alusão sobre os modernistas que, no início do século 20, viviam no Norte do país (o vídeo do desfile e as fotos de todos os looks estão disponíveis no site da SPFW). Na época, em associações como a Academia do Peixe Frito e Academia ao Ar Livre, escritores, jornalistas e pensadores locais como Abguar Bastos e Clóvis de Gusmão discutiam sobre obras, artes plásticas e autores expoentes da arte nacional. Em 1922, ocorreu no Sudeste a Semana de Arte Moderna, reunindo artistas e intelectuais como Tarsila do Amaral, Mário de Andrade e Anita Malfatti, entre outros.

Essa collection se destacada por utilizar uma variedade de materiais de baixo impacto poluidor e proteção ao meio ambiente. Entre eles, a grife elabora fibras de juta, algodão e malva, de origem brasileira, cultivadas nos estados do Pará e de Rondônia. É importante ressaltar que essas fibras são premiadas e asseguradas pelo Ibama e pelo Sebrae, e, se tornaram alternativas no segmento têxtil por garantir a mesma qualidade e durabilidade que o jeans, denim etc. A inovação se dá pelo plantio sustentável, que não capta água de reservatórios ou lagos, aproveitando as correntes de rios próximos, sem uso de agrotóxicos.

Os diretores criativos da marca apostaram nos tecidos e aviamentos que remetem à trajetória plural brasileira, em peças pensadas a partir de ripas de madeiras úmidas, estampas de pirarucu, camisas de algodão e cuias/artefatos dos povos originários. E algumas vestimentas transcendem ao luxo, em vestidos cravejados de pedras de cristais Swarovski.

Coleção faz repensar futuro estético da moda

Marco e Emídio apresentaram uma coleção que nos faz repensar o futuro da moda e dos padrões estéticos. Eles brincaram com looks ousados, provocantes e rebeldes, mas conectados com referências regionais e atemporais, sem perder sua essência. Há peças de roupas elaboradas em shapes conceituais – que fazem parte do DNA da grife paraense, principalmente na alfaiataria -, que se misturam a modelagens urbanas de calças de cinturas alta e baixa. E as t-shirts com a estampa “Academia do Peixe Frito” foram usadas pelos modelos com chapéus de marinheiros.

Alguns looks reinterpretam a vida aquática amazônica, como os fluídicos vestidos retos alongados de seda, com belas estamparias dos peixes de rio, como o tucunaré e o pirarucu. Vale a pena dar um zoom nos detalhes e precisão da alfaiataria, que entrega muito… Como por exemplo, os paletós e casacos com ombros bicudos acentuados (com um ar futurístico oitentista); blazers de mangas arredondadas nas laterais, com técnica similar ao vestido-camisa de vitória-régia (ícone da marca).

Há um blazer com cuias aplicadas no busto. Em outro look, o artefato ancestral se transforma num top preto envernizado. O látex da seringueira amazônica surge como efeito de couro em blazer e faixa-corset sobreposta a uma saia lápis de seda, proporcionando aquele efeito sexy “dominatrix”. A calça, que parece jeans, na verdade é de fibra de juta, algodão e malva.

A ousadia vai além das mulheres de gravata e homens de calcinha com fio aparente no quadril. A dupla escolheu investir em tecnologia e criatividade, como nos conjuntos e vestidos em tons terrosos que lembram pedaços de madeira de palafita (são tecidos estampados de lã estruturada com barbatanas e tingidos com café), e ainda um top de marchetaria no formato do mapa do Brasil, além das clutches de peixes de madeira (há quem duvide que seja uma bolsa). A proposta dos dois foi se permitir ir além do senso comum, transitar entre a arte, manualidades em texturas e tingimentos naturais, aliados a uma alfaiataria ora sóbria, ora conceitual.

Emidio Contente e Marco Normando concederam uma pequena entrevista por direct para falar da estreia.

1 Como surgiu o convite para desfilar na SPFW? A coleção já estava pronta?

Nossa relação com os organizadores da SPFW é antiga, iniciamos nossas carreiras dentro do Movimento Hotspot, organizado por eles em 2012. Nossas coleções envolvem muita pesquisa teórica. Então, essa etapa de pesquisa está com a gente há muitos meses. O desenvolvimento em si das peças é que foi mais recente até chegar no desfile. Os Vândalos do Apocalipse, que é o nome dado para esses pensadores modernistas da Belém do início do século XX foi nosso ponto de inspiração para essa coleção. Lemos muitos artigos acadêmicos contemporâneos, livros atuais e da época, e jornais e revistas da época, como a “Belém Nova”, publicação modernista de meados dos anos 1920, para desenvolvermos essa pesquisa e culminar na coleção.

2 Como vocês se veem como criativos da Amazônia, e de que forma a marca Normando contribui para essa relação da moda sustentável, diante das grandes potências da nossa Amazônia Paraense?

A Amazônia é nosso ponto de partida para tudo. É da floresta que vem o cerne do nosso pensamento e nossas responsabilidades. Acreditamos que só faz sentido pensar em arte, design e moda, atualmente, com um olhar e práticas sustentáveis. Nessa coleção, trabalhamos mais uma vez o látex amazônico, que é uma matéria prima que acompanha a trajetória da marca e que é produzida sem devastar, mantendo a floresta em pé e de maneira limpa, e introduzimos nessa coleção as fibras de juta e malva produzidas pela Companhia Têxtil de Castanhal, em que a irrigação das plantas de onde as fibras são extraídas é feita em um processo sustentável e utilizando o fluxo dos rios. É um processo muito bonito, importante, inteligente, tecnológico e sustentável. E 100% amazônico, de uma empresa de Castanhal. Temos muito orgulho de estarmos juntos nesse momento. Além disso, nessa coleção temos as cuias tingidas com cumatê, que aparecem não somente no top e casaco com a cuia aplicada, como também viram botões que desenvolvemos especialmente para essa coleção.

3 Com olhares tão diferentes, de estilista e artista visual, como conseguem sintonia para criar a coleção?

Nossa sinergia é grande, trocamos muitas referências. O momento da pesquisa temática é sempre o mais complexo, mas vivenciamos muito do que pensamos, além de lermos muito e consumirmos conteúdos diversos até chegamos nos assuntos que queremos abordar. Na parte de desenvolvimento da coleção, os desenhos e croquis são 100% feitos pelo Marco Normando, que é o estilista da marca. Assinamos os dois com a direção criativa, sendo o Marco o único estilista. Nossa parceria dá muito certo!

Texto de Tania Tätsch*

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