Noite de carimbó solidário para Mestra Jesus

Nesta quarta-feira, 28, às 19h, ocorre o “Carimbó Solidário”, no Teatro Margarida Schivasappa, em Belém. O evento pretende arrecadar recursos para ajudar no tratamento de saúde da Mestra Maria de Jesus Rodrigues Barbosa, 53 anos, que possui mais de 50 obras musicais, entre carimbós, xotes e lundus, além de músicas em homenagem aos orixás. São atrações da festa os grupos Carimbó Igarapé, Encanto do Tambor, Volta ao Mundo, Manas no Carimbó, Chuva no Carimbó, Tamboiara Amazônia e Iaçá de Luta, além do Mestre César e o Bendito Carimbó e a Mestra Leide.

Maria de Jesus Rodrigues Barbosa é professora aposentada e compõe pontos (músicas e doutrinas) em homenagem aos orixás. Natural de Cachoeira do Arari, ela mora há três anos em Salvaterra, também no arquipélago do Marajó, e está em tratamento em Belém, após ser diagnosticada com neoplasia no intestino (câncer colorretal). Ela se submeteu a uma cirurgia em julho deste ano no Hospital Barros Barreto e está em recuperação em casa.

“Tive que frear a minha rotina e cancelar toda a minha agenda cultural e cuidar da minha saúde. Tenho uma rede de apoio do grupo Carimbó da Amazônia, do qual sou uma das fundadoras. Elas não estão medindo esforços para garantir minha estada em Belém, além de alimentação e medicamentos, que são caríssimos. Eu vou ficar bem para continuar esse trabalho e dar continuidade ao legado que vem sendo passado por gerações”, afirma Maria de Jesus.

Liderança feminina fundamental ao carimbó paraense

A cantora Priscila Cobra comenta que a Mestra Jesus só conseguiu produzir seu primeiro disco em 2022, mesmo com mais de 30 anos de carreira. “Ela é superimportante para o Marajó como um todo, não somente para a Cachoeira do Arari, porque é uma mestra mulher que tem mais de 35 anos de atuação. No entanto, ela só conseguiu gravar o primeiro disco de estúdio em 2022, mesmo com décadas de atuação e inúmeras composições. Além disso, posso dizer que quando você é uma mestra mulher negra, vinda de Cachoeira do Arari, com a densidade da carreira que ela tem, é de fundamental importância para o carimbó paraense”.

A artista diz que agora é um momento de união de forças. “A nossa comunidade se une, se fortalece para ajudar na causa. No show, vai ser a união de várias mulheres, inclusive quem está organizando o show é o grupo Mulheridades do Carimbó, e traz essa união de forças, de talentos, de criatividade que se junta, enquanto comunidade, atuando no sentido de se ajudar mutuamente, de se fortalecer e de jamais desamparar qualquer um de nós quando precisa. Então, esse show é uma roda solidária em prol da Mestra Jesus, pela sua importância, pela sua saúde e pelo seu bem-estar”, ressalta Priscila Cobra.

Carreira iniciada na infância e mais de 50 músicas

A Mestra Maria de Jesus começou sua carreira como compositora na década de 1980, quando ainda era menina. Seu primeiro carimbó se chama “Vida no Mar”, que exalta a vida do pescador e com o qual ela conquistou o segundo lugar num festival de música em Cachoeira do Arari. “Desde daí, começou minha trajetória com o carimbó, mas também atuei com Pássaro Junino, quadrilhas e no teatro. Coordenei um grupo de teatro chamado Frutos do Amanhã, com temáticas socioambientais, que já era uma preocupação minha há muito tempo. Dentro do teatro, eu trabalhava a musicalidade, levando o carimbó”, conta ela, que também atuou em um grupo de pagode chamado Cadência.

Na década de 1990, ela compôs o carimbó “Caboclo Rústico”, que retrata a realidade ribeirinha e as atividades de resistência da agricultura local. “Fala do caboclo rústico e marajoara, que sai em busca de sustento para sua família. Faço um apanhado de toda essa vivência, de toda essa realidade ribeirinha e cabocla. Nas minhas composições tem muito a presença do meu olhar rural, porque eu vivia em fazenda, então trago esse contexto, mas também sempre estive antenada com a realidade social, política, e atrelava tudo isso às minhas práticas na educação”, destaca.

“Fui crescendo nessa manifestação mística, de lendas, visagens. Isso tudo me inspirou. Sou neta de um agricultor, que também tinha suas vivências na vida ribeirinha. Então, fui crescendo e vivendo com a minha ancestralidade”

“Meu trabalho sempre foi pautado pelo carimbó e o teatro, trazendo sempre o carimbó nessa musicalidade. É uma tradição passada de geração em geração. Eu aprendi com a minha mãe a contação de histórias. Ela lia pra gente à luz de lamparina, por exemplo, e passei a tocar instrumentos e principalmente o violão, olhando os outros. Como meu pai, que também era violonista e compunha músicas para a peregrinação de São Sebastião. Eu via essa manifestação e aprendi com eles. Ouvia as gírias da Umbanda e fui crescendo nessa manifestação mística, de lendas, visagens. Isso tudo me inspirou. Sou neta de um agricultor, que também tinha suas vivências na vida ribeirinha. Então, fui crescendo e vivendo com a minha ancestralidade”, completa.