CINEMA

Mel Gibson volta à direção em filme com cara de produção barata

Entenda como os filmes DTV evoluíram para o VOD e se tornaram parte integrante das plataformas de streaming hoje em dia.

Foto: Divulgação / Divulgação
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No tempo das locadoras de filmes, para suprir as prateleiras e ter sempre alguma novidade à disposição dos clientes, muitas produtoras realizavam o que se convencionou chamar de DTV, sigla para “direct-to-video”. Eram longas-metragens de orçamentos bem mais modestos que os blockbusters de Hollywood, geralmente com astros de segunda ou terceira linha e quase sempre nos gêneros de ação, suspense ou terror. Os DTV s formaram gerações e hoje têm sua extensão nos chamados VOD, “video on demand”, que incluem produções originais das plataformas de streaming.

Fosse nos anos 1990, “Ameaça no Ar” possivelmente seria um DTV, ou no mínimo considerado para encorpar as locadoras. A volta de Mel Gibson à direção quase dez anos depois do sucesso de “Até o Último Homem”, que inclusive o colocou na disputa pelo Oscar de melhor filme duas décadas após dele se sagrar o grande vencedor por “Coração Valente”, surge como o trabalho menos ambicioso e mais inofensivo na trajetória do astro atrás das câmeras.

Em seu sexto longa-metragem e depois de tratar de um homem deformado suspeito de pedofilia, da independência da Escócia, da crucificação de Jesus Cristo, da civilização maia e de um médico do Exército dos EUA na Segunda Guerra, Gibson escolhe narrar a simples e direta história de um avião de pequeno porte sequestrado por um mercenário com o intuito de matar a testemunha-chave que pode colocar na cadeia um poderoso chefão do crime organizado.

Contido em apenas três personagens dentro do avião, “Ameaça no Ar” inclui outras presenças através da interação da agente federal vivida por Michelle Dockery com o radiocomunicador, mas o grosso da tensão fica mesmo entre ela, o matador grosseiro e ninfomaníaco interpretado por Mark Wahlberg e o contador engraçadinho e tagarela de Topher Grace.

É um filme de ação bastante simplório, com algum senso de humor inserido nos diálogos do roteiro de Jared Rosenberg. Há a tentativa de crítica à corrupção nas grandes esferas do poder que tanto fazem a cabeça dos teóricos da conspiração, mas isso não é exatamente aprofundado para além das revelações do enredo sobre quem é honesto e desonesto.

O que mais interessa na abordagem de Gibson é de fato o exercício formal da movimentação e tensionamento, mantendo o filme inteiro no interior do avião, num ritmo frenético que nunca deixa a atenção se dispersar. Ao mesmo tempo, e para além da competência formal, “Ameaça no Ar” parece o tempo todo ensaiar algo maior do que realmente entrega o que nem é uma responsabilidade assumida pelo filme.

Passam-se 90 minutos à espera de algo que desligue o piloto automático das cenas e isso só acontece dentro da trama, quando a agente federal eventualmente é obrigada a assumir o manche da aeronave. Do lado de cá, assiste-se a “Ameaça no Ar” com algum prazer, aquele mesmo que se tinha nos filmes DTV, o que significa também a sensação de que a experiência será apenas a daquela duração.

Nada necessariamente ruim nisso: na prática, filmes efêmeros podem formar caráter e gosto. Mas, em se tratando de uma figura como Mel Gibson, é de estranhar o impulso e interesse dele em voltar à direção num projeto com tanto cheiro de desimportância.

Que o filme tenha tido a estreia adiada de outubro de 2024 para janeiro de 2025 e seja lançado justamente na semana da posse de Donald Trump e dias depois do próprio Gibson ser alçado a “embaixador de Hollywood” pelo atual presidente não soa exatamente coincidência.

Se “Ameaça no Ar” tivesse algum outro tipo de impacto ou relevância, até poderia fazer sentido, mas nunca um DTV quis ser mais do que sua própria existência numa prateleira empoeirada. Talvez seja o caso aqui, ao menos enquanto Gibson se prepara para retornar à Bíblia nas duas sequências prometidas de “A Paixão de Cristo” nos próximos anos.

AMEAÇA NO AR

  • Avaliação Regular
  • Quando Em cartaz nos cinemas
  • Classificação 14 anos
  • Elenco Mark Wahlberg, Michelle Dockery, Topher Grace
  • Produção EUA, 2025
  • Direção Mel Gibson