Texto: Aline Rodrigues
O arquipélago do Marajó e suas belezas serão o cenário do episódio de estreia da série “Amazônia Ancestral”, dirigida e roteirizado pela cineasta paraense Zienhe Castro. A série do Canal Curta se aprofunda nos saberes e nas origens da cultura da floresta.
“Iniciamos as filmagens em novembro, rodamos o primeiro episódio no Marajó. Vamos montar e finalizá-lo para dar continuidade na produção dos próximos cinco episódios. No segundo episódio vamos para o oeste do Pará, Santarém, Monte Alegre, Alenquer, Arapiuns, onde temos diversos saberes tradicionais preservados e alguns até já estão catalogados como patrimônio imaterial, como as cuieiras e os grafismos das cuias. Temos planos de filmar um episódio no Acre, um no Amazonas e um no Amapá”, adiantou Zienhe Castro.
A série “Amazônia Ancestral” deriva de um curta que a cineasta aprovou num edital da Petrobras em 2010, “Ervas e Saberes da Floresta” (2010). “Tudo começou quando percebi que o tema abordado no curta rendia um material incrível para um longa ou uma série documental. O objetivo principal da série é contribuir para valorização e salvaguardar desses saberes, desses conhecimentos para as futuras gerações”, disse a cineasta, que vem se debruçando sobre essa pesquisa desde 2004.
“Foi revelador quando fui para campo pesquisar/filmar e encontrei um universo imenso de conhecimentos salvaguardados nas histórias orais dos povos e comunidades da floresta, principalmente as mulheres, que são as matriarcas, as grandes guardiãs e depositárias desses saberes. Sou motivada pela importância desses conhecimentos para nossa identidade cabocla, amazônida, e a força desses saberes no dia a dia dos caboclos, ribeirinhos, quilombolas, indígenas, enfim, de toda a população que habita e vive na floresta”, acrescentou ela.
Agora a expectativa é conseguir fazer uma boa circulação/exibição desse material por meio do licenciamento com o Canal Curta. “Que [o canal] dê visibilidade nacional à série e atinja o coração do público brasileiro sobre a importância de valorizar e salvaguardar nossos saberes ancestrais, enfim, valorizar nossas origens. Um dos propósitos da série, além de valorizar os conhecimentos tradicionais, é reconhecer e validar o papel da mulher na transmissão, como guardiãs desses saberes”, acrescentou ela.
Realizada em parceria com o Canal Curta, “Amazônia Ancestral” vai traçar o panorama das diversas práticas milenares, artesanais e de produção da cultura amazônica, seja das cerâmicas, do uso de plantas medicinais e gastronômicas da floresta, seja em suas técnicas de cultivo.
“Nessa primeira temporada, com seis episódios, estamos com o planejamento desenhado para percorrer comunidades ribeirinhas, quilombolas e indígenas do Pará, Acre, Amazonas e Amapá. Nosso intuito é ter uma segunda temporada, ainda percorrendo os outros Estados da Amazônia Legal e uma terceira temporada sobre os saberes ancestrais da Amazônia internacional. A série pretende apresentar um recorte desses conhecimentos tradicionais nas diversas Amazônias”, adiantou Zienhe, que é diretora de sete filmes, entre documentários e ficção, e fundadora do Festival Pan-Amazônico de Cinema – Amazônia FiDoc, que promove a difusão da cinematografia dos nove países pan-amazônicos.
Série documental valoriza também o papel dos gardiões
A cineasta credita que existe um público curioso, interessado e conectado com a temática que será abordada na série, pessoas essas que buscam informações, por várias razões, inclusive pelo interesse em poder contribuir e manter esses saberes e fazeres vivos, valorizados, salvaguardados. “Valorizar sobretudo nossas mestras e mestres, esses valiosos guardiões dos saberes. Esses saberes são nossas memórias ancestrais, nossas origens, é um valioso patrimônio imaterial do Brasil e do mundo. Essa série representa um marco na minha trajetória de documentarista da Amazônia, é a minha primeira série documental que vai entrar em circuito nacional”, disse ela, destacando ainda que é importante que finalmente os amazônidas tenham a oportunidade de serem protagonistas dessas narrativas.
“Assino como autora, roteirista e diretora da série, mas é importante ressaltar a participação de outros parceiros/colaboradores importantes que estarão comigo em alguns episódios, como a cineasta e roteirista Graciela Guarani, o cineasta/roteirista Takumã Kuikuro, o cineasta/roteirista Sérgio de Carvalho, a jornalista/documentarista Lúcia Leão, o pesquisador e roteirista Manoel Leite e a cineasta e roteirista Priscila Tapajowara, todo um time de colaboradores das diversas Amazônias”, finalizou ela.
LEGADO
O fio condutor do episódio dedicado ao Marajó é o casal Cilene Guedes e Ronaldo Guedes. Ativista e produtora cultural da Associação dos Moradores do Bairro Pacoval (AMPAC), Cilene atua na defesa, manutenção e valorização dos conhecimentos tradicionais do Marajó. Nascido em Soure, artista e pesquisador, Ronaldo se baseia nos principais vestígios da cerâmica marajoara e a reinterpreta em suas obras, fazendo de si uma ponte viva entre o passado e o futuro.
O capítulo vai levar o telespectador até o Museu do Marajó, em Cachoeira do Arari, um dos pontos turísticos mais importantes do Pará e referência cultural e científica sobre a ilha. Interativo e com uma museologia autoral, diferente de qualquer outra, o espaço reúne centenas de peças arqueológicas, artefatos, cerâmicas, verbetes e registros do modo de viver e existir do povo do arquipélago.
A partir daí, o público é conduzido pelas principais tradições e saberes pulsantes da ilha, e os legados que os encontros das culturas europeia, indígena e negra promoveram: os sincretismos religiosos e o surgimento de um ritmo próprio, o carimbó, que também é abordado pela perspectiva tradicional e pela feminina, que hoje rompe os preceitos patriarcais e se consolida como um de seus fortes elementos.
O episódio atravessa também o legado indígena na cultura gastronômica típica da ilha e sua visão de harmonia com a região, um legado e uma lição de sustentabilidade para o mundo atual.