Luciano Camargo avisa que só quer saber da Bíblia. Amante de literatura desde a adolescência – época em que resgatou do lixo um exemplar surrado de “Cem anos de solidão” e se encantou com a obra-prima de Gabriel García Márquez -, ele deixou um pouco de lado romances clássicos de autores pelos quais afirma cultivar admiração, como Dostoiévski e Julio Verne (“O último que li, dessa leva, foi ‘Os Maias’, do Eça de Queiroz, é esse o escritor, né?”), e pregou em sua cabeceira, única e absoluta, a “Palavra de Deus”. Todo dia, o artista faz tudo sempre igual: acorda às 6h, prepara o café das filhas – as gêmeas Isabella e Helena, de 13 anos, frutos do casamento com a arquiteta Flávia Camargo – e mergulha nos versículos cristãos.
É uma nova era na vida do sertanejo que fez fama – a rigor, ainda faz – ao lado do irmão Zezé Di Camargo. Há mais ou menos quatro anos, desde que virou “crente”, termo que ele verbaliza com orgulho, o artista de 51 anos passou a se apresentar também sozinho. De início, subiu a púlpitos para entoar louvores, de maneira despretensiosa, nas igrejas evangélicas que frequenta. Aos poucos, foi montando um repertório próprio, totalmente descolado das letras românticas interpretadas há mais de três décadas junto ao irmão. Assim, fez-se um cantor gospel. Nesta quarta-feira à noite, Luciano coroa o lado “sagrado” da carreira com a gravação do DVD “Unidos pela fé”, sua primeira grande produção no gênero, em show no Qualistage, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Mas sem dar adeus ao sertanejo, como frisa.
Luciano gosta de falar. Não à toa, a voz é seu instrumento de trabalho. Na entrevista ao GLOBO por telefone, diretamente de sua mansão em Orlando, nos Estados Unidos, conversou por cerca de uma hora e meia. Encerrada a ligação, enviou um áudio, por meio do WhatsApp, para ressaltar que esperava ter respondido tudo com “claridade”. Corta para outro recado, em que ele surgiu aos risos: “De novo eu aqui. Minha mulher acabou de me corrigir. Falei ‘claridade’, mas é ‘clareza’ a palavra certa, tá bom?”.
Além de se dedicar à leitura, o goiano faz questão de frisar que é “viciado” em assistir ao noticiário na GloboNews, para estar sempre informado (“Troco mensagens com praticamente todos os jornalistas e comentaristas do canal”, conta).
Ele enfatiza que, nesses últimos quatro anos de devoção, pouca coisa mudou em seu cotidiano. A religião não trouxe restrições ou hábitos diferentes. Exemplo: o cantor nunca foi chegado a bebida alcoólica, como diz.
– Não sei o sabor de uísque. Uma vez, na verdade, me deram guaraná com uísque para eu experimentar. E só! Se juntar todas as cervejas que tomei na vida, acho que não chega a 20 garrafas… E olha que tem gente que toma isso em meia hora! – brinca. – Minhas atitudes e meu caráter não mudaram por causa da religião. Nunca fui um homem que precisou agir com maldade contra alguém. Não quer dizer que não fique com raiva ou nervoso… Mas sei que preciso lidar com essas sensações. Nisso, meu dia a dia mudou 100%: busco, antes de tudo, a paz que excede todas as coisas.
Sobre supostas polêmicas envolvendo a família – e recentes (e constantes) rumores acerca de uma briga e um afastamento com Zezé -, ele prefere distância. Não foge do assunto, mas também não busca o que dizem a seu respeito na internet. Aliás, o celular do cantor está programado para permanecer ativo apenas 15 minutos por dia em aplicativos de redes sociais.
– Meu tempo é precioso e caro. Não falo pelo lado financeiro. Ele é caro porque, se eu o desperdiçar, ele logo termina. Tenho que fazer e criar, então, o meu tempo. Se existem rumores sobre a minha vida, deixo passar. Nunca senti necessidade de desmenti-los. Amanhã virão outras notícias, e pronto! É como naquele filme “Um lugar chamado Notting Hill”. Quando a personagem Anna (interpretada por Julia Roberts) fala para William (Hugh Grant) que os tabloides descobriram a relação amorosa dos dois, ele diz: “Poxa, mas amanhã esses jornais estarão na feira embrulhando peixes.”
O artista continua, agora citando o irmão:
– E aí eu falo: “Sempre vão dizer que Zezé Di Camargo e Luciano podem se separar, só pelo fato de sermos uma dupla.” As pessoas já esperam isso! Independentemente de qualquer coisa, somos um legado. A dupla não pertence nem a mim nem ao Zezé. Ela é do povo brasileiro, entende?
Sobre amizades, ele diz que dá de ombros para os que se afastaram e passaram a chamá-lo, em tom de deboche, de “crentinho” após a conversão total à Igreja Presbiteriana. Muitos consideram que a religião está mexendo com a sua cabeça e o deixando assim…
– Já me perguntaram se eu passei por uma lavagem cerebral. Como? Se eu nem tinha amizade com o pastor que me batizou!? – questiona.- Eu era um improvável. Mas Deus me viu como uma terra fértil.
Dupla faz seis shows por mês
Num passado não tão longínquo, a dupla Zezé Di Camargo & Luciano realizava cerca de 160 shows por ano no país. Hoje, o número caiu a cerca da metade, numa média de seis apresentações por mês. Os irmãos, a bem da verdade, têm dado mais tempo ao tempo. Zezé, de 62 anos, curte de perto a gravidez da esposa, a influenciadora digital Graciele Lacerda, enquanto Luciano se dedica aos salmos, aos louvores, à mulher, às filhas, às novelas na televisão…
– Revi recentemente “Roda de fogo” e “Selva de pedra” (ambas de 1986), além de “Novo Mundo” (de 2017), no Globoplay” – ele entrega.
Os dois não costumam compartilhar conselhos quanto a projetos individuais. No fundo, “sempre foi cada um na sua”, como pondera o irmão mais novo. E está bem assim:
– Zezé tem a minha bênção, e eu sei que tenho a torcida dele. Mas não trocamos detalhes um com o outro. Temos gostos totalmente diferentes. Nosso dia a dia sempre foi com cada um na sua vida individual. Nunca fomos de ter momentos de lazer juntos, por exemplo. Mas isso não interfere na minha vida amorosa com ele ou na vida amorosa dele comigo. Não quer dizer que há um afastamento de amizade – esclarece o cantor. – Zezé, na minha opinião, sempre foi o maior intérprete do Brasil. E amo muito mais o meu irmão hoje do que eu o amava há 20, 30, 40 anos… Isso porque não tem como amar alguém sem passar pelo amor de Cristo.
A religião e a carreira gospel são encaradas pelo goiano como um “chamado”. Luciano se aproximou da Igreja Presbiteriana devido à mulher, a quem ele se refere pelo apelido de Fau, e “que sempre foi crente”. Estão juntos há 25 anos. A arquiteta conheceu o artista em junho de 1999, depois de ir – a contragosto, já que não gostava de música sertaneja – a um show de Zezé Di Camargo & Luciano, em Americana (SP). Na ocasião, ela deu um jeito de encontrá-lo para pedir um autógrafo. Luciano aproveitou para anotar o telefone da moça. E, pronto, o namoro começou. No início do relacionamento, ao longo de sete anos, Flávia acompanhou o parceiro em todos os shows pelo país. Até que vieram as filhas e, depois, a pandemia. Foi quando, num clique, Luciano decidiu mergulhar na religião.
– Esse foi o tempo que Deus usou para me forjar como homem. E aí tudo mudou na minha vida. A conversão à religião foi uma necessidade. Aceitei essa missão e falei para mim: “Preciso viver esse amor.” E fui. Deus usou minha mulher para formar um pai de família – analisa ele.
O cantor só hesita ao ser questionado sobre política. Ele tem noção de que entre evangélicos e sertanejos, em geral, existe uma relação estreita com o espectro conservador, sobretudo no que se refere à pauta de costumes. Mas não dá pitaco.
– Me identifico com atos e programas políticos bons, independentemente de ser à direita, à esquerda ou ao centro. Por uma vontade própria não quis me manifestar sobre isso nos últimos anos. Nunca tive uma ideologia partidária, mas, sim, de ideias – explica. – Entrar na seara da pauta de costumes seria complicado. É muito delicado. Ao responder em tão poucas linhas, corro o risco de ofender as pessoas. Uma coisa é eu falar do meu “chamado”. Outra coisa é falar de religião. Prefiro não entrar aí.
O cantor se justifica:
– Preservo muito minha intimidade, sabe? Tenho minha opinião sobre economia, guerra, política… Mas já pensou se eu resolver falar sobre isso com todo mundo? Não dá.
Ele também comenta a relação entre carreira e exposição nas redes sociais:
– Hoje a pessoa que tem 15 mil seguidores no Instagram já acha que é famoso, né? Mas, gente, seguidor não é fã! Por isso, um cantor tem que ter por trás empresários que não queiram saber de fama, e sim de cuidar de uma carreira artística. Graças a Deus, tive isso. Essa turma nova, que está chegando por aí agora, está inserida num outro mundo. Fica mais fácil se deslumbrar. Não vivi isso.
De olho na nova safra
Luciano está de olho nas novas gerações, mas sem deixar de lado seus ídolos “das antigas”. Nos fones de ouvido do artista, reinam canções de nomes como Victor & Leo, Jorge & Mateus, Chitãozinho & Xororó, Matogrosso & Mathias, Leonardo e Gusttavo Lima (“Desse daí eu gosto muito da voz, então tudo o que ele faz eu já adoro”, diz).
O cantor admite que pouco acompanha a rotina de colegas por meio das redes sociais. Mas não acha um grande problema a ostentação de bens milionários, como mansões e jatinhos, que muitos acabam exibindo em fotos na web.
– Não gosto de me expor, mas já fui capa de revistas mostrando meu carro e minha fazenda, tempos atrás, na década de 1990, junto ao Zezé. Se a pessoa abre esse tipo de coisa, não muda muito. Vemos tantos exemplos de figuras internacionais fazendo isso. Por que não aqui? – indaga. – Só é preciso ter cuidado para que isso não interfira na vida intelectual e emocional do artista. Não posso julgar. Mas, sinceramente, não sei. Esqueça tudo o que falei talvez (risos).
Texto de: Gustavo Cunha (AG)