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Livro brasileiro 'O Meu Pé de Laranja Lima' também leva os chineses às lágrimas

Capa da nova edição chinesa de 'O Meu Pé de Laranja Lima', lançada em maio de 2024 - Divulgação
Capa da nova edição chinesa de 'O Meu Pé de Laranja Lima', lançada em maio de 2024 - Divulgação

 

NELSON DE SÁ

PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS) – Desde a primeira edição chinesa em 2010, “O Meu Pé de Laranja Lima” já vendeu mais de 400 mil exemplares, ganhou prêmios e agora entrou para a lista de leitura de ensino médio e fundamental. Perguntei à tradutora Wei Ling o que explica a recepção na China de hoje desse livro infantojuvenil brasileiro de 1968. Ela sugere dois motivos.
“Cada vez mais as pessoas, especialmente os pais, valorizam a educação dos filhos”, diz. “Há um ditado chinês: os pais desejam que seus filhos se tornem dragões, ou seja, talentos ou pessoas eminentes. Mas como? Não sabem. Por isso, muitos recorrem a castigos, a mandá-los a cursos extras para que estudem mais fora das aulas. Por sua parte, os filhos sentem-se infelizes, alguns até faltam às aulas ou saem de casa.”
O livro, segundo ela, leva a questionar como educar os filhos, se devem crescer “à maneira que os adultos desejam”.
Na obra de José Mauro de Vasconcelos, Zezé é um menino que apronta e apanha muito, sobretudo do pai desempregado, a ponto de não conseguir ir à escola. Busca saída em fantasia, daí conversar sobre as surras com a laranjeira do quintal, que chama de Minguinho, e na amizade de Portuga, um senhor rico. Até que perde ambos, quando Portuga é atropelado, e a árvore, cortada.
O segundo motivo, segundo Wei, está na própria ligação do protagonista com Minguinho e principalmente Portuga, este ocupando metade do livro.
“Como devemos tratar os sapecas?”, diz ela. “O livro brasileiro desperta eco nos leitores chineses porque, no meu entender, sugere abordagens. As relações entre Zezé e Portuga mostram que os filhos precisam de entendimento e de ternura da família. A história veio esclarecer as dúvidas e a perplexidade dos pais leitores, enquanto faz leitores jovens ou adultos verem as suas próprias histórias e, então, ficarem emocionados.”
Wei insiste que são opiniões de “uma simples tradutora”, não uma especialista. Mas cita uma das “principais ideias do grande educador da antiguidade chinesa”, Confúcio: que o ensino existe, as distinções, não. “Sejam rebeldes ou obedientes, devem ter acesso igual à educação. Ninguém deve ser abandonado por ser sapeca, fazer artes, parecendo um pequeno diabo como Zezé.”
Uma outra pergunta, sobre como o livro acabou sendo publicado na China, em 2010, foi feita ao editor Wang Yongnian. Ele respondeu ter ouvido de um professor universitário em Pequim sobre a tese de mestrado de um aluno coreano, em torno de “O Meu Pé de Laranja Lima”. Interessado, procurou agências literárias com as quais a Editora da Literatura do Povo trabalhava, mas nenhuma conhecia.
As obras infantojuvenis então publicadas na China eram em sua maioria europeias ou americanas, sem acesso ao resto do mundo.
“Muita gente só conhece futebol brasileiro, como essa obra poderia ser reconhecida pelos leitores chineses?”, diz o editor, repetindo o que teria pensado então. Mas aí alguém recomendou “uma série coreana sobre uma jovem que é levada às lágrimas ao ler o livro. Ela se ajoelha e pede para o professor ensiná-la a escrever um livro assim. Depois se torna uma roteirista famosa”.
Não foi o único “dorama”, como são chamados os dramas asiáticos de televisão e streaming, a citar “O Meu Pé de Laranja Lima”, que havia sido traduzido para o coreano em 2003 e, como na China, acabou se tornando leitura escolar. Inspirou também mais de um “manhwa”, o mangá coreano, e até música da cantora de k-pop IU, com o título “Zezé”.
Mas foi preciso “outra história real”, mais próxima, pa ra convencer o editor. “Chen Yingrong, uma conhecida diretora nascida na década de 1980 em Taiwan, leu esse livro aos 19 anos e isso finalmente a fez escolher estudar direção depois de se formar no ensino médio”, conta Wang. “Seu desejo é transformá-lo em filme. Essa história nos deu confiança e então, finalmente, decidimos publicar.”
O livro foi traduzido para 52 línguas. Na China, foi reimpresso mais de 30 vezes, ganhando uma nova edição, a quinta, no mês passado. Esta última, na plataforma Dangdang de comércio eletrônico, já somou mais de 30 mil mensagens de leitores com avaliação “excelente”. No país, acumulou prêmios literários como Bing Xin e entrou em listas como Os 100 Livros que Influenciam Professores.
“A razão pela qual ele ganha tantos prêmios é que o trabalho é clássico e tem um forte apelo artístico”, diz o editor, ecoando a tradutora quanto ao seu impacto para além do público infantojuvenil. “Lendo o livro, muitos pais e professores percebem a importância de conhecer e respeitar as crianças. Portuga tornou-se um pai modelo no coração de muitos leitores.”