No Brasil, o disco de vinil foi lançado comercialmente em 1951, mas só começou a suplantar o disco de 78 rotações em 1964. Até 1996, foi a mídia sonora que dominou o mercado. O lançamento do Compact Disc, o CD, em 1994, levou uma a uma queda progressiva nas vendas dos chamados LPs, que viraram artigo de colecionador.
Mas, 30 anos depois, esse jogo mudou, e enquanto o CD ficou na história, os vinis estão cada vez mais voltando à cena, não só com um movimentado comércio de itens de época, como com novas prensagens nesse formato, que virou uma espécie de formato de luxo para uma experiência diferenciada.
Nos anos 1990, a universitária Maria Fernanda Chepuch, 19 anos, nem era nascida. Mas a estudante vive agora essa retomada do vinil. “Coleciono vinil há uns dois, três anos, porque sempre amei música, então sempre gostei de várias formas de ouvir música. E quando descobri a possibilidade de ouvir pelo vinil, resolvi comprar uma vitrola. Desde então, comecei a ir para feiras, para praça comprar vinil. É algo que faço constantemente, quase todo mês saio pra comprar vinil”, disse a universitária, destacando que é a mídia a que mais tem apego hoje.
“Foi da geração dos meus avós, eles tiveram muito vinil, mas se livraram de todos. Então, estou refazendo a coleção, comprando tudo de novo”, disse Maria Fernanda.
Embora o streaming e o download digital sejam predominantes, o vinil conquistou um nicho de mercado e um público fiel, incluindo a geração mais jovem, atraída pela experiência tátil e sonora, além do valor sentimental e artístico dos discos físicos.
“O que diferencia o vinil das outras mídias é que ele não é imediato, então ele vai tocar uma certa quantidade de músicas, depois você tem que trocar o disco. Acho que é parte de realmente uma rotina, uma tradição, não é algo imediato que você vai ter num Spotify da vida. É quase um momento de apreciação mesmo, parar, escutar, trocar o vinil, repetir a música quando você quiser escutar de novo”, destacou Maria Fernanda, que na sua coleção tem discos como “O Tempo Não Para”, de Cazuza, coletâneas de samba, discos da Rita Lee e dos Beatles.
A universitárias sempre busca por artistas nacionais em feiras e eventos. “Normalmente procuro MPB ou rock, porque é o que cresci escutando e é o que escuto até hoje. Então, quando encontro Cazuza, Legião Urbana, Elba Ramalho, Caetano Veloso, Gilberto Gil, tenho preferência pelo nacional, Mas quando encontro Rolling Stones ou um The Smiths, também compro”, contou ela.
Foi fazendo uma busca por um CD na internet que o universitário Pedro Arthur, 21 anos, se interessou pelo vinil e hoje já é um colecionador.
“Não sabia que vendia vinil de artistas atuais que gosto. Ia comprar um CD do Imagine Dragons e vi o vinil do mesmo álbum, isso foi em 2019. E aí juntei um pouco mais de dinheiro e comprei. E quando a gente compra um, vai comprando o resto depois. Quando vê, já está com uma coleção gigantesca. Já estou com quase 70 discos”, disse ele.
Pedro Arthur acha que o interessante do vinil é a possibilidade de ouvi-lo todo. “Não é questão de que hoje em dia você liga o Spotify, coloca e vai tocando qualquer música. Você abre, você lê, você vê o que o artista escreveu, vê as imagens do álbum, os encaixes, tudo mais e para mim isso é muito mais importante. Você realmente aprecia a música e também o som do vinil, que é mil vezes melhor do que escutar em qualquer plataforma digital. Perfeito”, destacou ele.
Vinis movimentam encontros
As feiras e eventos que destacam o vinil são uma possibilidade de comprar a bons preços, encontrar relíquias e conhecer amantes dessa mídia que vem num forte retorno, com um crescimento significativo nas vendas e no interesse do público.
“O único que queria muito comprar, e aí eu dei bola de ter deixado passar, foi o ‘Rumors’, do Fleetwood Mac. Um álbum antigo, mas agora ele está muito em alta também, então, tem muita gente em busca dele. Por isso, ele tem se tornado raro. Encontrei na internet por um preço bem exorbitante. Vi aqui na feira, mas falei: ‘vou deixar para comprar na próxima’, acabei que perdi e nunca mais encontrei”, disse Pedro Arthur, um dos frequentadores da Feira de Vinil que acontece periodicamente no Café com Arte, um verdadeiro mercado onde colecionadores e vendedores se reúnem para apreciar, garimpar e conversar sobre o vinil. Ele foi um dos visitantes da 25ª edição, no último sábado.
“A feira surgiu em 2010, era uma ideia para encontros de amigos, tanto que a primeira pensamos que ia dar 20 pessoas. Queria ocupar o espaço do Café durante a tarde, que não tinha movimento nenhum. E para nossa surpresa, na primeira feira passaram mais de 600 pessoas. Daí ganhamos aquele embalo, tanto que naquele primeiro ano, nós fizemos quatro edições. E para nossa surpresa, ela só foi crescendo cada vez mais. Começamos a acompanhar o movimento no mundo todo do vinil, que era uma coisa muito nichada nossa, achávamos que poucas pessoas tinham isso”, disse o DJ e produtor Roberto Figueredo, um dos organizadores da Feira do Vinil, lembrando que as gravadoras começaram a relançar os discos antigos, que estavam mais raros.
“Acredito também que na época da pandemia, que a galera fazia live, a maioria começou a fazer live com vinil. Então, a partir daí o boom só fez crescer. As lives com vinil tinham muito mais audiência do que as feitas com computador normal. A galera queria assistir, ficava curiosa. Eu também fiquei muito curioso de ver pessoas tocando, discos que queria ter, imaginava que não existissem mais, e as pessoas tinham duas, três cópias. E eu ia lá e comprava, parece maluco”, falou Roberto Figueredo.
NOVOS LANÇAMENTOS
Para o organizador da feira, o público jovem começou redescobrir o disco e as gravadoras entenderam esse movimento. Tanto que cantores novos, como Luedji Luna, Marina Sena e Ana Frango Elétrico lançaram trabalhos em vinil, porque o público deles passou a consumir a mídia.
“Esse público mais jovem começou a comprar disco, e começou a procurar também outras coisas que os pais deles ouviam também, como Chico Buarque, Caetano, Gil e a música paraense, Nilson Chaves, Lucinnha Bastos, que tem um primeiro disco bem raro, e bem caro fora aqui do Pará”, disse o organizador da feira.
A ideia da feira é mexer com a curiosidade, porque às vezes a pessoa já vai ao evento com a música ou com o artista que gosta na cabeça. Mas pode ouvir muitas coisas no local: “Essa descoberta dos jovens para mim também foi uma surpresa. Jovens de 12, 13, 14 anos estarem aqui consumindo esse produto que em 1989 escutei que não existiria mais, que seria uma peça de museu. E hoje nós estamos em 2025 e ele cresceu no mundo todo, um crescimento estrondoso. Os DJs voltaram a tocar com vinis. Tem festas que só tocam vinil, tem uma festa em São Paulo que só toca compacto. Na feira, normalmente passam 300, 400, 500 pessoas durante o dia todo, de 11h até umas 19h”, contou Roberto.
Na feira, é possível encontrar verdadeiros achados. Alguns discos que podem chegar a custar até 5 mil reais fora de Belém, podem ser encontrados por até R$ 15. “Um disco que é do Deodato, por exemplo, fora daqui, a gringa adora. Tem um disco nosso daqui de Belém, que é do Guilherme Coutinho, esse disco custa 3, 4, 5 mil reais, e já encontramos aqui por R$ 10 a R$ 20. Hoje, não encontra mais, o Guilherme Coutinho é muito cultuado fora do Brasil. O disco branco dele, todo mundo quer”, contou Roberto.
Para o organizador da feira, o vinil não está retomando ao cenário porque nunca saiu dele. “Costumo falar que ele nunca deixou de existir. Mas se ele vai retomar o lugar que era dele na década de 1970 até finalzinho de 1980, é só o tempo que vai dizer. Mas uma coisa falo para todo mundo: não vai existir uma mídia que vai tocar mais de 70 anos. Tenho discos que têm mais de 70 anos e tocam até hoje”, destacou.
AMOR E NEGÓCIOS
De colecionador a vendedor de vinil, Max José Nascimento, 62 anos, começou a escutar vinil ainda com o seu pai, e deu continuidade à paixão. “Ele colecionava e quando se desfez da discoteca dele, fiquei órfão. Por motivo de desemprego, ele se desfez da discoteca e com o passar do tempo, quando comecei a trabalhar, com 17 anos, comecei a colecionar e comprar os meus discos. Em 1990, ele teve um outro desemprego na vida dele e eu também fiquei desempregado, e nos juntamos e conseguimos uma barraca na Feira das Mercês, e começamos a trabalhar com discos. E assim foi, comprando, vendendo, comprando, vendendo, comprando, vendendo até 1996”, disse Max.
Em 1996, com a entrada do CD e com praticamente a estagnação do disco, Max começou a trabalhar com CD também e com vinil, mas dessa vez com menor quantidade. E em 2000, com a entrada do DVD, Max passou a comercializar praticamente CD e DVD, mas manteve o mínimo de vinil.
“Praticamente foi extinguido. Tinha uma pirataria já muito forte aqui em Belém, tinha muito disco, senti que iria mudar de ramo, porque não fui para pirataria e ela estava muito forte e praticamente quebrando quem trabalhava com mídia física original. Tive a ideia de retornar com o vinil. Para minha surpresa, começou a haver uma procura muito grande pelo disco novamente. Aí foi quando houve o boom de novo do vinil”, contou Max.
Os números do mercado confirmam essa percepção: o recém-divulgado relatório Mercado Brasileiro de Música, produzido pela Pró-Música, aponta que as vendas físicas do mercado brasileiro registraram crescimento de 31,5% em 2024 e já estão no mesmo patamar de 2017. Os discos de vinil são os principais responsáveis pelo crescimento: representam 76,7% do faturamento.
Em 2023, já haviam passado os CDs como maior fonte de renda em mídias físicas. É um relevante indício de que o consumidor está disposto a gastar mais para ter uma cópia do trabalho de seus artistas favoritos. E o Brasil tem força: é o nono maior mercado de música do mundo, responsável por movimentar 3,08 bilhões de reais no ano passado.
“Muita gente está comprando disco porque é moda. Por exemplo, tem gente que vai comprar um disco dos Novos Baiano porque os amigos compram, porque os amigos têm. Vá pelo seu gosto pessoal. Porque se você for pelo seu gosto, você pode comprar um disco de R$ 5, R$ 10, que tem muito. E você pode chegar com o tempo a comprar um disco de R$ 300, R$400, R$500”, finalizou Max.