Joelma e a banda Calypso cantariam que não dar o título à cidade onde começaram sua trajetória de sucesso seria uma traição pior do que a cometida pela Lua. Reginaldo Rossi, vivo fosse, estaria assistindo à briga ao lado do garçom em uma mesa de bar – e inconsolável caso fosse sua a postulante desprezada. Recife e Belém disputam no Congresso a paternidade do brega, o gênero musical que não se envergonha de bradar a infelicidade amorosa e se tornou motivo de orgulho para as duas capitais.
O Senado aprovou na semana passada o projeto de lei que concede a Recife o título de Capital Nacional do brega. A aprovação, porém, contrariou belenenses. Para pesquisadores musicais, Pernambuco e Pará são referências do movimento, cada um com sua particularidade, o que dificulta a seleção de apenas um berço para o estilo.
O texto do projeto foi aprovado na Comissão de Educação do Senado e já pode ir à sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas nesta segunda-feira o senador paraense Beto Faro (PT) entrou com um recurso para levar à discussão a plenário. Ele quer que o projeto contemple as duas capitais.
– Belém tem uma trajetória histórica no desenvolvimento desse gênero musical. Vem da guitarrada, da batida indígena, do bolero, do carimbó e da lambada – alegou Faro.
Autor do projeto em análise no Senado, o deputado federal Felipe Carrera (PSB-PE) diz que quer fortalecer a cultura no país.
– Nada impede que o colega de outro estado faça a sua parte. Nossa intenção não é excluir, é amplificar – atenua o parlamentar. – Tenho o maior respeito pelo querido povo do Pará e a sua rica manifestação cultural.
Brega em Recife: Tradição e Inovação
No Recife, o gênero teve em Reginaldo Rossi, falecido em 2013, sua grande voz. Depois, vieram cantoras como Priscila Senna e Michele Mello, e hoje o bregafunk arrasta multidões com MC Loma, MC Elvis e MC Neiff. Até o carnaval pernambucano tem um espaço dedicado ao gênero, e o festival Recife Capital do Brega é um dos eventos anuais da cidade. Bares com nomes como Confraria dos Chifrudos e Bar dos Cornos realizam eleições de “chifrudo do ano” na cidade.
A importância do brega foi reconhecida pelo prefeito João Campos (PSB), que já dançou no palco com cabelo descolorido e óculos juliette e adota o ritmo do brega funk nos seus vídeos desde as eleições de 2020. Seu irmão mais novo, o deputado federal Pedro Campos (PSB), foi o autor da lei que criou o Dia Nacional do Brega – 14 de fevereiro, data de nascimento de Reginaldo Rossi.
O Brega em Belém: Festas e Aparelhagens
Em Belém, o brega dita as festas de aparelhagem, nome dado às grandes estruturas de luz e de som que se tornaram polo cultural e social especialmente nas periferias, desde a década de 1970. O tecnobrega é reconhecido internacionalmente, e em 2023 a cantora Gaby Amarantos foi premiada com o Grammy Latino.
Thiago Soares, pesquisador da UFPE e autor do livro “Ninguém é perfeito e a vida é assim: a música brega em Pernambuco”, explica que o gênero nasceu derivado da Jovem Guarda, com shows nas periferias. Enquanto chegou ao Rio e São Paulo com cantores migrantes, como Amado Batista (vindo de Goiás) e Nelson Ned (de Minas Gerais), cenas locais do brega se desenvolviam no Recife e em Belém.
– É como se a Jovem Guarda fosse o pop mainstream e o brega a dissidência de classes populares, do universo da bebedeira, da dor de cotovelo. Mas surgiu simultaneamente, tanto no Sudeste, como no Recife e Belém – explica Soares. – Certamente as duas cidades são capitais do brega, e é importante ter leis que reconheçam o movimento.
Soares afirma que Rossi foi a primeira figura nacional do estilo.
– Ele tem seu grande hit, “Garçom”, em 1983. Uns 20 anos antes da ascensão do Calypso – lembra.
Yuri Castro, o Yuri da BS, pesquisador de música eletrônica popular na Equipe Bota Som, explica que o universo brega inclui influências que vão de Freddy Mercury a Ivete Sangalo.
– Ninguém quer perder o brega para outro lugar, porque aquilo faz parte intrínseca do local. O justo seria que ambas fossem capitais do brega – defende.
*Entenda a diferença dos bregas:
Recife – O brega surgiu pela seresta e as canções românticas, até chegar no brega funk. O instrumento principal é o teclado. Na estética, a influência maior é a do forró, com o uso de dançarinos nos grupos.
Belém – É centrado na aparelhagem e nos ritmos latinos, com a “guitarrada”, famosa nas mãos de Chimbinha, do Calypso, que, como banda liderara por um homem e uma mulher, tinha a formação clássica no Pará.
Texto de: Lucas Altino