Wal Sarges
Palco de shows marcantes, onde o público encontrava seus grandes ídolos, o Ginásio Prof. Nagib Coelho Matni – o antigo Ginásio Esportivo da Escola Superior de Educação Física do Pará (ESEFPA) -, pertencente à Universidade do Estado do Pará-Uepa, remete a memórias guardadas com muito afeto pelas pessoas.
Durante os anos de 1970, 1980 e 1990, o espaço recebeu apresentações musicais memoráveis de artistas no auge do sucesso, como Milton Nascimento, Rita Lee, Roberto Carlos, além de programações desportivas importantes com os ilustres Harlem Globetrotters, ícones mundiais de basquete, e grandes desfiles de patinação no gelo, com o Holiday on Ice.
Nas lembranças de Sidney KC, contrabaixista e backing vocal da banda Álibi de Orfeu, muitas bandas passaram por ali e o espaço marcou a história de uma geração inteira. “Na minha cabeça, o auge do rock nacional foi nos anos 1980. Então, todas as bandas que estavam explodindo no Brasil vinham tocar e o show era na Escola de Educação Física, ali na João Paulo II, que era a rua 1º de Dezembro. Os shows eram lotados. Lá, assisti a Lobão, Ultraje a Rigor, RPM, Camisa de Vênus. Nesse show do Ultraje a Rigor, eu me lembro que eles tocaram ‘Satisfaction’ do Rolling Stones, e chamaram o [Roosevelt] Bala, fundador da banda [paraense] Stress, que foi a primeira banda de heavy metal do Brasil e era bem conhecida no Rio. Depois, também teve o show da Stress com o lançamento do vinil deles, ‘Flor Atômica’”, lembra Sidney.
Naquele lugar, o músico assistiu a outros artistas e se apresentou também. “Era um sonho pra gente tocar na Escola de Educação Física. Era como se fosse um grande marco na vida: era como se fosse um jogador de futebol jogar no Maracanã, um negócio muito bacana”, comenta ele, que tocou com a banda de heavy metal DNA, ao lado de grupos como Mosaico de Ravena, Álibi de Orfeu e Violeta Púrpura.
Turnês históricas de grandes bandas do rock nacional vieram para Belém e se apresentaram ali, diz ele. “Lembro do Paralamas do Sucesso e do RPM. O primeiro disco deles com show dirigido pelo Ney Matogrosso, que pensou em toda a parte de iluminação a laser, que era uma grande novidade na época. Foi muito massa. Então assisti ao show do Léo Jaime, Cazuza, Barão Vermelho. Lembro que Cazuza estava bem mal, na fase final da vida dele. Assisti ainda ao show do Paul Di’Anno, ex-vocalista do Iron Maiden. Foi um lugar histórico, que marcou uma época. O pessoal da minha geração, com os seus 50 anos, via ali um lugar definitivo para grandes eventos”, define Sidney KC.
MARCANTE
Carmen Faro é professora do curso de Educação Física da Universidade do Estado do Pará (Uepa). Hoje ela tem 69 anos, mas acompanhou boa parte de tudo o que ocorria no local, primeiro enquanto estudante e depois como técnica da equipe da seleção paraense de Ginástica Rítmica Desportiva (GRD). “Seja como graduanda, técnica ou professora, a minha trajetória profissional sempre teve como um dos palcos principais o Ginásio Prof. Nagib Coelho Matni. Inaugurado no dia 14 de março de 1975, ele também foi marcante na minha vida pessoal, pois lembro de vivenciar, nas décadas de 1970 e 1980, shows de artistas brasileiros que aprecio até hoje, como Milton Nascimento”.
A professora lembra que o espaço acomodava aproximadamente 4 mil pessoas na arquibancada e 2 mil pessoas em pé na quadra central. Então, eram organizados também outros eventos de grande importância, como campeonatos, torneios, apresentações de seleções brasileiras de basquete, vôlei e ginástica, concurso de miss, competições de vale-tudo.
“O ginásio era transformado em passarela para grandes desfiles, para pista de patinação no gelo – era o Holiday on Ice –, palco para shows coreografados dos Cavalos de Viena, quadra para apresentação dos ícones mundiais de basquete, os Harlem Globetrotters, e local para armação do circo mais antigo da capital russa, o circo Russo. Ai que saudade me dá! Esses magníficos espetáculos esportivos e artísticos-culturais engendraram multidões. Que beleza era aquilo”, afirma a docente.
“O palco, o camarim, o hall de entrada, as bilheterias, a estrutura do ginásio, na época eram suficientes para reunir o público de grandes eventos. Passaram artistas como Roberto Carlos, Rita Lee, Milton Nascimento, Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Cazuza, Cauby Peixoto, Geraldo Azevedo, Ney Matogrosso, Gilliard, Paulo Ricardo, Elba Ramalho e Fafá de Belém e fizeram shows inesquecíveis. Lembro que assisti, bem perto do palco, aos shows da Rita Lee e do Milton Nascimento, suas músicas me marcaram e me chamaram a atenção, tamanha a beleza”, lembra Carmen Faro.
“É muito bom relembrar a história do Ginásio da ESEFPA e nela ver a minha história. Pelos anos que passei percorrendo aquele ginásio, ao rememorá-lo, sinto o quanto a minha vida, meus sonhos estão presentes nele. É como rever um filme no qual eu sou a protagonista, ao mesmo tempo que sou diretora”, considera ela, acrescentando que essas lembranças, além de históricas, emocionam.
BRILHO DA JUVENTUDE
Para o escritor Edyr Augusto, aqueles foram grandes tempos. Ele conta que era calouro de engenharia civil, o primeiro curso que fez, depois formou-se em jornalismo. O contexto era o da Ditadura Militar e ele, um encantado pelo brilho dos artistas com suas ideias e músicas.
“Em 1972, fui assistir ao show do Milton Nascimento com o Som Imaginário [banda que acompanhou o cantor nesta turnê na década de 1970], e foi um momento de uma emoção que eu nunca esqueci, porque apagaram as luzes, e aí o Som Imaginário começou a fazer um som como se fosse um trovão, uma coisa muito alta, e de repente parou com aquele eco no ar e entrou Milton Nascimento cantando, ‘chegou no porto, um canhão’. Aquilo gerou um efeito numa sensibilidade maravilhosa. Era um momento bem complicado da nossa vida política. O ginásio estava lotado de jovens, todo mundo que ao mesmo tempo vibrava com aquilo estava preocupado pelo contexto político, mas foi um show maravilhoso”, conta.
Outro momento marcante foi o show de Gal Costa pelo disco “Índia”, em parceria com Dominguinhos no acordeon. “Gal, extremamente sensual, cantava, sentava, abria as pernas, botava o ‘vestidão’ por cima e o violão. Era uma coisa maravilhosa. Gal, no seu auge, fazendo isso tudo. Para nós, era um grande momento com Chico Buarque e todos os grandes artistas da época. Havia quem fosse por razões meramente políticas, coisas de uma época sensacional que não volta mais, mas eu estava encegueirado pela música. Foram shows maravilhosos”, ressalta Edyr Augusto.
O jornalista Felipe Gillet também rememora aquele tempo. “A Escola Superior de Educação Física foi famosa ainda porque marcou o show da banda Legião Urbana, quando Renato Russo abandonou o palco depois de levar uma chinelada. Ele nunca mais voltou a fazer show em Belém. Eu não estava lá, eu era estudante de comunicação e não tinha dinheiro para ir”, conta.
“Aquele lugar faz parte da minha memória em dois contextos. Um, que eu jogava basquete pelos jogos estudantis, inclusive fui campeão dois anos pela equipe da Escola Souza Franco. E outro, havia turnês históricas. Na década de 1970 e boa parte da década de 1980, não havia espaços para grandes shows em Belém, o Theatro da Paz tinha limitações porque é um lugar histórico, então a Escola Superior é que abrigava esses eventos mais populares”.
Ele diz que foi a outros shows no local, como o de Rita Lee, na turnê “Lança Perfume” e no de Alceu Valença pela turnê “Cavalo de Pau”, de 1982. “Eu tinha 18 anos e fui ao show com a minha mãe. Estava lotado. No ano de 1983, fui ao show da Rita Lee com amigos, porque era mais rock. O teto da escola estava cheio de balões que caíram ao final da apresentação. Neles, tinha a inscrição ‘Turnê Lança Perfume/1983 – Rita Lee’. Ela era sensação, tinha música em novela”, destaca Gillet, dizendo que no fim do show, a cantora agradeceu às pessoas “da terra do jambu, erva que faz os lábios tremerem”.