Não posso dizer que sou a pessoa mais sociável do mundo. Porém, existe um lugar que faço questão de estar sempre que possível: o festival Se Rasgum. Por dois motivos principais.
Em primeiro, as atrações musicais diversificadas e atualizadas com o gosto do público e que passeiam entre o refino sonoro e o popular. É muito difícil descrever a sensação de andar poucos passos do ska vibrante do Móveis Coloniais de Acaju para a ópera lasciva da Valeska Popozuda.
Outro motivo é que, junto ao Psica, tem o público mais interessante de se observar: são jovens (em idade e espírito), que experimentam uma liberdade física e mental para curtir (-se) e aproveitar boa música, sem se preocupar com limites ou julgamentos morais. Uma ilha de sentimentos de liberdade e resistência encravada em pleno centro da cidade, onde todos são bem-vindos.
No último sábado, 6 de setembro, o festival completou 20 anos de realização. Um tempo espantoso que, acredito, exige todo tipo de abnegação da equipe envolvida na realização. É um trabalho de Sísifo, mesmo com a pedra cada vez mais pesada imposta por um contexto de pura ignorância de quem deveria apoiar a cena e a formação de público na nossa terra.
Ah, um parêntese aqui: não se trata apenas de proporcionar shows, mas formações e debates sobre o cenário musical e produções culturais que fazem parte do cardápio do evento, como a conferência Alma, realizado na mesma semana do festival e que permitiu trocas de experiências entre público e fazedores de cultura.
Voltando ao festival, lá estávamos nós outra vez. Sem ser um entendido “graduado” em música, posso arriscar minha visão como ouvinte e apreciador em relação às apresentações que pude acompanhar. Algumas surpresas boas: Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo nos apresentou uma proposta punk agressiva e crua, com a vocalista esbanjando atitude em canções simples, mas carregadas de raiva e indignação social. Me lembrou Buscapé Blues (por onde anda?).
A Terraplana trouxe o shoegaze paranaense para os palcos e deixou o público hipnotizado com a performance da vocalista Stephani Heuczuk e os timbres de guitarras barulhentos da banda. Ironicamente, diferente do que o nome do grupo sugere, dá para acreditar piamente no trabalho deles e isso não é uma teoria conspiracionista minha.
E vamos para os veteranos, claro. Os Móveis Coloniais de Acaju (que eu particularmente não conhecia o trabalho) se espalham pelo palco e no meio do público com seus naipes de instrumentos que casam perfeitamente com vocais e ritmos feitos para dançar e sorrir.
Fernanda Abreu é nossa diva (ou seria Godiva?) do funk carioca, pondo todo seu sotaque e molejos consagrados para balançar a plateia. São hits atrás de hits que a hora parece voar.
As Suraras do Tapajós se juntaram à Lia Sophia para adicionar o tempero e a identidade paraense à equação cultural. Com o talento musical delas e uma sequência de carimbós “chamegados”, a soma geral foi de goleada e ninguém ficou parado, como era de se esperar.
E, claro, temos o Teenage Fanclub. É um privilégio imenso poder ver os escoceses no palco com um setlist de melodias intensas que se empilham, uma atrás da outra. Vermelhos depois de um dia de sol em Belém, os músicos satisfaziam os desejos de todos que estavam ali embaixo e sonhavam com esse momento: estar diante de uma banda como essa em plena Amazônia.
Era como se não tivéssemos esse direito, mas que graças a um grupo de abnegados, isso foi permitido. Desejei mentalmente vida longa ao festival e força aos seus realizadores para que esse trabalho continue. Nem consigo imaginar o quanto eles tiveram de fazer para dar certo, mais uma vez. Mas prometi voltar, no mesmo brinde imaginário, caso eles consigam continuar carregando essas pedras montanha acima.