Texto: Marta Cardoso
Fagner e Belchior compartilhavam semelhanças. Ambos cearenses e ícones da contracultura que emergia no final dos anos 1960, eles assinaram parcerias musicais de peso, como “Mucuripe”. O sobralense, se estivesse vivo, completaria 76 anos no dia 26 de outubro.
Já Fagner, natural de Orós, comemora seu 73º aniversário nesta quinta-feira, 13. E quem ganha o presente mesmo é o público, que poderá ouvir “Meu Parceiro Belchior”, álbum definido como um relicário de canções que marcaram a parceria dos artistas.
O trabalho, lançado pela Universal Music, traz novas versões de sucessos assinados pelos amigos e parceiros musicais. Tudo embalado por muita nostalgia e ao mesmo tempo fazendo acenos para as novas gerações de ouvintes de MPB.
“É um prazer estar lançando este disco o Belchior pela Universal, gravadora onde eu comecei, onde ele fez também o seu disco mais incrível, que foi o ‘Alucinação’. Estamos aqui lançando um projeto que já vinha de muito tempo, mas estava esquecido. O Robertinho [de Recife] é o grande responsável por trazer essa história de volta”, conta Fagner. O Você participou da coletiva virtual realizada na última terça-feira, 11, para o lançamento do projeto.
Coletiva que, aliás, foi gloriosamente interrompida por Zeca Pagodinho, que quis saber o que Fagner estava fazendo ali. “A vítima é Belchior”, respondeu brincando. O presidente da Universal Music, Paulo Lima, que acompanhava o sambista, aproveitou para vender o peixe e destacar que “o projeto é simplesmente incrível, emocionante”, declarou aos jornalistas.
Disco traz sucessos e evoca memórias do “Pessoal do Ceará”
E a expectativa é alta. Não ficou de fora a parceria mais famosa de Fagner e Belchior, “Mucuripe”, canção melancólica lançada em 1972 que ganhou versões em vozes como as de Elis Regina e Roberto Carlos. Dessa vez, o clássico da música brasileira ganha registro ao vivo, captado em show na cidade do Rio de Janeiro (RJ).
As faixas com produção musical e arranjos de Robertinho de Recife são resultado da junção de histórias, puxando o fio de uma memória que remete ao fim dos anos 1960. Na época, Fagner, Belchior, Fausto Nilo e Amelinha, entre outros artistas cearenses, buscavam seus lugares ao sol e mostravam afinidades musicais nos bares de Fortaleza (CE). De lá, eles seguiram caminhos diferentes, buscando visibilidade e oportunidades no Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP).
Durante a entrevista, Fagner mostrou ter uma memória afiada para momentos importantes da carreira. De Belchior, ele tem nítido o primeiro contato com o talento do conterrâneo. Foi em um festival em Fortaleza no ano de 1968. Ele levou o prêmio com “Nada Sou”, porém, sua torcida era pela canção do futuro amigo – “Espacial”.
“A partir dali e nas noites seguintes eu passei a me relacionar com a turma lá no bar do Anísio, aqueles que ficaram depois conhecidos como o ‘Pessoal do Ceará’”. Belchior, segundo ele, foi o grande responsável pela sua mudança de endereço.
Fagner entrega que Belchior o deixava dormindo no chão, pois só havia uma cama. Ele diz que teve muitos problemas nesse começo. “Se achava meio dono de mim”, diverte-se.
Resgate com pé na atualidade
O álbum contempla a parceria entre os cearenses, faz resgates importantes, mas com pé na atualidade. O cantor e compositor destaca faixas como “Na hora do almoço” (1971), primeira música de Belchior a ser ouvida pelo Brasil, vencedora de festival universitário. Fagner diz que essa música é do período em que ambos estavam chegando ao Rio de Janeiro e que abriu muitas portas ao revelar um movimento que vinha do Ceará.
Outra faixa especial é “Contramão” (1985), que foi destaque em álbum da fase tecnopop da discografia de Fagner. Agora, ele divide vocais e violão com Roberto Frejat. A participação especial criou uma conexão com a gravação original, que teve participação de Cazuza (1958 – 1990), parceiro de Frejat na banda Barão Vermelho.
Fagner lembra que Cazuza era vizinho no prédio em que mora até hoje. A amizade com Frejat e as coincidências da primeira gravação, segundo o cearense, “fez uma passagem no tempo. De cair uma ficha mesmo de longevidade da carreira”, reflete.
Também participa do álbum o cantor Xand Avião, em “Noves fora”. A canção é dos primórdios da parceria de Fagner com Belchior. Durante a onda das lives da pandemia, o músico se apresentou com Xand e alimentou a vontade de repetir a parceria em novos projetos. A faixa escolhida já foi gravada por Wilson Simonal (1938 – 2000) e Emílio Santiago (1946 – 2013) e, na avaliação de Fagner, casou bem com o novo amigo.
“É uma outra leitura, trazendo mais para a meninada. Uma música mais balançada. Mais atual”, pontua.
O saudosismo bateu durante a gravação do álbum. “Dava um nó na garganta e o Robertinho é testemunha disso”, confessa. Fagner lamenta não ter mais canções em parceria com o amigo. A ligação mais forte ficou no começo da carreira de ambos, o que gerou “uma pequena frustração”, diz.
Trabalho apresenta duas músicas inéditas da dupla
O álbum reservou duas músicas inéditas que adicionam valor documental. Isso foi possível a partir da descoberta do pesquisador musical Renato Vieira. Em 2021, ele achou registros de sete canções de Belchior nos órgãos da censura. Dessas sete músicas barradas na ditadura, duas estão no álbum: “Alazão” e “Posto em Sossego”.
“Se ele [o disco] está se prestando também para uma reflexão neste momento político que a gente está vivendo, que bom”, celebrou Fagner, destacando que ficou a curiosidade em saber quantas músicas dele foram censuradas.
O projeto “Meu Parceiro Belchior” terá um videoclipe e deve ganhar um DVD. Fagner diz que não está fechado para a possibilidade de shows. Ele lamenta que a queridinha “Espacial” acabou ficando de fora do álbum, mas diz que acabará servindo de pretexto para um segundo álbum.