TEXTO: WAL SARGES
A artista plástica Débora Mazloum apresenta “Outros Viajantes”, sua primeira individual, que abre nesta quinta-feira, 27, às 19h, na Galeria Ruy Meira, em Belém. A visitação começa a partir de sexta-feira, 28, e segue até o dia 27 de maio, de segunda a sexta-feira, das 9h às 17h. Nesta sexta-feira, 28, também haverá uma conversa com a artista e a curadora, às 17h.
Natural do Rio de Janeiro, Débora Mazloum é mestra em processos artísticos contemporâneos pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Vive e trabalha em São Paulo e tem uma primeira formação em cinema e cenografia, que é superimportante, ela diz, no sentido da construção do espaço que se relaciona às suas instalações. Atualmente seu trabalho é voltado para a construção de narrativas ficcionais.
A exposição engloba uma pesquisa de 10 anos acerca do universo dos artistas viajantes que se iniciou com o trabalho “Paisagens Híbridas”, no qual a artista pinçou gravuras de artistas viajantes, principalmente do livro “Viagem pelo Brasil” (1817-1820), dos pesquisadores Johann Baptist von Spix e Carl Friedrich Philipp von Martius.
“Neste trabalho, fiz alterações nessa paisagem, de modo a entender algumas triangulações de olhar que acontecem nela. ‘Outros Viajantes’ fabula um universo da criação no qual o espectador é como um viajante também, e ao entrar na sala, ele se depara com diversos tipos de abordagens ficcionais do universo dos museus de história natural, do universo das ilustrações botânicas e principalmente dessa representação da natureza, entendendo que ao representar a natureza, necessariamente, a gente dialoga com um dado de ficção”, explica Débora Mazloum.
Exposição recebeu Prêmio Branco de Melo da FCP
Contemplado pelo edital Prêmio Branco de Melo, em apoio à produção artística, o projeto tem curadoria de Daniela Name, e traz uma importante contribuição a respeito de expedicionários do século 19, se debruçando em um olhar mais crítico sobre a exploração feita por aqueles viajantes. Além de duas obras inéditas de Débora Mazloum, a mostra conta com mobiliários do acervo da Biblioteca Pública Arthur Vianna e dos acervos das galerias, com móveis históricos pertencentes a um período pós-colonial aqui de Belém, incluindo um armário, uma estante e mesinhas em que a artista trabalha com reproduções em 3D do aguapé, uma planta muito importante no ecossistema amazônico.
“Estive numa residência no Labverde em Manaus e lá eu fiquei muito encantada com o aguapé e fui pesquisá-lo. Este trabalho é de certa maneira uma ilustração científica do aguapé. Ele tem uma função superimportante na biodiversidade dos rios, mas por outro lado, ele é um pouco mal visto, porque quando o rio está muito poluído, ele se reproduz em excesso. Mas quando ele está num ambiente em que a água é limpa e está equilibrado, ele ajuda na limpeza, digamos assim, da água. A instalação traz essas plantas que não teriam visibilidade em uma missão artística no século 19. O interesse da Coroa Portuguesa era extrativista. Pesquisar e levar o que poderia ser levado daqui da Amazônia para Portugal, o que incluía indígenas, artefatos, entre outros”, diz a artista.
“Cada uma das obras foi feita de um jeito diferente, sempre nessa tentativa de ‘ficcionalisar’ a natureza. Tem fotografias de plantas de jardins que eu tinha em casa, de ervas medicinais. O ‘Gabinete de curiosidades’ tem dois trabalhos inéditos, sendo uma instalação que eu estou fazendo aqui em Belém, e é por isso que este trabalho é importante. Ele, de certa forma, não encerra o ciclo de um trabalho que chama ‘Viagens filosóficas’, mas conclui – digamos assim – uma parte dele. Ele foi feito utilizando impressão 3D e alguns objetos e móveis que fui coletando aqui na cidade com o empréstimo da Biblioteca do Centur”, completa Débora.
Curadora destaca olhar questionador da artista
Débora articula uma ficção em relação a uma missão artística portuguesa que foi feita aqui na Amazônia, no século 19, pela expedição luso-brasileira de Alexandre Rodrigues Ferreira, que nasceu em Salvador, mas era filho de portugueses e organizou uma viagem ao Grão-Pará para recolher também espécies botânicas e animais. “Entendi que seria importante refazer essa viagem filosófica, que foi empreendida no Amazonas, no Grão-Pará e no Rio Negro, principalmente. Muitas das coisas delas, como os artefatos, os desenhos e as ilustrações científicas foram levadas para Portugal e lá foram perdidas no museu de história do Jardim Botânico de Coimbra. Aqui no Pará tem alguns registros, mas não são muitos, então por isso e por não encontrar tantos dados assim, eu acabei entendendo que deveria fazer uma ficção da minha própria viagem”, diz a artista.
A curadora Daniela Name diz que acompanha o trabalho de Débora Mazloum há muitos anos, tendo se aprofundado nele quando a artista expôs no salão de Anápolis, em Goiás, e ela foi uma das juradas. “Débora cria um ambiente um pouco fantástico e febril, questionando essa ideia de catalogação, enciclopédia, biblioteca e até mesmo de museu, que é muito afim e contemporâneo desse período expedicionário”, destaca.
Para Daniela Name, o que chama a atenção no trabalho de Débora Mazloum é “a maneira como a artista investiga as questões diaspóricas, as questões de exílios e viagens, especialmente, analisando e problematizando, criticando as rotas de viagem dos expedicionários, cientistas e artistas viajantes do século 19 no Brasil”.
E vai além, destacando o olhar mais realista a esse passado: “Em décadas passadas, nós estudamos esses viajantes com muita reverência, quase com gratidão. E hoje nós percebemos que esses artistas viajantes também foram exploradores, saqueadores da nossa terra”, aponta Daniela Name.
A curadora exemplifica a questão falando da expedição que deu origem ao livro que Débora usa como elemento de interface com a própria criação. “Quando a gente pensa, por exemplo, que a expedição do botânico Carl Friedrich Martius e do zoólogo Johann Baptist von Spix, além de espécies botânicas, levou para fora do Brasil crianças indígenas, que viajaram em condições precárias, e a maioria dessas crianças sequer chegou do outro lado do Atlântico, as duas que chegaram também sobreviveram por muito pouco tempo, observamos o quanto é importante a gente olhar para essas viagens com novos olhos, com um olhar contemporâneo, de questionamento e de problematização. É isso que a Débora faz no trabalho dela. Esta exposição, que é um panorama do trabalho dela, traz essa ideia e questiona essas expedições”, afirma a curadora, referindo-se ainda ao trabalho “Bússola-Marear”, em que Débora Mazloum propõe questionamentos similares.
Visite
“Outros Viajantes” – Instalações de Débora Mazloum.
Abertura: Quinta-feira, 27, às 19h.
Visitação: A partir de sexta, 28, até o dia 27 de maio, de segunda a sexta-feira, das 9h às 17h.
Onde: Galeria Ruy Meira (Casa das Artes – R. Dom Alberto Gaudêncio Ramos, 236, ao lado da Basílica – Nazaré).
Quanto: Gratuita.