Pouco tempo antes da pandemia de Covid-19 estourar, em 2020, e mergulhar o mundo em trevas, o artista baiano Anderson Santos entrou na densa mata de sua própria imaginação, afetos, desejos e medos para compor um olhar sobre seus mais de 20 anos nas artes visuais, numa pesquisa conduzida no mestrado. Desse mergulho, feito de mãos dadas com o artista visual e professor Danillo Barata, orientador da pesquisa, nasceu a mostra “Floresta Negra” e o livro homônimo que o artista dispôs na internet. A inspiração, conta Anderson, veio dos dois filhos pequenos e do hábito dele de contar histórias para as crianças dormirem.
“Um dia me dei conta que quase todas as histórias infantis se passam em florestas, selvas, ou lugares com uma densa vegetação. Comecei, então, a relacionar esta descoberta, do protagonismo da floresta como lugar onde surgem as histórias, com o momento de agora, dessa era antropocênica que vivemos e do obscurantismo político mundial, e em particular, com o cenário local”, diz.
Como numa premonição dos tempos que estavam por vir, o percurso visual apresentado se debruçava sobre a virada temática do artista figurativo, de uma pintura mais voltada à representação do corpo, em séries anteriores, para a inserção de micronarrativas e uma representação muito pessoal dos seus afetos. Um olhar para dentro que se desdobrou, pictoricamente, do preto e branco ao colorido intenso, tendo a cor sempre a serviço da figura, destaca Anderson.
MOSTRA FEZ SUCESSO EM SALVADOR
Apresentada com sucesso em 2020, na Galeria Paulo Darzé, em Salvador (BA), “Floresta Negra” chega esta quinta-feira a Belém, na Galeria Theodoro Braga, como um dos projetos contemplados com o Prêmio Branco de Melo. Com curadoria de Danillo Barata, a mostra ganha aqui, além das telas exibidas em Salvador, o autorretrato “Io, Anderson” (2023), a tela “Flora X” e três pinturas digitais impressas. O público ainda terá a oportunidade de interagir de forma dinâmica com as obras em conteúdo criado para smartphones.
Artista que vive entre Salvador e Milão, na Itália, Anderson tem participação em exposições importantes, como “A Nova Mão Afro-Brasileira” (2013), organizada por Emanoel Araújo, e a Expo Arte Italiana (Varedo, 2015) e continua sua pesquisa sobre processos criativos, agora no doutorado na Accademia di Brera, na Itália. Ele conta que “Floresta Negra” surgiu muito a partir do Brasil que reencontrou.
“Como sou um otimista e tenho dois filhos para brincar, descobri com eles que de dentro do escuro podem surgir monstros, lobos ferozes, mas também tapetes mágicos, cavalos alados e outras histórias”
“Quando voltei da Itália, no início de 2019, encontrei Salvador em luto. Parecia para mim que uma noite escura tinha encoberto a cidade, os amigos ansiosos, com muito medo do que estava por vir e, para culminar, no fim de abril perdi minha irmã. Como sou um otimista e tenho dois filhos para brincar, descobri com eles que de dentro do escuro podem surgir monstros, lobos ferozes, mas também tapetes mágicos, cavalos alados e outras histórias. A escuridão da floresta se dá porque nós não ousamos conhecê-la de verdade e ‐ nem podemos, porque ela se prefigura como território maior da nossa imaginação. Nela projetamos todos os nossos medos, desejos e anseios”, lembra.
EM BUSCA DE UM NOVO CAMINHO
Ele vê nesse processo um paralelo com as buscas empreendidas pela humanidade: “Hoje muitos ouvidos se voltam para as vozes que vêm de dentro do escuro das florestas do mundo. Tentam criar novos tipos de relações com os saberes dos povos que, ao longo dos séculos, cultivaram outros modos de viver, diversos do modelo em que vivemos, que está afundando como Veneza. Muitos acreditam que a cura para todo o mal dessa era, milagrosamente surgirá de dentro do escuro da floresta, ou dos laboratórios do vale do Silício,. O grande problema que se apresenta é que não tem ‘para trás’. Nós não existiremos para toda a eternidade, mas o planeta continuará sem nós, apesar do nosso rastro. Se não dá para voltar e consertar o que fizemos, o que nos resta é imaginar Wakandas dentro do escuro da floresta, lá onde o Google Earth não alcança, e onde utopicamente as novas tecnologias e os saberes tradicionais se encontram e produzem maravilhas”.
Autodeclarado como um pintor de ofício, Anderson não vê problemas em transitar entre a pintura a óleo e a pintura digital. Quando o ritual de arrumar as tintas em frente à tela não se permite, a pintura migra para um IPad. “Posso pintar até a noite enquanto os meus filhos dormem”.
E ele faz da tecnologia aliada também para reconduzir de volta à obra o público visitante das exposições que se dispersa e se concentra em seus próprios smartphones. “Pensei em um jogo: e se durante a mostra nós fizéssemos estas pessoas terem seus smartphones ocupados com as nossas obras? Junto com a empresa italiana Ripensarte, desenvolvemos o aplicativo Eosliber para smartphones e tablets, que permite ao visitante da exposição ver conteúdos exclusivos em audiovisual. Pode parecer redundante sobrepor uma obra a outra, porém é interessante ver como o público reage a esta novidade”, conta.
*Com reportagem de Wal Sarges
Visite
Mostra “Floresta Negra” – Obras de Anderson Santos
Abertura: Hoje, às 19h.
Visitação: Até 28 de agosto, de segunda a sexta-feira, das 9h às 17h.
Onde: Galeria Theodoro Braga – Centur/FCP (Av. Gentil Bittencourt, 650, subsolo – Nazaré.
Quanto: Entrada gratuita
Saiba mais: andersonsantos.ripensarte.com