Cinco décadas separam a primeira versão de “Emmanuelle” (1974), clássico erótico estrelado por Sylvia Kristel, de sua refilmagem dirigida por Audrey Diwan, cineasta francesa vencedora do Leão de Ouro por “O acontecimento” (2021), adaptação de romance da vencedora do Nobel de Literatura Annie Ernaux. Considerado um importante tratado sobre a libertação sexual feminina, o “Emmanuelle” original tinha homens à frente da direção (Just Jaeckin) e do roteiro (Jean-Louis Richard), mas, no novo “Emmanuelle” (2024), o jogo virou. Dirigido e escrito por mulheres (Diwan assina o roteiro ao lado de Rebecca Zlotowski), o filme busca falar da sexualidade da mulher por meio de um olhar menos fetichista e mais feminino.
Em visita ao Brasil para promover o longa, que integra a programação do Festival de Cinema Europeu Imovision, em cartaz em 35 cidades do país, Diwan conversou com o GLOBO sobre a importância de se discutir a sexualidade feminina e sobre a luta contra sua timidez, disse que ficou impactada com o filme brasileiro “Aquarius”e falou de fazer um cinema político, mas não panfletário.
Por que refilmar “Emmanuelle”? Você era fã do filme original?
Nunca assisti ao filme de 1974. Vi os primeiros dez minutos e não continuei. Meu produtor, Vincent Maraval, me presenteou com o livro original de Emmanuelle Arsan e me perguntou se eu me interessaria em dirigir. Resolvi ler por divertimento, mas disse que não faria o filme. Lendo o livro, fiquei bastante surpresa, porque é a história contada por uma mulher sobre uma mulher responsável pelo seu destino. Era cheio de velhos clichês, mas muito moderno para a época (fim dos anos 1950). Meses depois de dizer não, eu continuei pensando naquela mulher em busca de prazer e resolvi aceitar.
O que te interessou em contar essa história?
Acho que é uma oportunidade de nos questionarmos sobre o erotismo e a sexualidade nos dias de hoje. É mais sobre uma questão do que sobre uma resposta. Temos pesquisas que dizem que os jovens não querem mais sexo. Eles têm medo do outro, querem proteger a própria imagem. Não querem ficar nus porque não são perfeitos. Todo mundo busca essa ideia normativa estúpida de perfeição. A sexualidade vem com fracassos. Não queria falar de uma mulher descobrindo o prazer, mas uma Emmanuelle buscando o prazer. É uma jornada à vulnerabilidade.
Como foi a escolha de Noémie Merlant para o papel?
Comecei trabalhando com Léa Seydoux em mente. Mas percebi que não queria fazer o mesmo filme, sobre a mesma mulher. Fiquei preocupada depois que ela deixou o projeto. Mas em duas semanas eu conheci a Noémie. Ela tem algo vital. Mesmo em uma cafeteria, consegui sentir sua força e energia. Ela me disse que, como Emmanuelle, também passou por momentos em que não conseguia sentir nada. Ela não tinha prazer. E ela era tão honesta sobre isso.
O sexo é um importante elemento no filme. Como foram as conversas com Noémie para estas cenas?
Uma vez que ela entendeu a proposta do filme, nunca teve medo de ficar nua. Ela sabe o que dizer através do corpo. Como roteirista, sempre me impressionou como tratamos as cenas de sexo. Se você escreve sobre um jantar, você detalha o que acontece durante o jantar. No erotismo, você muitas vezes escreve “agora eles fazem sexo”. Se torna algo sem sentido. Não foi algo fácil para mim. Escolhi um tema que não acho fácil. Tive que lutar contra meus limites e minha timidez, mas percebi que, quanto mais falávamos sobre sexo, tornava tudo mais fácil durante as filmagens.
Muitos podem ir assistir ao filme com noções preconcebidas diante do fenômeno dos anos 1970. O que gostaria de dizer às pessoas?
Espero que as pessoas possam superar o nome “Emmanuelle”. O filme é sobre uma mulher que se sente desconectada de seu corpo, mas também vejo como uma questão geracional que vai além do gênero. Devemos acabar com a ideia de que temos que sentir vergonha de ter uma vida sexual. Se as pessoas aceitarem embarcar nessa viagem com Emmanuelle, acho que irão se envolver com o filme. Mas se estiverem buscando a velha Emmanuelle ficarão chateados.
Você classificaria “Emmanuelle” como um filme feminista?
Não penso em meus filmes como sendo feministas. São feministas porque eu sou, mas estou mais preocupada em retratar o mundo por meus olhos. Acho que trago elementos feministas de forma orgânica, mas nunca estou tentando fazer um manifesto.
O que o Leão de Ouro por “O acontecimento” significou em sua carreira?
Foi o presente mais inesperado que poderia ganhar em minha vida. Nunca entro num projeto pensando em prêmios. Agora, tenho lutado para voltar a um estado de criação pura e genuína, porque ficar pensando muito nessas coisas é assustador. Prêmios são um presente, mas apenas se você consegue colocá-los no lugar certo em sua mente.
É sua primeira vez no Brasil? Qual sua relação com o país?
A segunda. Anos atrás acompanhei o pai de meus filhos (Cédric Jimenez), que é músico e veio se apresentar aqui. Tenho uma relação forte com filmes brasileiros. “Aquarius” foi um que me impactou muito. Amo “Bacurau”, mas as história daquela mulher em um lugar prestes a desaparecer impactou minha memória cinéfila e me inspirou muito.
Texto de: Lucas Salgado