CRÍTICA DE CINEMA

Em oitavo 'Missão: Impossível', heroísmo chega a níveis infantis

"O Acerto Final" lembra o espírito dos seriados dos anos 1930, que eram dirigidos a crianças e adolescentes.

Tom Cruise em cena do filme. Foto: Divulgação
Tom Cruise em cena do filme. Foto: Divulgação

Antes de começar o filme, um senhor aparece na tela e agradece a presença de todos. Quem seria? Um tempo depois, reconheço Tom Cruise. Mas há algo diferente nesse rosto em primeiro plano —está envelhecido. Esta é a primeira e quase a última surpresa da projeção de “Missão Impossível – O Acerto Final”.

Desta vez não há organizações secretas, nem países, nem nada. A humanidade inteira está ameaçada por algo que se chama a Entidade. O agente Ethan Hunt —Cruise, justamente— é chamado a ser o nosso salvador. Mas antes é bom o pessoal na tela e na plateia saber de que inimigo se trata.

Em linhas gerais dá para depreender que ela é a web, a internet, uma inteligência artificial. Se a Entidade vencer, ela controlará tudo, dirá o que é real ou não, definirá o que é verdade ou mentira. Se a humanidade não se puser de joelhos, ela vai explodir o mundo. E a única pessoa capaz de nos salvar é Ethan, com a colaboração de sua equipe, claro.

A Entidade é abstrata, mas, por trás dela, podemos ver os rostos de Elon Musk e mais alguns magnatas do mundo digital. A alusão é evidente demais para ser ignorada. Não são caras assim que se lixam caso a humanidade acabe, desde que sobre uma nova Arca de Noé, em outro planeta ou na Lua, onde eles sobrevivam?

A Entidade tem ideias mais ou menos parecidas. E tem uma face visível na pessoa de Gabriel, papel de Esai Morales, antigo desafeto de Ethan.

A Aventura e os MacGuffins

O que vem a seguir é um percurso acidentado e longo, onde um “MacGuffin” –como dizia Hitchcock, é algo que funciona como pretexto da ação num filme– substitui outro “MacGuffin”. Podemos estar em correria automobilística, em túneis prestes a explodir, em celas que parecem saídas de um romance de Alexandre Dumas, onde for, parece que Ethan e sua turma, a cada vez, precisam achar, desenvolver ou utilizar algum engenho mirabolante antes que o indefectível relógio marque a hora fatal.

Até aí estamos dentro das regras dos seriados de aventura. O aborrecido no filme são os exaustivos diálogos para explicar cada coisa, cada ação, cada novo perigo ou cada segredo mirabolante que se esconde em um submarino submerso há mais de década. É uma burocracia da explicação de coisas que não chegamos a entender ou, de todo modo, não conseguiremos lembrar.

Ação e Efeitos Visuais

A sonolência de vez em quando vai embora, substituída por momentos em que bons efeitos dão o tom. A ação, eventualmente, desperta o interesse, como aquela em que Ethan precisa mergulhar nas águas gélidas do Ártico a fim de, com uma chave, conseguir abrir algo que o leva ao próximo “MacGuffin”.

Ethan leva os seus equipamentos, mas tem de abrir mão deles para atravessar um tubo estreito. Ele fica só com uma sunga nos incontáveis graus negativos da água. Resiste, contudo, consegue subir e subir, mas nunca chega à luz. O filme então permite-se uma elipse e já o encontramos em terra, desacordado, com a sua fiel Grace, vivida por Hayley Atwell, lhe aplicando respiração artificial.

Dito assim, parece coisa meio ridícula, mas não —podemos partilhar, por exemplo, a falta de ar, a angústia de prender a respiração na tentativa de chegar à superfície, o esforço descomunal da personagem para manter-se consciente. A sequência é bem armada.

Heroísmo e Nostalgia

Tem, no entanto, um defeito que permeia todo o filme: o heroísmo é tão heroico que Ethan já não lembra mais um herói, e sim um super-herói, um Super-Homem capaz de enfrentar as mais terríveis maquinações do vilão. É esperável que o herói passe por situações perigosas e sobreviva, mas Ethan está passando dos limites.

Há outros momentos semelhantes, como a sequência de duelo aeronáutico, em que Ethan se envolve com Gabriel, o vilão. Ambos usam aviões do tempo da Primeira Guerra. Pode-se perguntar por que evocar essas velharias, mas a licença poética é simpática. Nesse momento, Cruise recebe toneladas de ar no rosto e ainda assim consegue prodígios de que só o Homem-Aranha seria capaz.

Com esse espírito é que a franquia chega a seu oitavo filme. Originalmente, era um seriado de televisão para adolescentes. Os primeiros filmes deram uma recauchutada nas situações e nos personagens: havia perfídia, traição, espionagem.

Agora, nada disso. A Entidade é poderosa, com uma ameaça hiperbólica demais. Também nisso “O Acerto Final” lembra o espírito dos seriados dos anos 1930, que eram dirigidos a crianças e adolescentes. Bem, eis algo que a humanidade continua a produzir: crianças e adolescentes a quem esse tipo de aventura possa encantar. Nesse sentido, a boa produção ajuda. (Inácio Araújo)

MISSÃO: IMPOSSÍVEL – O ACERTO FINAL

  • Avaliação Regular
  • Quando Estreia quinta (22) nos cinemas
  • Elenco Tom Cruise, Hayley Atwell e Angela Bassett
  • Produção Estados Unidos, Reino Unido, 2025
  • Direção Christopher McQuarrie