Texto: Bolivar Torres/ Agência O Globo/RJ
Embora seja um nativo digital, Igor Pires demorou para entender a dinâmica do TikTok, rede social de vídeos curtos e ritmo frenético que se tornou queridinha da Geração Z. Conhecido pelo fenômeno editorial “Textos cruéis demais para serem lidos rapidamente”, da Globo Livros, o escritor de 28 anos preferia divulgar seu trabalho em plataformas como Tumblr e Facebook, que ele considerava mais apropriadas para o compartilhamento de textos literários.
Tudo mudou quando percebeu que seu público-alvo, composto por leitores de 12 a 30 anos, estava migrando em massa para o booktok, como é conhecido o nicho de livros da rede social chinesa.
“Migrar para o TikTok é um grande desafio para os escritores da minha geração, pois somos muito mais verbais do que visuais”, diz o escritor. “Meu projeto literário nasceu na internet, é feito para pessoas que estão na internet. Só que as mídias mudam muito rápido”.
Igor começou gravando vídeos com conselhos amorosos baseados em seus escritos, mas os primeiros posts não tiveram muito alcance. Até que um dia postou uma cartela de seu livro com os dizeres: “Leia isso se está precisando de um sinal”. A imagem seguinte era um texto seu falando sobre autoestima e relacionamentos. O post viralizou e, aos poucos, ele foi entendendo a lógica do algoritmo. “Agora sempre que algo meu viraliza por lá, minhas vendas aumentam”, diz Igor.
@igorpires__ eu quero que você fique porque, embora eu seja bom em todos esses movimentos, eu sou ainda melhor em amar. #textoscrueisdemais #igorpires #fy #fyp #poesia
BOOKTOK
O booktok é hoje tanto uma oportunidade quanto uma fonte de ansiedade para escritores sem muita aptidão natural para o tipo de linguagem que domina a rede. A hashtag #booktokbrasil conta com 15,8 bilhões de visualizações (são 70 bilhões no mundo), o que dá uma ideia do alto volume de conteúdo sobre o assunto compartilhado por lá.
Ao viralizar, um post é capaz de transformar um título obscuro num best-seller, especialmente no segmento jovem-adulto. Mas, para alcançar essa visibilidade, é preciso entrar na dança – literalmente, em alguns casos. A plataforma ainda é mais conhecida por seus vídeos carregados de energia juvenil, com desafios de coreografia e muitos efeitos visuais e sonoros. A busca por engajamento pede uma atenção constante aos trends (tópicos) em evidência. Um tipo de vigilância que pode inclusive distrair o autor de seu trabalho primordial: a escrita.
“Quando a gente fica muito preso nisso, não consegue trabalhar”, diz Milton Hatoum, de 71 anos, um dos maiores escritores do país. “Eu estava no Facebook, mas meu filho disse que era coisa de ‘velho’”.
Autodeclarado “dinossauro digital”, Hatoum deixou as suas redes sociais a cargo de seu filho de 16 anos. O autor de “Dois Irmãos”, da Cia das Letras, ainda não tem conta no TikTok. Mas é bastante presente no Instagram, rede na qual posta um conteúdo mais sério e formal, com vídeos de leituras e posicionamentos políticos.
“Por enquanto, meu filho acha que minha presença no Instagram já está de bom tamanho”, diz ele. “Eu até sei o que é o TikTok, já vi, mas não tenho interesse. É o mundo dos jovens.”
https://www.instagram.com/p/Ce_ffppFG3A/
Santiago Nazarian, de 46 anos, é outro que prefere distância do TikTok. Autor do recém-lançado “Veado assassino”, também da Cia das Letras, sempre foi atuante em redes como Facebook e Instagram, mas agora se diz um pouco cansado com a “lógica audiovisual” que domina a comunicação nas redes. “Hoje tem que transformar tudo em imagens, fotos e vídeos”, lamenta. “Isso deteriora demais a comunicação do escritor. Vou acompanhando no que dá. Mas não vou fazer dancinha porque não tenho mais idade.”
É questão de encontrar a sua turma
Os protagonistas do booktok não costumam ser os escritores, mas os chamados booktokers – influencers literários que recomendam leituras na plataforma. Os autores dos primeiros livros que chegaram às livrarias com o selo “fenômeno do TikTok”, como a espanhola Elena Armas (“Uma farsa de amor na Espanha”) e a italiana Ali Hazelwood (“A hipótese do amor”), sequer eram ativos na rede.
Isso está mudando. Segundo Rafaella Machado, editora executiva da Galera Record, cada vez mais autores aparecem pedindo apoio para criar conteúdos específicos para o booktok: “O diferencial do TikTok em relação a Instagram e YouTube é a forma como cria comunidades, mapeando gostos. Agora que esse ecossistema dita tiragens e exposição em livrarias, autores buscam participar mais diretamente na comunidade e construir uma narrativa para seus livros.”
A editora os ajuda a gravar vídeos e a entrar nas trends do momento. Antes, porém, é preciso identificar se uma determinada história tem elementos que engajariam, como uma premissa rápida de explicar, plot twists e emoções como “tristeza” ou “romance”.
“Nem todo livro tem o perfil da plataforma e nem todo autor precisa necessariamente se tornar um tiktoker para vender”, diz a editora.
O Tiktok foi determinante para o sucesso de “O mar me levou a você” (Cia das Letras), de Pedro Rhuas, um dos best-sellers do momento. Ainda na pré-venda, o autor publicou um vídeo em que contava sua trajetória desde escritor independente. O post viralizou, fazendo a obra esgotar em quatro dias após o lançamento.
“Um autor que escreve para o público jovem pode aproveitar tendências, memes, músicas identificáveis com sua audiência”, diz Rhuas. “Já um autor de poemas pode focar em vídeos mais estéticos, com músicas inspiradoras e paisagens.”
A exposição na rede fez Pedro Rhuas chegar à última Bienal do Livro, em setembro, como um rosto conhecido. Seu livro foi o mais vendido da Cia das Letras no evento. Sua trajetória serve de inspiração para muitos autores iniciantes, mas não é simples de repetir. Segundo Rhuas, o aumento repentino de escritores na rede tem tornado o espaço muito competitivo e afunilado, com alguns poucos nomes ganhando notoriedade.
@pedrorhuas eu conheci um garoto idêntico ao JÚLIO, protagonista do meu livro! 🧡 definitivamente um dos momentos mais marcantes e especiais de todas as minhas sessões de autógrafos foi conhecer o Felipe. não esqueço do meu choque ao reparar nele e ver como se assemelhava ao Júlio da capa de “O mar me levou a você”, um personagem tão importante para mim! 🥺 mas Felipe ressoa em Júlio não apenas na aparência. Felipe também é um garoto trans cheio de amor pelo mundo. enquanto falava, me emocionei várias vezes. me senti realmente vivendo meu propósito enquanto escritor. 🧡 obrigado, @li_alvesdepaula, por ter me encontrado e me contado sua história. você é perfeito, e merece o amor. 🏳️⚧️🫶🏻 #booktokbrasil #livros #omarmelevouavoce #rhuasverso #pedrorhuas #lugardefalas
Aos 27 anos, Rhuas acredita que a rede promoveu um gap geracional: enquanto os mais jovens compreendem com facilidade as tendências pautadas pelo algoritmo da plataforma, os mais velhos penam para acompanhar.
Diretora geral de Operações e Marketing do TikTok na América Latina, Kim Farrell vê de outra forma:
“O TikTok é uma plataforma em que todos podem encontrar uma comunidade ou um conteúdo que seja interessante, desde adolescentes, a partir de 13 anos, até avós. Dentro do mundo da literatura, temos muitos criadores e autores com um bom tempo de experiência na área.”
Em seus primeiros momentos no TikTok, a americana Rachael Lippincott, de 28 anos, admite ter sentido uma certa discrepância geracional. Mas, em pouco tempo, a autora de “Orgulho e preconceito e nós duas”, da Globo Livros, já estava encontrando a sua turma e seguindo contas de usuários “muito mais velhos” do que ela.
Lippincott mantém um perfil com a mulher, a também escritora Alyson Derrick, com quem já assinou romances como “Ela fica com a garota”, também da Globo Livros. Este último entrou na lista dos mais vendidos do New York Times graças à exposição na rede, afirma a autora:
“Você pode interagir diretamente com os leitores e descobrir quais elementos da história os entusiasmam”.
Para a autora de literatura jovem-adulta Chris Melo, de 42 anos, o maior desafio de “uma geração que não nasceu com um smartphone na mão” é se manter interessante sem perder a autenticidade. Ela conta que prefere ser lida a viralizar”, ideia que vai na contramão da plataforma.
“Meu perfil no TikTok surgiu na pandemia, e a princípio usei como brincadeira entre mim e minhas filhas”, diz. “Mas, com o surgimento dos booktokers, achei justo incluir um material mais específico. Faço leitura de trechos de livros de que gosto e também dos que escrevo. Só entro nas trends se conseguir vincular um dos meus trabalhos.”
DINOSSAUROS NA REDE
Em julho, quando completou 126 anos de existência, a Academia Brasileira de Letras (ABL) se voltou para o formato descontraído do TikTok em busca de uma aproximação com o público mais jovem.
Com a colaboração de duas agências de comunicação, foi aberta uma conta institucional na plataforma, compartilhando vídeos com trechos de palestras, entrevistas e registros de lançamentos dos acadêmicos. Há também vídeos bem-humorados, como o que os imortais vestiram as camisas de São Paulo e Flamengo antes da final entre os dois clubes na Copa do Brasil de futebol
O conteúdo é pensado pelas agências e discutido com os acadêmicos, que não precisam sequer apertar o play para gravar. O acadêmico Ruy Castro, por exemplo, nunca abriu uma conta em rede social, mas volta e meia aparece fazendo entrevistas curtas com personalidades.
@abletras Das páginas para as telas! 🎬 Qual livro brasileiro você acha que deveria ser adaptado para o cinema? O Acadêmico e escritor Ruy Castro fez essa pergunta para @rodrigodelorenzi, e a resposta rendeu uma ótima conversa. Aperte o play e confira! #booktokbrasil booktok cinemabrasileiro literatura
♬ som original – Academia Brasileira de Letras – Academia Brasileira de Letras
“Eu achava que TikTok era o tuk-tuk, aqueles carrinhos lá de Petrópolis”, diz o jornalista e biógrafo de 75 anos. “Meu trabalho é escrever e falar em público. Se tem alguém filmando, ótimo. Mas não costumo saber para onde vai o conteúdo. Para mim, é como se aquilo estivesse em algum canal etéreo. Não domino essa linguagem, não sou engenheiro eletrônico, sou apenas um escritor”.