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Dóris Monteiro, precursora da bossa nova, morre aos 88 anos

A cantora fez sucesso  na Rádio Nacional e na TV Tupi, e gravou masi de 60 álbuns ao longo da carreira FOTO: FELIPE VARANDA/FOLHAPRESS
A cantora fez sucesso na Rádio Nacional e na TV Tupi, e gravou masi de 60 álbuns ao longo da carreira FOTO: FELIPE VARANDA/FOLHAPRESS

Etel Frota/Folhapress, SP

“Dóris Monteiro – 65 anos de muita bossa”. O nome deste show de 2016 fala, de forma eloquente, do papel da cantora, morta nesta segunda-feira (24), como precursora do grande movimento da música brasileira no século 20.

Com sua “voz pequena”, segundo ela mesma definia, cantando coisas “mais mexidinhas”, como lhe sugerira o compositor Billy Blanco, já cantava no estilo da bossa nova em 1957, quando gravou “Mocinho Bonito”, de Blanco, a música mais tocada nas rádios brasileiras naquele ano. “O Encontro”, espetáculo com João Gilberto, Tom Jobim e Vinícius de Moraes que marcou o início da bossa, só aconteceria cinco anos depois.

Monteiro morreu de causas naturais, segundo um comunicado publicado no perfil da artista no Instagram. Ela tinha 88 anos e estava em sua casa no Rio de Janeiro.

A cantora estreou em 1949, aos 16 anos, na Rádio Nacional, no programa de imitações Papel Carbono, de Renato Murce. Em um tempo de vozeirões e arroubos de interpretação, o apresentador não soube sugerir uma cantora que a menina, com a sua voz peculiar, pudesse imitar. A mãe lembrou Lucienne Delyle, intérprete das delicadas canções francesas da época. Foi assim que, vencendo a competição com “Boléro”, de Pail Durand e Henru Contet, Monteiro passou de caloura a contratada pela Rádio Nacional, onde permaneceu por mais de 2 anos.

Seu primeiro disco, “Todamérica”, lançado em 1951, com a canção “Se Você Se Importasse”, de Peterpan, fez um enorme sucesso. Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello, no livro “A Canção no Tempo” destacam a música como uma das seis mais representativas daquele ano.

Da Rádio Nacional, após uma breve passagem pela Rádio Guanabara, a cantora foi para a TV Tupi, onde permaneceu por mais sete anos. Na nova emissora, perdeu o Adelina do nome e viveu seu apogeu. Contratada pelo Copacabana Palace, cantava em francês e inglês.

Estreou no cinema em 1953, em “Agulha no Palheiro”, de Alex Viany. Faria mais sete filmes, incluindo o premiado “De Vento em Popa”, de Carlos Manga, lançado em 1957. Na TV Tupi, ganhou um programa com o seu nome. Depois, voltou para a Rádio Nacional.

Ela gravou mais de 60 álbuns de repertório, a maioria pela Odeon, e participou em coletâneas e reedições posteriores. Alguns de seus maiores sucessos, além de “Mocinho Bonito”, foram “Mudando de Conversa”, composta por Maurício Tapajós e Hermínio de Carvalho, “Conversa de Botequim”, de Noel Rosa, e “Dó-ré-mi”, de Fernando César e Nazareno de Brito.

Doris Monteiro, em 1960 FOTO: ARQUIVO NACIONAL
HISTÓRIA PITORESCA

Nascida no Rio de Janeiro, em 23 de outubro de 1934, filha de Glória Monteiro Murta, portuguesa que trabalhava como empregada doméstica, Adelina Doris Monteiro nunca conheceu o pai biológico. Sua mãe pagava uma mulher para que cuidasse do bebê. Dona Augusta, amiga de Murta, queria que o casal Ana Maria e Lázaro Cordeiro, também portugueses, adotassem a criança, mas Ana Maria resistia.

Uma tarde, encontrando-a magrinha e desnutrida na casa onde era cuidada pela estranha, Dona Augusta pegou Monteiro, depositou a menina na cama de Ana Maria e sentenciou: “ou crias ou deixas morrer”. Ana Maria não só criou como virou folclore nos bastidores do rádio por estar o tempo todo acompanhando a filha. “Fui eu que inseri a mãe no rádio brasileiro. Eu era a menina com uma trança do lado esquerdo e a mãe do lado direito”, costumava dizer Monteiro, rindo.

Seus romances seriam movimentados. O casamento, aos 18 anos, com um playboy capixaba, tendo Chacrinha como padrinho, foi capa da revista “Manchete”. Seis meses depois, estava separada. “Ele não prestava. Depois disso, tive namorados”, contou a Rodrigo Faour, em 2009.

O mais ruidoso dos seus romances, nunca confirmado por ela, estava por vir. Em 1956, coroada Rainha do Rádio, a imprensa creditou sua eleição a um pretenso envolvimento amoroso com Assis Chateaubriand, que ordenara a compra intempestiva de centenas de milhares de exemplares da “Revista do Rádio”, que equivaliam a votos no certame.

Monteiro não teve filhos. Nos anos 1970, tornou a se casar, com o tecladista Ricardo Jr. “Ele tem um suingue espetacular. Posso fazer a divisão que eu quiser, que ele vem na minha”, dizia.

Juntos, apresentaram-se em importantes palcos. Em 2009, Ricardo Jr. acompanhou a cantora e Billy Blanco em um antológico reencontro. O casamento e a parceria artística duraram mais de 40 anos, só terminando com a morte do músico, em 2017.