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Documentário sobre raio-que-o-parta compete no Festival de Cinema de Vitória

A artista visual compôs o filme em curta-metragem especialmente para mostra do Sesc que festejou o centenário do modernismo no Brasil. FOTO: REPRODUÇÃO/FILME
A artista visual compôs o filme em curta-metragem especialmente para mostra do Sesc que festejou o centenário do modernismo no Brasil. FOTO: REPRODUÇÃO/FILME

Wal Sarges

O documentário “Um Céu Partido ao Meio”, da artista visual paraense Danielle Fonseca, foi selecionado no 30º Festival de Cinema de Vitória, que ocorrerá no período de 18 a 23 de setembro, na capital do Espírito Santo. O curta-metragem está dentro da 12ª Mostra Corsária, e será exibido no dia 19 de setembro, às 16h, no Sesc Glória, localizado no Centro Histórico de Vitória.

Este ano, o festival completa 30 anos de história e recebeu um número recorde de inscrições, um total de 1226, vindas de todas as regiões do Brasil. Desse total, foram selecionados 98 filmes, 93 curtas e cinco longas-metragens, que apresentam um recorte da produção audiovisual brasileira contemporânea.

As obras escolhidas pela Comissão de Seleção serão exibidas nas 12 mostras competitivas que compõem a programação do evento, que apresentará a safra atual e inédita do cinema brasileiro. Além das mostras competitivas, o evento contará lançamentos de filmes, debates, formações e homenagens.

Danielle Fonseca conta que foi uma surpresa enorme para ela receber a notícia da seleção, misturada com muita felicidade. “O Festival de Vitória é um dos mais importantes do circuito no Brasil, então me sinto grata em poder fazer parte dessa seleção e poder apresentar a uma nova plateia um pouco do meu olhar. Ver o meu filme ganhar os cinemas é muito emocionante, pois foram muitos desafios”, comenta.

“Um Céu Partido ao Meio” foi finalizado no ano passado para fazer parte da exposição “Raio-que-o-parta: ficções do moderno no Brasil”, organizada pelo Sesc São Paulo dentro das comemorações do centenário da Semana de Arte Moderna de 1922 e do bicentenário da República. A mostra teve curadoria dos pesquisadores Aldrin Figueiredo, Clarissa Diniz, Divino Sobral, Marcelo Campos, Paula Ramos e Raphael Fonseca, que também assinou a curadoria geral.

“O filme foi feito em plena pandemia de covid-19 e foi muito desafiador, pois a equipe ficou reduzida a mim e ao cinematografista e editor Marcelo Rodrigues, que aceitou essa aventura comigo. Visitamos as casas no estilo raio-que-o-parta, muitas das vezes apenas pelo lado de fora, para não expor os moradores, respeitando as questões de segurança sanitárias”, lembra-se a artista.

Sem dúvida, para ela, dois momentos foram mais marcantes: “Primeiro poder entender o meu próprio bairro, o Umarizal, e descobrir, através da pesquisa para a construção do roteiro, a quantidade enorme de terreiros de religiões de matriz africana que habitam ou habitaram o bairro. Algumas casas nessa arquitetura do raio-que-o-parta possuem essa característica”, conta.

Danielle Fonseca destaca uma atuação especial. “Outro ponto importante foi poder ter participação do ator Pascoal da Conceição, interpretando Mário de Andrade, e tudo filmado no Teatro Oficina, criado pelo gênio José Celso Martinez Corrêa. Mário de Andrade, no meu filme, desce à terra para ser apresentado ao estilo raio-que-o-parta e para ser visto, finalmente, como homem negro, bailando ao som do batuque e se reconhecendo afro-brasileiro, assim como é o raio-que-o-parta”, descreve.

Um dos terreiros mostrados no documentário. Muitos destes locais adotaram o raio-que-o-parta FOTO: reprodução/filme

“Decolonizar” o olhar e se reconhecer na arquitetura popular paraense

Aos olhos do transeunte comum, essa arquitetura identificada no filme ainda é vista como algo distante. É o que a artista percebeu durante sua pesquisa. “Belém ainda tem uma relação com a arquitetura de distância, de não-identidade. E não falo da arquitetura colonial, ou colonizada. Falo da arquitetura popular, como o raio-que-o-parta. O Pará é inovador, pioneiro nesse estilo arquitetônico, que ainda hoje não é reconhecido como patrimônio cultural histórico, mas vejo uma mudança significativa em alguns momentos ligada à educação do olhar das pessoas”, observa.

Ela destaca algumas iniciativas e projetos que podem ajudar nessa formulação de uma nova consciência identitária. “Uma espécie de ‘decolonização’ arquitetônica, movimentos como o da Rede Raio-que-o-parta, da Agência Monotour, [do projeto] Belém Ontem e Hoje, e do Projeto Circular são fundamentais para essa educação de olhar. Como diz meu sobrinho Benjamin, de 7 anos, ‘formar novos caçadores de raio-que-o-parta pela cidade’ (risos). Somos parte de nossa arquitetura. É preciso se reconhecer.”

Com uma produção artística diversa, da literatura – que envolve a poesia e a música – ao audiovisual, a artista Danielle Fonseca descreve sua relação com a arte como algo bem realista. “Minha produção conversa em torno de elementos como as águas, a palavra e o cinema também… A base de todo meu trabalho, sem dúvida, vem da literatura e da canção popular brasileira. Minha relação com a arte é bem capricorniana, sem muitos romantismos (risos). Tento ser bem profissional. Estou finalizando um novo livro e, em paralelo, escrevendo um novo roteiro sobre o Umarizal. Tem muita história bonita para contar sobre esse bairro, que foi tão gentrificado nos últimos anos”, analisa.