Então, Manoel é amigo em comum de um outro amigo meu, o cantor Allex Ribeiro, que acabou me apresentando a Manoel, que apresentou a proposta de fazermos um filme sobre a vida dele. E aceitamos”, conta o cineasta San Marcelo, da Sapucaia Filmes, que assina fotografia, direção e roteiro do curta-metragem “Luz do Mundo” junto com o jornalista e documentarista Cícero Pedrosa Neto.
Essa cadeia de amizades que se conectam e levam até o documentário sobre a trajetória musical e de vida de Manoel Cordeiro é bem representativa do que se vê no filme. Quantas pessoas foram tocadas pela presença deste grande artista amazônida? E como ele renasce ainda mais cheio de vontade de música após um quadro crítico de covid-19?
“O primeiro desafio era como contar a trajetória desse artista importantíssimo para o cenário musical paraense e brasileiro em poucos minutos [são 50 anos dedicado à música]. Fizemos vários encontros para entender o que Manoel queria contar. Tinha dois pontos importantes que teriam que ter: o momento que Manoel passou durante a pandemia, que quase o levou; e quebrar o mito de sua origem. Onde Manoel nasceu?”, diz San Marcelo.
O próprio Manoel conta que muitas coisas o motivaram a querer fazer um filme e que, de fato, sua origem era uma delas. “Às vezes, as pessoas me perguntam se sou paraense, amapaense. E eu sou marajoara, nasci em Ponta de Pedras [em 1955]. Com um ano de idade fui para Anajás (também no Marajó) e com quatro, quase cinco anos, fui para o Amapá, onde fiz todos os meus estudos”, conta.
Ele lembra que foi no estado vizinho que aprendeu a tocar e teve contato com vários ritmos. “Em 1973, vim para Belém convidado pela banda do Edir Farias e tive contato com um disco de carimbó que eles tinham feito. Aquele disco me deixou muito feliz e me aguçou o interesse pelo viés cultural da música. É legal o papo do entretenimento, mas acho que a música tem muito mais força, diz muito mais, dura muito mais, quando você olha pelo aspecto cultural. Então talvez essa tenha sido a maior motivação pra gente fazer esse filme”, diz Manoel.
As filmagens foram feitas ao longo do segundo semestre de 2022 e a princípio iriam percorrer alguns lugares como Marajó, Macapá, Belém e Bragança, porém, tudo foi deixado para o projeto maior de um longa-metragem. “Acabou que pensamos que esse curta poderia se transformar em um prólogo de um longa. Manoel teve então a ideia de convidar alguns parceiros para falar da sua presença na música deles. O que vimos era que onde Manoel metia a mão era sucesso certeiro e que parecia ser uma virada na vida daquele outro artista”, conta San Marcelo.
Muitos parceiros e muitos sucessos
Essa sequência de entrevistas para o curta, devido a pandemia da covid-19, também se tornou um reencontro de Manoel com esses amigos. E também surgiu o nome do filme, “Luz do Mundo”, o nascimento e renascimento, os reencontros com esses artistas queridos, como Eloi Iglesias, Dona Onete, Pinduca, Felipe Cordeiro e Nayara Guedes. Esta última também é a médica que cuidou de Manoel durante seu tratamento quando teve Covid-19.
“Eu conheço ele [Manoel] na década de 1980, pós-ditadura”, lembra Eloi Iglesias durante a entrevista para o documentário. “Eu fiz uma música que começou a tocar em fitinha, perguntavam se o Manoel conhecia, ele conhecia, a gente foi paixão de cara. Ele gostou que eu era despojado. O Manoel era preso, mas tinha um doido dentro dele”, brinca Eloi. A tal música que circulou por fita cassete era nada menos que “Pecados de Adão”. Ela empolgou Manoel, que ajudou a chegar nas rádios de todo o país. “Acho que por isso sou o Eloi Iglesias, conhecido no estado, que as pessoas vêm atrás de mim. O Manoel é a pessoa que foi muito responsável por isso”.
O filme paira por esses depoimentos, músicas cantadas e tocadas ao vivo e reflexões do próprio artista, da valorização da sua arte, vida e lugar de origem. “Pra onde ele voa, leva consigo um pedaço do seu lugar, sua gente, sua cultura, e sempre com o desejo de voltar. O filme é um pouco disso tudo, complexidade de um artista e simplicidade da sua arte”, define San Marcelo. Diante dos vários desafios, o filme teve filmagens apenas em Belém, em Mosqueiro, e ao longo da estrada que leva à ilha.
TRILHA SONORA
A trilha sonora massifica a música “Luz do Mundo”, alguns momentos em instrumental, em outros cantada para o filme ou em show. “Ficamos com essa trilha base e as outras surgiram a partir do encontro com os outros artistas: Eloi Iglesias com o sucesso ‘Pecados de Adão’, gravado ao vivo para o filme. Dona Onete com ‘Boi Guitarreiro’. Pinduca com o disco que foi ao Grammy Latino, produzido por Manoel. E Nayara canta ‘Luz do Mundo’ como uma personagem importante desse renascimento pós-covid-19, enquanto o filho, Felipe Cordeiro, fala da importância do pai para o cenário da música”, detalha San.
“Eu lembro dele gravando [‘Luz do Mundo’]”, relata Felipe no filme. “Eu lembro de mim e papai, eu criança, a gente estava em São Paulo mixando o disco e eu chorando querendo voltar pra Belém, e essa música era trilha sonora, o disco ainda não tinha saído. Eles colocaram a música como quinta, sexta do lado B (nessa época os discos tinham dois lados). Então era uma música que estava meio de penetra ali, num disco de lambada, e foi a música que estourou o disco e se tornou um hino da música paraense”, exalta o filho de Manoel, hoje um de seus grandes parceiros na música.
Manoel diz que se sente feliz em olhar para trás, embora não seja apegado a isso. Destaca entre seus feitos tocar com Alípio Martins e levar a lambada para outro momento, em que buscou inspiração na célula do samba e isso levou a outra geração, a de Beto Barbosa, ganhando o país. E a produção de inúmeras bandas, entre elas a banda Carrapicho, que incentivou a gravar boi-bumbá, e a Warilou, onde desaguou muito de sua pesquisa musical. “E hoje quando olho para trás, vejo que a música paraense é vigorosa, é forte, e muitas das coisas que a gente fez antigamente ainda é muito atual”.
O curta-metragem “Luz do Mundo” foi realizado com apoio de emenda parlamentar do então deputado federal, hoje prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues, com realização da Fadesp, Escola de Música da UFPA e Ministério da Educação. Ele já participou de festivais antes de ser lançado no Pará, sendo exibido em São Luís (MA) e em Santos (SP), e também entrará na Mostra Sesc de Cinema ainda este ano.
Em Belém, o lançamento ocorre hoje, 10, às 18h, no Memorial dos Povos, com entrada gratuita. Após a exibição, o próprio Manoel Cordeiro se apresenta com Nayara Guedes.
IMPERDÍVEL
Lançamento do documentário curta-metragem “Luz do Mundo”
Quando: Hoje (10), às 18h
Onde: Sala Vicente Salles, no Memorial do Povos (Av. Gov. José Malcher, com a Tv Dr. Moraes – Nazaré)
Quanto: Gratuito (sujeito à lotação)