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De mãe para filhas, com afeto e com tempero

De mãe para filhas,  com afeto e com tempero

Foi na cozinha e na companhia da minha mãe que construí muito das minhas memórias afetivas de infância que me acompanham até hoje. Lembro que, com mais ou menos 10 anos de idade, o meu programa preferido era ficar ao lado dela Aurora Epifanio, assistindo a programas de culinária, enquanto meus irmãos brincavam de outras coisas. Quando o programa terminava, íamos para a cozinha fazer a receita.

Cresci, me tornei jornalista e, com as responsabilidades da vida adulta, as receitas ficaram um pouco de lado. Até que, em 2011, engravidei da minha primeira filha, a Sophia, e voltei para a cozinha, especificamente para os doces, pois queria fazer seus bolos de aniversário, batizados e mesversário. Mas, no dia 10 de junho, Sophia chegou ao mundo com apenas sete meses de gestação, uma bebê prematura, e ficou na UTI neonatal durante 31 dias. Ela, infelizmente, não resistiu a um quadro infeccioso.

Pensei o que fazer com as receitas, novos livros adquiridos e os aprendizados na cozinha. Resolvi continuar fazendo os doces, o que de imediato funcionou como uma terapia, mesmo sem a intenção – porque cozinhar é mesmo uma terapia, exige concentração, afeto e momentos solitários que às vezes funcionam como reflexão íntima. Quando os doces começaram a chegar aos clientes, surgiu a necessidade de dar um nome, ter uma marca, padronizar, para que chegasse ao mercado com uma identidade. Então, batizamos como Doce Sophia. Nada mais justa a homenagem, já que foi Sophia que me reconectou com a minha paixão de infância. Acredito hoje que foi umas das suas missões durante a sua curta passagem por esse mundo terreno.

E a Doce Sophia me permitiu fortalecer os laços com a minha mãe, que hoje trabalha comigo. Ou seja, voltamos a compartilhar a cozinha, afetos e muitas receitas. Além disso, minha segunda filha, Valentina Maria, ama fazer receitas também. Então, tem momentos que estamos, nós três, envolvidas na cozinha, ou eu e Valentina fazendo umas das suas receitas preferidas.

Quando me pego lembrando desses momentos, vejo que esse amor pelas receitas passou de geração para geração. Acredito até que está no DNA da família Epifanio. Sou grata por todos os ensinamentos da vida, e em especial os ensinamentos que a confeitaria me permitiu: conexões familiares importantes, amores intensos e um fortalecimento com ensinamentos para vida. Tudo isso, graças também ao amor materno da minha mãe, e a minha maternidade com as minhas filhas.

Pensando sobre as relações entre a cozinha e a maternidade para esta pauta de Dia das Mães, encontrei outra família onde o afeto e as receitas se misturaram também: a da boieira da feira do Ver-o-Peso, Eliana Ferreira. Ela, a mãe Osvaldina da Silva Ferreira, e a filha Kelly Ferreira trabalham juntas na feira e têm orgulho de compartilhar conhecimento nessa história de tradição familiar que já está na terceira geração.

“Compartilhar o meu conhecimento com a minha mãe é tudo, porque no passado ela compartilhou comigo tudo o que sabia, como cortar um peixe, um frango, fazer uma carne assada de panela, como servir, atender os nossos fregueses e clientes. Hoje tenho um conhecimento a mais, porque fiz muita qualificação, muito curso, mesmo morando em Mosqueiro. Hoje, já passo alguma coisa para ela. E assim ela faz uma moqueca de pirarucu maravilhosa, é um prato que me ensina a fazer, como eu também tenho outros conhecimentos dos meus pratos. Esse compartilhar é muito importante!”, me contou Eliana, que começou a trabalhar com Osvaldina numa barraquinha na Feira do Açaí, onde a mãe trabalhava para outra pessoa. Depois, a mãe conseguiu seu espaço no Ver-o-Peso e atualmente cada uma tem a sua barraca. Mas a troca de conhecimento e afeto da família segue juntinho.

“Todo mundo briga, mas quando é para trabalhar, ou para gente resolver alguma coisa, todo mundo se une. A nossa cozinha é um ato de afeto, união, amor e, para mim, ter perseguido o exemplo da minha mãe foi tudo. Só sei fazer isso, só sei cozinhar. Trabalho para mim, não preciso trabalhar para ninguém, porque aprendi com ela isso. Eu também sou a prova disso, a minha filha também seguiu o meu caminho, porque gostou do trabalho”, disse Eliana, lembrando que o trabalho na feira é cansativo, estressante, mas quando chega no final do dia é muito gratificante.

“Para mim, ter seguido o trabalho da minha mãe foi a melhor coisa que fiz. A minha mãe representa tudo para mim. Todos os dias me ajoelho e peço para Deus dar muitos anos de vida para ela, dar sabedoria, conhecimento, discernimento. Muitos anos de vida, porque eu preciso muito da minha mãe. E o amor uniu a gente na cozinha, está no sangue da família Ferreira”, me disse Eliana.

E assim como ela se sente orgulhosa de ter aprendido e seguido o caminho da Dona Osvaldina na cozinha, Kelly, sua filha, também, sente o mesmo orgulho e segue o legado da família na cozinha. “O amor que ela tem pela culinária, isso me inspirou muito e tudo que sei hoje aprendi com ela: a dedicação e amor pela comida. E tudo que faço é para mostrar que posso ser igual a ela um dia.”

*Repórter do caderno Você, Aline Rodrigues divide o amor pelo jornalismo com o amor pela gastronomia, especialmente pelos doces sabores que desenvolve em sua Doce Sophia (@doce_sophia), cujo lema não poderia ser mais oportuno: amor de mãe em forma de doces. Por meio dela, a equipe do Você homenageia todas as mães que nutrem com comida e amor nossos melhores sonhos, e em especial aquelas que integram a equipe de colaboradoras do DIÁRIO.