TALENTO PURO

De Gaby a Zaynara: os nomes que fazem o sucesso da música do Pará

Belém terá os olhos e ouvidos do mundo voltados para a COP30 num momento musical de grande riqueza. Veja quem vem assombrando.

Tão longe de alguns grandes centros do Brasil, mas tão perto do Caribe, imersa na Floresta Amazônica e com uma cultura que bebe de várias fontes, entre as quais a dos povos originários e a da África, a cidade de Belém – que em setembro sedia o festival Amazônia para Sempre (dos criadores do Rock in Rio e The Town) e, em novembro, a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30) – terá os olhos e ouvidos do mundo voltados para ela num momento musical de grande riqueza.

É uma ocasião em que artistas como Viviane Batidão e Zaynara partem para conquistar o país, em que Gaby Amarantos se consolida como grande embaixadora dos sons paraenses e na qual a Gang do Eletro volta, uma década depois do último disco, para mostrar que o tecnobrega tem uma história ainda a ser escrita.

Cantora que nos últimos meses participou do show “Numanice”, de Ludmilla, e de apresentação do DJ Alok, ambos em Belém, e dos Ensaios da Anitta em São Luís, no Maranhão, Antônia Viviane Mendes de Oliveira, a Viviane Batidão, é a coroada Rainha do Tecnomelody – uma das variações do tecnobrega, estilo surgido nas festas das aparelhagens de som da periferia de Belém.

Viviane Batidão brilhou na premiação
Antônia Viviane Mendes de Oliveira, a Viviane Batidão, é a coroada Rainha do Tecnomelody

Aos 41 anos, cantando desde os 15 (e, profissionalmente, desde os 23), somente no ano passado ela teve reconhecimento nacional ao sagrar-se ganhadora da categoria Brasil no Prêmio Multishow. Há um mês, Vivi lançou o single “Não deixei de amar”, marco da nova fase da carreira, que ela pretende sacramentar ainda este ano com um álbum.

Gaby Amarantos

– Muitas bandas que eram do tecnomelody foram para o arrocha. Só que sempre gostei muito do que faço e nunca deixei de gravar tecnomelody. Aliás, eu era uma das poucas artistas que faziam tecnomelody para as aparelhagens – diz Viviane. – A gente fazia a música e mandava no pen drive para a pessoa que comprou. A gente não subia em plataforma, não editava e não registrava.

Nascida no interior, em Santa Izabel do Pará, terra muito musical (“Do lado de casa, tinha uma aparelhagem que tocava cúmbia, merengue, brega, lambada… Eu dormia ouvindo e acordava ouvindo as nossas músicas”, diz), Vivi ganhou o sobrenome artístico Batidão por causa do “tecnomelody com uma batida diferente”, que criou. Mas passou por dissabores: enganada por pessoas que subiram suas músicas no Spotify e não repassaram os direitos autorais, ela teve depressão e passou por terapia até se recuperar. E perdeu muitas oportunidades depois que bandas de fora do estado “tomaram a frente de algo que não era deles (o technomelody)”. Mas seguiu vivendo bem, profissionalmente, num circuito que engloba o Pará, o Amapá e a Baixada Maranhense.

– Eu não tinha ambições de atingir uma projeção nacional. Até fiz programas nacionais, como o do Faustão, mas fui lá mesmo para viver aquilo. E, no ano passado, desacelerei, para viver mais um pouco com meu filho e meu marido, passar mais tempo na minha casa nova. Nunca quis o sucesso, nunca quis ser famosa, mas queria que o ritmo fosse. Eu queria levar a cultura para fora – diz.

Ano passado, em um novo escritório, D&E Music, de Fortaleza, Viviane começou seu movimento para fora do Pará, nos seus termos. Agora, está preparando um álbum mais focado no Brasil.

– Esse álbum vai ser muito bonito, mostrando para o Brasil que a gente tem música boa aqui. Música dançante que fala de amor, mas que também vai te fazer só querer curtir a batida. A gente está aí, tentando achar as melhores oportunidades, achar os melhores feats, com força e com pessoas que admiro – diz ela, reconhecendo a importância de pioneiras da música do Pará que a ajudaram a chegar até aqui. – Fafá é a nossa primeira, nossa desbravadora. E Joelma é uma artista fora da curva que conseguiu fazer algo muito difícil: sustentar por anos um ritmo com estilo próprio, sendo autêntica.

Zaynara, nova estrela da música de Belém, nos seus 23 anos de idade, assina embaixo.

– O Pará tem muitas artistas mulheres fortes – diz ela, que já gravou com Joelma e esteve no festival Psica, em Belém, em dezembro, em show com Viviane Batidão. – Me deixa emocionada estar nesse lugar hoje, poder agradecer até mesmo pessoalmente a elas por todo o caminho trilhado. A gente se dá as mãos e vai junta, cada uma é muito boa no que faz. A Vivi, por exemplo, é muito boa no rock doido (novo estilo de Belém), vocês têm que ouvir! Com certeza o que fortalece a gente são essas particularidades.

Especialista no beat melody (o tecnomelody com guitarra acelerada), Zaynara fez um dueto com Gaby Amarantos no mais recente single da cantora, o emblemático “Mulher da Amazônia”. Ao lado de Dona Onete e Joelma, que, por sinal, serão atrações do grande show de abertura do Amazônia para Sempre, em 17 de setembro.

Especialista no beat melody (o tecnomelody com guitarra acelerada), Zaynara fez um dueto com Gaby Amarantos no mais recente single da cantora, o emblemático “Mulher da Amazônia”

– Quando nos conhecemos, foi um negócio que bateu de cara, ficamos superamigas e mantendo contato. A gente já vinha conversando sobre algumas coisas de que a gente gostaria de falar, e assim nasceu a “Mulher da Amazônia”. A Gaby trouxe a música, eu ouvi e dei meus pitacos – conta a cantora, que vem do interior, de Cametá, é filha de um baterista de brega (que hoje toca com ela) e que, antes de começar a cantar, passou a infância batendo cabelo na frente da TV, com DVD de Joelma e a banda Calypso.

– O beat melody surgiu dessa minha ideia de querer trazer o Norte com uma sonoridade que misturasse outras coisas, como se fosse um grande catálogo de tudo que eu ouvi a minha vida inteira. E aí entram brega, tecnomelody, tecnobrega, calypso e até o brega funk do Recife.

 

Como surgiu ‘Mulher da Amazônia’

Ícone do tecnobrega e ganhadora do Grammy Latino de melhor álbum de música de raízes em língua portuguesa de 2023 por “TecnoShow”, Gaby Amarantos conta que “Mulher da Amazônia” surgiu “da inspiração dessas mulheres maravilhosas que têm levado a música, a beleza, a potência do Norte em diversas frentes”.

– Foi muito inspirada também pelo nosso mestre Gilberto Gil, que tem a sua menina baiana. Estava faltando uma menina do Norte, pensando também no cotidiano na mulher simples, na mulher ribeirinha, na mulher quilombola, na mulher indígena, na mulher da feira, na mulher que tá aqui no Ver-o-Peso batendo açaí diariamente – diz Gaby, que tentou trazer para a música uma sonoridade diferente da habitual. – Ela não é um tecnobrega nem um tecnomelody, ela bebe um pouco ali na fonte do amapiano (estilo da África do Sul) com o afrobeat (da Nigéria), mas jogando um açaí, um tucupi, uma guitarrinha da guitarrada e um tambor de carimbó para ficar com a cara da Amazônia.

Gaby diz sempre ter sonhado em um dia ver consolidada a nova cena musical de Belém, à qual hoje se somam nomes como os de Luê, Jaloo, Layse e os Sinceros, Valéria Paiva (a Rainha das Aparelhagens), Hellen Patrícia (A Precursora do Brega Paraense) e Naré (“um artista LGBT maravilhoso, que tem uma sonoridade linda”), ao lado, é claro, de aparelhagens como Lendário Rubi, Tudão Crocodilo e Carabao o Furioso.

– Isso aí está acontecendo, e é fruto de uma estrada que a gente pavimentou. Agora a aparelhagem está pronta para sair do Pará e ganhar o Brasil. A gente traz as pessoas aqui para viver a aparelhagem, mas também leva a aparelhagem para elas através de nossos shows, para a galera poder se conectar mais com a Amazônia – diz ela, grande fã de Viviane Batidão e de Zaynara.

– Elas são lindas, têm talento, e, se você for assistir ao show da Vivi, vai ver que é totalmente diferente do show da Zay. Essas meninas trazem a renovação da linguagem, para as pessoas verem o quanto que a gente é tecnológico e o quanto a gente consegue ser sublime com todo o nosso afro-ribeirinho-futurismo.

Gang do Eletro celebra retorno

Pioneiro de toda essa música eletrônica paraense das aparelhagens, a Gang do Eletro sacramenta a sua volta (iniciada em 2022 e oficializada no ano seguinte, em show no Psica) com o lançamento de um álbum de inéditas, antecipado no último dia 21 pelo lançamento do single “Baladeira”.

A Gang do Eletro, formada por Waldo Squash, Keila Gentil, William Love e Marcos Maderito, é quem comandará a virada no Porto
A Gang do Eletro, formada por Waldo Squash, Keila Gentil, William Love e Marcos Maderito

– A gente pensou em dar uma modernizada no nosso som, mas também em fazer um disco com a nossa cara, que tenha essa essência do tecnobrega mais acelerado do passado, como era nos anos 2000. Tem duas músicas no disco em que as letras falam bem o que é o tecnobrega, aquele em que você pega a gata e faz o que aqui a gente chama de caqueado, aquela malemolência de jogar a parceira para frente e para trás, rodar, voltar e dançar agarrado no salão – diz o DJ Waldo Squash (que completa a Gang ao lado de Keila, Maderito e Will Love).

– E a sequência desse projeto é justamente trazer outros convidados e começar a gravar coisas do Brasil misturadas com a nossa pegada. A gente quer o forró do Nordeste e o funk do Rio, pondo a nossa pegada para ver o que dá.

Com o sucesso da Gang do Eletro no começo dos anos 2010, conta Waldo, veio o assédio aos integrantes. Keila foi a primeira a sair solo. Will deu um tempo para se dedicar às produções musicais e ele mesmo depois teve que fazer uma pausa, porque ficou doente devido ao volume de trabalho no estúdio. Foi aí que Waldo decidiu dar uma virada na vida e abriu com a mulher um negócio de venda de roupas e calçados. Hoje, ele dedica as manhãs à música (mais recentemente, fez vinhetas para o “Batidão tropical”, projeto em que Pabllo Vittar homenageia estilos brasileiros muito populares como o tecnomelody).

– De lá para cá, outros artistas que são antigos melhoraram os seus trabalhos, principalmente no marketing, que é do que grupos aqui mais precisam. Foi o que aconteceu com a Viviane Batidão, que é veterana já, assim como agora estão trabalhando também para ver se puxam a Zaynara – analisa o DJ. – Tem vários artistas aqui se profissionalizando, entrando para esse mercado nacional e tentando também sair do país. A gente mesmo está vendo se consegue fazer uma turnê da Gang pela Europa.

Waldo Squash vê a novidade do rock doido como o passo seguinte do eletromelody que ele ajudou a criar, salpicando no tecnobrega batidas de techno e house.

– O mundo estava fazendo essa virada para coisas rápidas, como é o TikTok, dos vídeos rápidos. Então, apareceu um DJ aqui chamado de DJ Lorran, que começou a colocar esses pedacinhos de funk dentro de batida de tecnbrega e aí, pronto, o negócio foi pegando e começaram a chamar de rock doido – diz ele, explicando que o nome “rock” veio de um subterfúgio das equipes de som, que ficaram com a pecha de fazer “música de malandro”, para driblar a polícia. – Com a proibição da sua música nas aparelhagens, as equipes começaram a fazer festas em lugares fechados, que chamaram de rock das equipes. As aparelhagens viram que estavam perdendo público e voltaram a tocar a música das equipes nas festas. Só que o nome “rock” permaneceu.

Texto de: Silvio Essinger (AG)