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Daniel Munduruku quer vaga na Academia Brasileira de Letras

Com 64 livros publicados e um Prêmio Jabuti na estante, o paraense Daniel Munduruku quer ser o primeiro indígena na ABL FOTO: ACERVO PESSOAL
Com 64 livros publicados e um Prêmio Jabuti na estante, o paraense Daniel Munduruku quer ser o primeiro indígena na ABL FOTO: ACERVO PESSOAL

TEXTO: WAL SARGES

O escritor e filósofo paraense Daniel Munduruku está concorrendo a uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL). Ele concorre à Cadeira Nº 5, vaga após o falecimento do cientista político e historiador José Murilo de Carvalho. Caso seja eleito, ele será o primeiro indígena na história da ABL, mas concorre com outro indígena, o ativista, ambientalista, filósofo, poeta e escritor Ailton Krenak.

Ainda disputam a vaga a historiadora e escritora Mary Del Priore, a a escritora, poeta e jornalista Raquel Naveira, o poeta e escritor cearense Antonio Helio da Silva, o escritor paulista J. M. Monteirás, a professora paulista Chirles Oliveira, o escritor e artista plástico carioca José Cesar Castro Alves Ferreira, o poeta goiano Gabriel Nascente, o ex-senador Ney Suassuna e o escritor e ensaísta carioca Denilson Marques da Silva, José Ricardo Rodrigues dos Santos, Martinho Ramalho de Melo, Luiz Coronel e Maria Madalena Eleutério de Barros Lima.

Daniel atualmente reside no interior de São Paulo. Além de escritor, voltado especialmente ao público infantojuvenil, é formado em filosofia, psicologia e história. Tem mestrado e doutorado em educação pela Universidade de São Paulo, e pós-doutorado em Linguística pela Universidade Federal de São Carlos. Este ano, estreou como ator na TV, como o pajé Jurecê Guató de “Terra e Paixão” (TV Globo).

Em sua trajetória literária, o indígena já publicou 64 obras e comercializou cerca de 6 milhões de livros no Brasil. Aos 59 anos, ele quer ser uma das vozes que o país tanto anseia e marcar representatividade na ABL.

Entre suas obras, são destaque “Histórias de Índio” (Companhia das Letras) com cerca de 300 mil livros vendidos em 25 edições, e “Coisas de Índio” (Callis), que conquistou o Prêmio Jabuti, além da obra internacionalmente premiada “Meu Avô Apolinário” (Studio Nobel). Este mês, durante a Bienal do Livro no Rio de Janeiro, lançou outros dois livros, “Árvore Teia”, uma fábula sobre o envelhecimento, e “Redondeza”, destinado a crianças de até seis anos.

Em entrevista ao Você, Daniel Munduruku diz que sente alegria ao pensar na possibilidade de conquistar uma cadeira na ABL, mas que seu maior desejo é o de amplificar as vozes de seu povo para aquele espaço.

Ele já se candidatou à ABL em 2021, concorrendo à Cadeira Nº 12, que foi do crítico literário Alfredo Bosi, mas foi preterido em lugar do médico e escritor Paulo Niemeyer Soares Filho.

“A Academia não é, para mim, um lugar de vaidade. Claro que existe uma alegria pessoal pela conquista, mas existe, sobretudo, um desejo de trazer as vozes do meu povo, as vozes dos povos indígenas para engrossar o coro na sociedade brasileira, o coro da competência, da qualificação, do respeito ao outro e à diversidade. No final das contas, a gente representa o povo brasileiro dentro da instituição Academia Brasileira de Letras”, afirma.

Sem citar Ailton Krenak, ele reitera que ter um indígena, o primeiro, dentro da ABL é importante, mas que se precisa partir para uma reflexão mais ampliada acerca do tema. “Ainda falta uma presença indígena que seja importante e tenha um trabalho reconhecido para mostrar que a sociedade brasileira tem essa diversidade. A sociedade brasileira possui uma pluralidade de vozes e nenhuma dessas vozes pode ficar de fora. Cabe à Academia ter um representante indígena, uma vez que existem centenas de autores indígenas produzindo e que têm uma importância ímpar, inclusive para pensar o Brasil”, defende.

Daniel Munduruku quer levar proposta de educação e formação de leitores para trabalho como Imortal FOTO: ACERVO PESSOAL

Escritor defende mais diversidade na Academia

A nova eleição será dia 5 de outubro, e Daniel Munduruku diz estar confiante na vitória. “Estou com muita esperança de vencer essa campanha, mas sabendo que tem outros concorrentes que são fortes e que estão atuando no sentido de convencer os acadêmicos a votarem. Tem sido uma campanha que me dá uma alegria muito grande de saber que o meu trabalho também é reconhecido por essas pessoas que são pontos de referência na sociedade brasileira”, conta.

Daniel acredita que a ABL deve seguir um critério de mérito e competência para a escolha. “Em se tratando de uma instituição que avalia a produção literária, tinha que levar em consideração exatamente o que esses autores produzem e como eles interferem, de certa forma, na sociedade brasileira. Sou um brasileiro nascido indígena e que tem uma produção literária riquíssima, modéstia à parte. Claro que tem reconhecimento pela própria Academia que me outorgou há alguns anos, além de outras premiações”.

Apesar de defender representatividade, o escritor diz que o importante é o trabalho. “Imagino que a Academia não deva se deixar levar por um discurso de cota, mas que possa avaliar a qualidade do trabalho literário que o candidato tenha para fazer a sua escolha. Não quis provocar um debate a respeito disso, só quis lembrar que há um discurso feito nas sociedades que tem pautado essa necessidade de ter negros, indígenas, LGBTQIA+, em todos os espaços”.

Daniel Munduruku questiona, no entanto, a ideia de alguns e que as escolhas de pessoas que representem esses grupos sejam feitas “como se fosse uma caridade” das instituições. “Não se trata disso. Se for desse jeito, prefiro, de fato, não ser escolhido”, reforça.

O candidato à ABL diz que é favorável ao sistema de cotas nas instituições onde a disputa é muito desigual. Mas que o caso da Academia, um grupo de apenas 40 pessoas, não é esse. “A política de cotas não é um favor em nenhuma situação, é uma política de reparação. Isso é importante que se faça no âmbito da sociedade como um todo”, analisa.

“A minha proposta de entrada é trazer a diversidade para a ABL. Represento 305 povos e mais de 200 línguas indígenas, portanto, já trago dentro de mim essa representatividade. Segundo, lido com a formação de professores, então levo um olhar de educador e posso ajudar a fazer um trabalho de educação a partir da literatura que faço. E lido com o público infanto-juvenil, acredito que eu poderia ajudar muito a desenvolver atividades voltadas para formação de leitores nessa faixa etária”, descreve.