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Cultura: Marcelo Médici traz a Belém peça que estreou há 20 anos

Marcelo Médici chega com peça “Cada Um Com Seus Pobrema”, em Belém.  Foto: Divulgação
Marcelo Médici chega com peça “Cada Um Com Seus Pobrema”, em Belém. Foto: Divulgação

Anahi Martinho

FOLHAPRESS / SÃO PAULO, SP

E m 2004, quando estreou a peça “Cada Um Com Seus Pobrema”, Marcelo Médici consultou um grupo de amigas para saber se havia alguma piada ofensiva às mulheres. Uma delas sentiu incômodo com um trecho, que ele diz ter tirado do espetáculo.

Vinte anos depois, a peça volta em cartaz, com modificações mínimas, segundo ele. Marcelo interpreta os oito personagens originais, entre eles um mico-leão-dourado gay ameaçado de extinção que é alçado ao posto de estrela ao estampar a nota de R$ 20.

Sempre que vai remontar a peça, Marcelo avalia se a base do texto ainda faz sentido. Depois, faz as modificações necessárias. Nunca precisou limar totalmente um personagem ou reescrever trechos longos. “As mudanças são sempre muito sutis”, diz ele, que apenas adapta uma ou outra piada que tende a ficar datada.

A preocupação com temas sensíveis e minorias sociais sempre esteve no texto, muito antes do cancelamento virar moda, conta ele. “Não tenho medo de ser cancelado. Todo mundo vai ser cancelado um dia. Minha preocupação é maior: é o compromisso que eu tenho comigo, com meu espetáculo, de estar do lado certo da força”, disse ao jornal “Folha de S.Paulo”.

Para ele, a discussão sobre os limites do humor vai além de obedecer a um conjunto de regras. É sobre ter sensibilidade e humanidade. “Tem sempre aquele discurso de ‘esse tipo de coisa não dá mais’. Para mim, nunca deu.”

Marcelo recorda que, ainda nos anos 2000, quando integrava o elenco de “A Praça É Nossa” (SBT), pediu a Carlos Alberto de Nóbrega que tirasse uma fala de seu personagem que considerou incômoda. O diretor atendeu ao pedido.

“O humor tem que refletir o tempo atual. Se você assiste a um programa dos anos 1970, 1980, você vai ver uma série de coisas que hoje em dia chocariam. Novas pessoas que nasceram não aceitam esse tipo de abordagem”, avalia.

“Nos anos 1980, as mulheres eram representadas em situações constrangedoras, sempre aquele estereótipo da gostosa ou da feia. Mas aquilo era tão embutido que talvez elas mesmas rissem”, continua. “Mas temos que transformar esse pensamento. Humor é época, e a gente vai evoluindo.”

GUILHOTINA

O primeiro bobo da corte foi guilhotinado porque fez uma piada com o rei, conta Marcelo. “Foi o primeiro cancelamento”, brinca ele, que apesar de se considerar um defensor do politicamente correto, vê com receio os rumos atuais que o humor vem tomando em um país culturalmente polarizado.

“O comediante vive de provocar, então automaticamente vai estar sempre na reta. Para mim, o limite do humor é esse: não cometer nenhum crime. Se não tiver crime de ódio, de racismo, de homofobia, de incitação à violência, eu acho que o limite está aí”, diz. Ainda assim, pondera ele, é impraticável abarcar as dores de todo mundo.

“Mesmo sem ofender nenhuma minoria, posso fazer uma piada sobre um dia que tomei chuva, cheguei atrasado, perdi um compromisso profissional, e alguém na plateia se sentir mal porque passou pela mesma situação e não conseguiu rir daquilo, para ele foi traumático”, exemplifica.

“Não existe limite para o drama, por exemplo. O drama explora escravidão, guerras, tragédias, Holocausto, histórias que precisam ser contadas, mas com respeito”, diz. “Só que o humor não tem nada a ver com respeito. Vai ter ironia, acidez e a crítica vai ser feita de outra forma”, diz. “Por isso tem assunto que não dá para tocar.”