Conhecer os clássicos da literatura brasileira pode ser estratégico para quem está se preparando para a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Apesar do exame não exigir uma lista específica de livros, as obras clássicas podem garantir um bom repertório para a prova, sobretudo as que dialogam com temas sociais, culturais e históricos.
Mais do que garantir um bom repertório para a prova de redação, que costuma ter um peso muito relevante na nota final do Enem, os textos literários também costumam aparecer nos enunciados das questões, demandando análise de trechos específicos, contextualizados com os conteúdos abordados ao longo do ensino médio.
O professor de Língua Portuguesa da Escola Internacional de Alphaville, Thiago Silverio Barbosa, lembra que as referências a obras literárias podem surgir não apenas nas provas de Linguagens e Redação. “O Enem cobra muito além de nomes e datas. A literatura aparece na prova de maneira interdisciplinar e exige que o estudante reconheça escolas literárias, estilos de linguagem, temas e valores sociais presentes nas obras”.
Neste sentido, as questões que usam trechos de obras literárias como referência costumam abordar textos que possibilitem relacionar língua e literatura, arte e literatura, literatura e humanidades, entre outras relações. “Consequentemente, o ENEM não se mostra tão inclinado, como outros vestibulares, a avaliar a literatura strictu sensu e, por isso, não encontramos apenas textos literários tradicionais e autores do cânone, mas textos críticos, letras de canções, poemas contemporâneos, quadrinhos, ou qualquer manifestação em que se verifique fruição estética”, explica a professora de literatura da Escola Bilíngue Aubrick, Janaína Arruda.
Com pouco mais de quatro meses para a prova do Enem deste ano – agendada para os dias 9 e 16 de novembro na maior parte do Brasil, e para os dias 30 de novembro e 7 de dezembro em Belém, Ananindeua e Marituba – os educadores alertam que ainda dá tempo de estudar as principais obras literárias cobradas no exame. Mas, para isso, é preciso ser estratégico. “Seria ideal ler todos os livros, mas se não for possível, o indicado é compreender o contexto histórico, os personagens centrais, os conflitos e os temas principais”, orienta a coordenadora pedagógica do Brazilian International School – BIS, de São Paulo, Ana Claudia Gomes, que também destaca a possibilidade de fazer uso de recursos como vídeos, resumos críticos, podcasts e filmes pode otimizar a preparação.
O diretor do colégio Progresso Bilíngue de Itu, Osmar Savioli Jr, lembra, ainda, que a literatura exige habilidades que são avaliadas em toda a prova: interpretação de texto, análise crítica, empatia, visão de mundo e capacidade de argumentar com profundidade. “Além disso, ler e conhecer tais obras ajuda o aluno a escrever melhor, interpretar textos com mais atenção e entender contextos históricos e sociais, competências valiosas tanto na redação quanto nas outras disciplinas da prova”, finaliza.
Livros e Autores que Mais Caem no Enem
Educadores das instituições ligadas ao International Schools Partnership elencaram títulos que já foram citados em provas anteriores do Enem e que podem cair na edição deste ano. Muitos dos livros já estão em domínio público ou foram adaptados em forma de filmes e séries, o que ajuda a ter acesso e entender melhor as obras. Confira!
Lista de Livros Essenciais para o Enem
1. A Hora da Estrela – Clarice Lispector
É um romance sobre o desamparo, lançado em 1977. A protagonista, a nordestina Macabéa, é uma mulher miserável, que mal tem consciência de existir. Depois de perder seu único elo com o mundo, uma velha tia, ela viaja para o Rio, onde aluga um quarto, se emprega como datilógrafa e gasta suas horas ouvindo a Rádio Relógio. Apaixona-se, então, por Olímpico de Jesus, um metalúrgico nordestino, que logo a trai com uma colega de trabalho. Desesperada, Macabéa consulta uma cartomante, que lhe prevê um futuro luminoso, bem diferente do que a espera. O livro trata de um tema tradicional da literatura brasileira: o contato do imigrante nordestino com a cidade grande.
2. Capitães da Areia – Jorge Amado
É uma obra sobre a infância abandonada. Conta a história crua e comovente de meninos pobres e infratores que moram num trapiche abandonado em Salvador, vivendo à margem das convenções sociais. O livro torna o leitor íntimo dos personagens, cada um com suas carências e suas ambições: do líder Pedro Bala ao religioso Pirulito, do ressentido e cruel Sem-Pernas ao aprendiz de cafetão Gato, do sensato Professor ao rústico sertanejo Volta Seca. Com a força envolvente da sua prosa, o ator nos aproxima desses garotos e nos contagia com seu intenso desejo de liberdade. Desde o lançamento, em 1937, Capitães da Areia causou escândalo: inúmeros exemplares do livro foram queimados em praça pública, por determinação do Estado Novo – mas ao longo de quase nove décadas a narrativa não perdeu viço nem atualidade.
3. Claro Enigma – Carlos Drummond de Andrade
Publicado em 1951, o livro representa um momento especial na obra de Drummond. Com uma dicção mais clássica, o poeta revisita formas que haviam sido abandonadas pelo Modernismo (como o soneto, modalidade que fora motivo de chacota entre as novas gerações literárias), afirma seu amor pela poesia de Dante e Camões e busca uma forma mais difícil, mas sem jamais abandonar o lirismo e a agudeza de sua melhor poesia. O autor parece querer buscar, por meio da retomada de formas clássicas, um equilíbrio entre o passado e o presente. O amor, a morte e a memória são alguns dos temas elaborados por um homem que sempre quis fazer parte do seu próprio tempo. A obra é marcada pelo fim da Segunda Guerra Mundial e o início da Guerra Fria, em que o mundo estava marcado por incertezas sobre a nova “paz armada”.
4. Dom Casmurro – Machado de Assis
Publicado originalmente em 1899, o livro conta a história de Bentinho e Capitu, desde o namoro infantil até o casamento atormentado pelo ciúme e pela dúvida: Capitu traiu o marido com o melhor amigo dele, Escobar? Os fatos são narrados por Bentinho, que relembra, já velho, episódios de sua vida. É possivelmente o romance mais estudado, comentado e discutido da nossa literatura: ainda hoje, mais de um século depois do surgimento do livro, leitores e críticos se debruçam sobre suas páginas na tentativa de encontrar pistas que lancem luz sobre o insolúvel “enigma de Capitu”. O livro é ambientado no Rio de Janeiro do Segundo Reinado (1840-1889) e início da República (1899), refletindo um período de muitas transformações sociais e políticas no Brasil.
5. Iracema – José de Alencar
Neste romance, José de Alencar faz uma alegoria da fundação do Ceará, resultando em uma obra essencial do indianismo. A potiguara Iracema, a “virgem dos lábios de mel”, encontra nas florestas da orla cearense o português Martim. É o início de um conturbado amor proibido que revela, com lirismo e aventura, a contradição e o embate entre civilizações. A obra foi publicada pela primeira vem em 1865, mas a história de passa nos anos 1600, retratando a chegada dos portugueses ao Brasil. O livro trata, entre outras questões, de temas como o choque cultural entre indígenas e europeus e a relação do homem com a natureza.
6. Macunaíma – Mário de Andrade
Em Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, Mário de Andrade radicaliza o uso literário da linguagem oral e popular que já havia utilizado em seus livros anteriores e mistura folclore, lendas, mitos e manifestações religiosas de vários recantos do Brasil, como se fizessem parte de uma unidade nacional. Macunaíma, que ora é índio negro ora é branco, até hoje é considerado símbolo do brasileiro em vários sentidos: o do malandro esperto, amoral, que sempre consegue o que quer, e o do povo perdido diante de suas múltiplas identidades. Nas palavras do próprio autor, “Macunaíma vive por si, porém possui um caráter que é justamente o de não ter caráter”. Publicado em 1928, a obra surge no contexto da primeira geração do modernismo, que buscava uma identidade nacional, rompendo com os padrões artísticos europeus ao valorizar a cultura popular brasileira.
7. Memórias Póstumas de Brás Cubas – Machado de Assis
Na obra, o finado Brás Cubas decide contar sua história por uma ótica bastante inusitada: em vez de começar pelo seu nascimento, sua narrativa inicia-se pelo óbito. Enquanto rememora as experiências que viveu, o defunto-autor tece uma série de reflexões sobre a vida e sobre a sociedade da época, com serenidade e bom-humor. Num primeiro momento, a prosa fragmentária e livre, misturando elegância e abuso, refinamento e humor negro, causou estranheza, inclusive entre a crítica. Com o tempo, no entanto, o defunto autor que dedica sua obra ao verme que primeiro roeu as frias carnes de seu cadáver tornou-se um dos personagens mais populares da nossa literatura. Lançado em 1881, é considerado a transição do romantismo para o realismo. O livro retrata o período do Brasil Império, especialmente a elite burguesa do Rio de Janeiro, marcada por mudanças sociais e ascensão de novos valores.
8. O Cortiço – Aluísio Azevedo
Pobreza, corrupção, injustiça e traição são elementos que integram a principal obra do naturalismo brasileiro. Nela, o autor denuncia as mazelas sociais enfrentadas pelos moradores de um cortiço no Rio de Janeiro no século XIX. É um romance que convida a analisar por meio da observação crítica do cotidiano das personagens a animalização do ser humano, questão que se mostra, mais do que nunca, atual. Publicado em 1890, a obra de caracteres múltiplos aborda temáticas pouco comuns para a época – sexualidade, adultério, racismo e prostituição – retratando a visão pessimista do período.
9. Quarto de Despejo – Carolina Maria de Jesus
A primeira publicação data de 1960, e o livro surgiu do diário da autora, tornando-se um autêntico exemplo de literatura-verdade. Retrata o cotidiano triste e cruel de uma mulher e mãe solteira que sobrevive como catadora de papel e faz de tudo para espantar a fome e criar seus filhos na favela do Canindé – SP. Em meio a um ambiente de extrema pobreza e desigualdade de classe, de gênero e de raça, o leitor depara-se com o duro dia a dia de quem não tem amanhã, mas que ainda sim resiste diante da miséria, da violência e da fome. E percebe com tristeza que, mesmo tendo sido escrito na década de 1950, o livro jamais perdeu sua atualidade. A obra retrata uma época de grande industrialização e desenvolvimento do Brasil, em contraste com a miséria e exclusão social que grande parte da população vivia.
10. Vidas Secas – Graciliano Ramos
Publicado pela primeira vez em 1938, retrata a vida miserável de uma família de retirantes sertanejos obrigada a se deslocar de tempos em tempos para áreas menos castigadas pela seca no sertão nordestino. O pai, Fabiano, caminha pela paisagem árida da com a sua mulher, Sinha Vitória, e os dois filhos, que não têm nome, sendo chamados apenas de “filho mais velho” e “filho mais novo”. São também acompanhados pela cachorrinha da família, Baleia, cujo nome é irônico, pois a falta de comida a fez muito magra. O livro pertence à segunda fase modernista da literatura brasileira, conhecida como “regionalista” ou “romance de 30”. Denúncia fortemente as mazelas do povo brasileiro, principalmente a