ANDRÉ BARCINSKI
PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – Quem lembra a icônica cena da comédia “Quanto Mais Idiota Melhor” em que os metaleiros interpretados por Mike Myers e Dana Carvey entram numa loja de guitarras para testar instrumentos e dão de cara com uma placa que diz “proibido tocar ‘Stairway to Heaven'”?
A piada brinca com a onipresença dessa canção no léxico de dez entre dez guitarristas de rock. Nesta terça-feira (9), Jimmy Page, o homem responsável por essa e tantas outras músicas que marcaram o gênero “Black Dog”, “Rock and Roll”, “Whole Lotta Love”, “Immigrant Song”, “Dazed and Confused”, faz 80 anos.
Quando se faz qualquer lista de maiores guitarristas de todos os tempos, Page está sempre lá. Em 2015, a revista Rolling Stone publicou uma lista dos melhores – Page ficou em terceiro, atrás de Jimi Hendrix e Eric Clapton. Oito anos depois, a mesma publicação o manteve em terceiro, atrás de Chuck Berry e Hendrix.
Se listas existem para gerar polêmicas, um fato é incontestável: James Patrick Page é um dos guitarristas mais influentes da história do rock. Criador de riffs poderosos de guitarra, é o primeiro herói e modelo de quase todos os jovens que começam a aprender guitarra, junto a Keith Richards, dos Rolling Stones, e Tony Iommi, do Black Sabbath, só para citar dois músicos que ajudaram a criar o bê-a-bá do rock’nroll.
Page ficou superfamoso pelo trabalho com o Led Zeppelin, banda que inventou, inclusive escolhendo todos os outros três companheiros, Robert Plant (vocais), John Paul Jones (baixo) e John Bonham (bateria).
Mas o Zep só durou pouco mais de uma década, de 1968 a 1980, quando teve a trajetória interrompida com a morte de Bonham. E Page já era um nome muito conhecido na cena musical inglesa antes mesmo de criar o grupo.
Page sempre foi autodidata e precoce. Teve o primeiro encontro com o violão aos 12 anos, quando achou um instrumento surrado deixado por um antigo morador de uma casa para onde a família se mudou. Um ano depois, já estava na televisão inglesa, tocando “Mama Don’t Want To Skiffle Anymore” e “Cottonfields” no programa All Your Own. Aos 15 anos, já trabalhava como músico de estúdio.
Em 1965, Eric Clapton deixou o grupo Yardbirds, que convidou então Page para substituí-lo. Page recusou, em solidariedade ao amigo. Page tinha 21 anos e já era um dos músicos de estúdio mais famosos da Inglaterra – ele acabou tocando com os Yardbirds pouco depois, com a saída de Paul Samwell-Smith.
Na verdade, Page tinha se aposentado do palco aos 19 anos, após penar em várias bandas. Decidiu que seria só músico de estúdio. Era tão bom que produtores o chamavam para gravar partes que os guitarristas não conseguiam ou para sugerir melhorias às canções.
No livro “Luz e Sombra: Conversas com Jimmy Page”, o autor Brad Tolinski faz uma estimativa inacreditável: Page teria tocado, como músico de estúdio e muitas vezes sem crédito nos discos, em cerca de 60% dos compactos de rock gravados na Grã-Bretanha no início dos anos 1960.
A lista de hits que contam com a guitarra ou violão de Page é impressionante: “I’m a Lover Not a Fighter” (The Kinks), “I Cant Explain” (The Who), “Heart of Stone” (Rolling Stones), “Baby Please Don’t Go” (Them), “Goldfinger” (Shirley Bassey), “Downtown” (Petula Clark), entre milhares de outras.
A presença, ou não, de Jimmy Page em outros clássicos do pop inglês é motivo de discussões. O tecladista Jon Lord, que depois ficaria famoso no Deep Purple e tocou teclados em “You Really Got Me”, imenso hit dos Kinks, dizia que Page havia gravado o famoso solo de guitarra, mas os irmãos Ray e Dave Davies sempre negaram. Para irritar Page, Ray disse que ele havia tocado pandeiro na gravação. Page não quis botar lenha na fogueira e disse que não lembrava o que tinha gravado em “You Really Got Me”, “mas certamente não toquei pandeiro!”
Ele sempre teve uma autoconfiança tão grande que beirava a petulância. Em janeiro de 1963, tocou guitarra na faixa instrumental “Diamonds”, lançada por Jet Harris e Tony Meehan. A música foi um enorme sucesso, ficando no topo da parada inglesa de compactos por três semanas.
Harris era um guitarrista muito famoso, membro da banda The Shadows. Mas quando um repórter entrevistou Page, então com 19 anos, para um programa de TV sobre músicos de estúdio e o perguntou como era tocar com ídolos do gênero, ele respondeu: “Decepcionante. Quando você trabalha com eles, descobre que não são aquilo que você esperava”.
Quando cansou do trabalho em estúdio, Page achou que já estava na hora de pôr em prática seu plano de dominação mundial do rock e criou, como o Dr. Frankenstein, um monstro chamado Led Zeppelin.
Em “Luz e Sombra”, ele diz a Tolinski que criou o Zep parte a parte, escolhendo os músicos e inventando não só o som do grupo, mas seu visual, a postura no palco e a grandiosidade dos shows. Controlava tudo. Tanto que pagou, do próprio bolso, a gravação do primeiro disco, que vendeu para a gravadora Atlantic. “Eu não queria que a gravadora tivesse nenhuma interferência no disco, por isso fiz tudo sozinho”, afirma.
Música à parte, o Led Zeppelin inventou os clichês da banda porra-louca que vivia num dia a dia de orgias, drogas e “groupies”. As histórias lendárias de turnês incluíam hotéis destruídos, pedaços de peixes usados como objetos sexuais e a conhecida ligação de Page com magia negra – ele era seguidor do ocultista inglês Aleister Crowley e chegou a comprar uma mansão que pertenceu a Crowley, próxima ao Lago Ness, na Escócia.
A exemplo de Keith Richards, outro maluco que ninguém achava que chegaria aos 30, Jimmy Page hoje é um octogenário.