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Campina Viva: Documentário celebra a memória e a resistência do bairro

Documentário realizado pela Associação Circular evoca memória do bairro pelos relatos de moradores.

Lembranças de um bairro vivo: ‘Histórias da Campina’ resgata memórias do cotidiano de Belém
Lembranças de um bairro vivo: ‘Histórias da Campina’ resgata memórias do cotidiano de Belém

Histórias de quem vive, trabalha e constrói o bairro da Campina todos os dias são o mote do curta-metragem “Histórias da Campina”, realizado pela Associação Circular, que será lançado hoje, 11 de julho, com exibição gratuita, ao ar livre, a partir das 19h, em frente ao Cinema Olympia, um dos símbolos da cidade, que segue em processo de restauração e se transformará, por uma noite, em cenário vivo do filme.

Dirigido por Larissa Ribeiro, que também assina o roteiro com Adelaide Oliveira e Luciana Medeiros, o filme costura histórias dediferentes personagens do bairro. “Entramos em portas que talvez as pessoas ainda não tenham entrado, não tenham conhecido e o filme é sobre isso, sobre lugares que estão perto de nós, que talvez a gente não conheça o que tem ali dentro. ‘Histórias da Campina’, revela as histórias por trás dessas portinhas, portonas e esquinas no bairro. Espero que as pessoas se emocionem e se divirtam igual como nos emocionamos e nos divertimos fazendo”, falou Larissa Ribeiro, que traz em sua trajetória trabalhos como o filme “Outubro, Segundo Domingo”, sobre o Círio de Nazaré, e o telefilme “Pés de Peixe”, exibido na TV Globo e disponível no Globoplay.

CONVITE

O curta nasceu de um convite da Associação Circular para a diretora e foi a possibilidade da mesma voltar ao bairro em que ela circulou durante a sua infância. “Fiquei bastante honrada com o convite, é um bairro também que faz parte da minha história de vida. Na infância, costumava andar muito por ali, porque meu pai trabalhava pela região da Campina e Comércio. Então, na verdade, foi muito bonito poder voltar, olhar para esse bairro e a galera do Circular está por ali sempre fazendo atividades”, disse Larissa.

O documentário “Histórias da Campina” é um gesto de escuta e valorização de um bairro cuja alma resiste ao abandono e à descaracterização.

Segundo Larissa Ribeiro, antes de partir para a filmagem, foi feita uma pesquisa muito importante pelas jornalistas Adelaide Oliveira e Luciana Medeiros para construir o roteiro. Elas trouxeram histórias preciosas para o filme.

“Tínhamos alguma ideia de pessoas com que poderíamos conversar, de histórias que poderiam entrar, e no final chegamos em quatro personagens, mas tem mais pessoas, porque tem casais, tem mãe e filha… mas são quatro espaços muito preciosos, de pessoas que têm histórias muito diferentes entre si, mas que escolheram o bairro para ficar, trabalhar”, contou Larissa, que acredita que quem for assistir ao lançamento vai se encantar com as histórias.

“As pessoas que forem lá ver o filme vão ficar tão encantadas com essas histórias tanto quanto ficamos. Eles foram muito generosos também, esses personagens, em nos contar e nos ceder o seu tempo. Enfim, tem tudo para ser um filme muito bonito para quem vive o bairro, para quem conhece o bairro, mas também para quem vai conhecer pela primeira vez”, destacou Larissa.

HISTÓRIAS

Memórias e Identidade na Campina

Entre as personagens, está Paula Petruccelli, que compartilha a história de sua família, de origem italiana, e a vivência no imóvel onde hoje funciona a Tapi-óka, cafeteria afetiva no coração do bairro.

“Receber o convite para participar desse documentário foi muito importante, foi uma sensação muito boa, porque aqui na minha rua, na Frei Gil, é uma rua que antigamente era só uma grandiosíssima italianada e algumas famílias judaicas. Acho que duas famílias judaicas. E tem histórias que não vejo em nenhum livro, coisas que aconteceram que não encontro nos livros de história, no que a gente aprende sobre história daqui de Belém, ou que aconteceu na nossa cidade ou no nosso país. Então, foi muito importante poder contar isso”, falou ela, destacando em seguida, que é importante poder contar a opressão que os imigrantes italianos sofreram durante a Primeira Guerra e especialmente durante a Segunda Guerra Mundial.

“Poder contar as histórias dos meus bisavôs, dos meus avós, dar voz para eles e mostrar ‘olha, não é como mostram’. Não foi só mil maravilhas, recebemos italianos de braços abertos, não foi isso. Então, é dar valor para esse povo que veio aqui e lutou para sobreviver”, acrescentou ela.

Nas lembranças passadas de geração a geração na família de Paula, ao mesmo tempo que eram pessoas que lutavam para sobreviver, era um povo que também amava muito. Amava a vida, comer, viver junto.

“A minha rua era uma comunidade. Tinha as tias Tancredi, os Paracampo, a Tia Babita, a Vó Letícia, era uma galerona, que se reunia em todos os aniversários, em todos os eventos, dentro da casa de alguém, de portas fechadas”, conta.

“Aqui fazíamos a nossa festa, se dançava tarantela [tocando] na vitrola do meu avô, comia. Cada um trazia alguma coisa e tinha aquela mesa posta imensa, cheia de comida e uns 50 italianos reunidos dentro de uma sala para dançar, se divertir, mas sempre muito discretos, porque eles eram italianos dentro de casa. Do lado de fora, era tudo muito discreto. Então, é importante mostrar o que aconteceu, uma história que foi apagada”, completa Paula Petruccelli.

Mesmo que não fossem família de sangue, tinham um amor de família, todos eram tratados como tios, avós – ou melhor, “nonos” -, primos. Isso porque, como destaca Paula no documentário, um ajudava o outro a sobreviver e se adaptar a Belém, à nova cultura, e a não deixar a própria cultura morrer dentro de si.

“Era uma força invejável, incrível e só consegui descobrir muita coisa depois do falecimento dos meus avós, porque meu avô não queria me contar. Perguntava muito e ele não queria contar, pelos traumas que teve daquela época, da perseguição e todo o resto. Então, acho que é uma história que deve ser contada. Essas pessoas devem ser vistas, elas viveram, sobreviveram, amaram aqui na Frei Gil de Vila Nova, no bairro da Campina. Ajudaram a montar esse bairro, a levantar o comércio. Para mim é isso, é mostrar essa luta, essa fome de viver que eles tinham. É uma história muito bonita, apesar de sofrida. E para mim essa é a importância de participar desse documentário”, diz.

RESISTÊNCIA

Personagens e Suas Histórias

Com o documentário, o público também vai poder conhecer as histórias de seu Manuel Santos, da terceira geração da família que fundou a perfumaria Orion; da premiada fotógrafa Paula Sampaio; e de Paulo Garcia, que é mais uma geração a dar sustentabilidade a um dos bares mais tradicionais do bairro, o Bar do Santiago, que já tem mais de 100 anos de resistência. Antes de ser bar, porém, era a Taberna Santiago.

MEMÓRIA

O Projeto Circular e a Memória da Cidade

O curta foi realizado como projeto selecionado pelo Edital Cinema de Rua – Art. 8º – Lei Paulo Gustavo. Sua realização integra as ações da Associação Circular, responsável pelo Projeto Circular Campina Cidade Velha, que há mais de uma década promove ocupações culturais e ações de educação patrimonial no centro histórico de Belém.

Desde sua criação, o Projeto Circular se preocupa com o registro da memória dos bairros que integram o centro histórico, tanto que já lançou, em 2018, o filme “Experiência Circular”, dirigido por Mário Costa, mostrando, de um lado, o abandono dos bairros, e do outro, a alegria e a descoberta do centro histórico pelas pessoas nos domingos de edição do projeto.

Já em 2020 foi a vez de “Ser Circular é Tocar o Coração da Cidade”, dirigido por Felipe Cortez, sobre a relação do projeto com a Cidade Velha.