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Astros do trap dão as cartas no primeiro dia do Rock in Rio

Nascido Jaques Bermon Webster II, no ano de 1991, em Houston, no Texas, Scott é daquelas gigantescas figuras midiáticas
Nascido Jaques Bermon Webster II, no ano de 1991, em Houston, no Texas, Scott é daquelas gigantescas figuras midiáticas

Na comemoração dos 40 anos de um Rock in Rio cuja primeira edição, em janeiro de 1985, trouxe alguns dos maiores nomes do rock no mundo (Queen, AC/DC, Rod Stewart, Ozzy Osbourne, Yes) e no Brasil (Blitz, Barão Vermelho), o festival continua buscando realizar os sonhos de um público jovem, sedento por fortes emoções.

Mas, nesta sexta-feira, o que dá as cartas é outro estilo musical americano: o trap, variação sulista do velho hip-hop nova-iorquino, mais lenta, pesada e sombria, e com uma atmosfera de perigo e violência bem mais ameaçadora e sedutora que a de Ozzy e seus morcegos. É a música do momento no streaming, que o americano Travis Scott, o inglês 21 Savage, o cearense Matuê e o carioca Cabelinho trazem às multidões esta sexta-feira, primeira noite do Rock in Rio 2024.

Nascido Jaques Bermon Webster II, no ano de 1991, em Houston, no Texas, Scott é daquelas gigantescas figuras midiáticas, cujo impacto se dá para além da música. Artista que até 2023 tinha vendido mais de 49 milhões de discos só nos Estados Unidos e com duas faixas que ultrapassam os 2 bilhões de plays no Spotify (“Goosebumps” e “Sicko mode”), ele é consultor criativo de empresas como a Nike e o McDonald’s, nas quais lançou produtos com grande sucesso – em 2017, já era um dos 30 Under 30 (30 pessoas mais bem-sucedidas antes dos 30 anos de idade) da revista “Forbes”.

Mais do que um astro do trap (e do pop, no geral), Travis Scott é um formador de opinião (com 57,5 milhões de seguidores no Instagram) e alguém com uma visão muito clara e ambiciosa de como seu trabalho deve ser realizado – e dos meios para se chegar lá. Certo de que seu lugar era ao lado do ídolo Kanye West (de quem segue próximo até hoje, apesar dos episódios de antissemitismo que desgraçaram o astro), ele largou a universidade e foi para Los Angeles e não sossegou até que Kanye ouvisse sua música e o levasse, como produtor, para a sua G.O.O.D. Music.

Em 2015, Travis Scott lançou seu primeiro álbum solo, “Rodeo”, que alcançou a posição número 2 na parada de álbuns mais vendidos da Billboard e acabou ganhando disco de platina. Na época, sua ideia (que não vingou) era lançar o disco como pen drive, dentro de uma caixa luxuosa que traria ainda um boneco de ação de si mesmo. Trabalho de um artista cheio de imaginação, o disco já trazia como marca um trap que se funde com o rock e a música atmosférica, como sonoridades cinematográficas, com participações que vão de astros do rap como Kanye West e Quavo, do pop como Justin Bieber e The Weeknd, e mesmo do indie rock , como Toro y Moi e Kacy Hill.

A ascensão, a partir daí, foi irresistível: ainda em 2015, Scott produziu Rihanna no hit “Bitch better have my money”. No ano seguinte, com “Birds in the trap sing McKnight”, ele chegou ao topo das paradas. Em 2017, criou sua gravadora, a Cactus Jack Records (que lançaria astros como o rapper Don Toliver). Em 2018, lançou “Astroworld”, disco de caráter mais conceitual, com participações de Drake, Young Thug, Kid Cudi, M.I.A., Kodak Black e Offset, que bateu mais uma vez no primeiro lugar da parada de álbuns e gerou muitos singles número um, como “Sicko mode”.

A ideia do álbum, de mergulhar num universo de fantasia, de quase delírio, Travis Scott levou para o Fortnight, plataforma de games na qual em 2020, em plena pandemia, ele realizou um pioneiro show virtual, delirante, em que suas músicas foram interpretadas por um avatar gigantesco. Uma transposição do que eram, de fato, seus shows, com muitos efeitos visuais e cenários, e uma energia de show de heavy metal nos quais, sob seu comando, os fãs enlouquecem e abrem rodas para esbarrar uns nos outros.

O que ele não esperava é que, em 5 de novembro de 2021, um esmagamento da multidão durante a apresentação no seu terceiro festival anual Astroworld em Houston fosse resultar nas mortes de dez pessoas e em ferimentos em mais de 300. Surgiram imagens do rapper seguindo com a apresentação apesar dos apelos da multidão para que ele a interrompesse. No entanto, depois de muitas reviravoltas, em 29 de junho de 2023, um grande júri do Texas decidiu contra a acusação de Travis Scott.

Atração de peso do festival Primavera Sound de 2022, em São Paulo (na sua primeira passagem pelo Brasil), Travis entrou pelo ano seguinte com o seu quarto álbum de estúdio, “Utopia”, mais um álbum conceitual, com convidados como Bad Bunny e The Weeknd no single principal, “K-pop”, e Beyoncé e Bon Iver (ídolo do folk alternativo e viajante, velho colaborador de Beyoncé) em “Delresto (echoes)”.

Para promover esse disco, mais uma vez Travis Scott criou uma série de videoclipes imaginativos e ousados, e o show “Circus Maximus”, que traz agora ao Rock in Rio. No palco com um DJ, luzes, cenário e telões, o americano conta basicamente com seu magnetismo pessoal e a força de suas músicas para ganhar o público, num espetáculo que começa com “Hyaena”, vigoroso número do novo disco, construído, veja só, a partir de uma faixa do Gentle Giant, lenda do rock progressivo britânico dos anos 1970.

A história do rap no Rock in Rio (que começa na segunda edição com o lendário trio nova-iorquino Run DMC e tem destaque no palco Mundo, em 2019, com o canadense Drake e, em 2022, com americano Post Malone) segue este ano com 21 Savage: um inglês de 31 anos, criado em Atlanta (EUA), que começou no rap em uma ocasião trágica. No seu aniversário de 21 anos, o rapaz, cujo nome de batismo é Sheyaa Bin Abraham-Joseph, se viu no meio de um tiroteio com uma gangue rival, no qual foi atingido seis vezes e perdeu o seu melhor amigo, Johnny.

Parceiro de Post Malone em uma das suas músicas mais conhecidas (“Rockstar”, de 2018), 21 Savage chegou em 2024 pela primeira vez ao topo das paradas nos Estados Unidos com “American dream”, seu terceiro e mais autobiográfico álbum, que traz um aceno (provavelmente não intencional) ao Brasil: a faixa “Redrum” foi construída em cima de um sample da gravação da cantora paulista Elza Laranjeira (1925-1986) para a “Serenata do adeus”, de Vinicius de Moraes.

Estilo que chegou com força ao Brasil nos anos 2010, o trap, já na década seguinte, ao misturar-se com o funk e o rap das favelas, tinha se tornado uma das grandes forças comerciais da música nacional, no streaming e nos palcos. Atração do palco Mundo desta sexta, junto com Travis Scott, 21 Savage e Ludmilla, Matuê conseguiu esta semana um feito inédito: lançado na segunda-feira, seu segundo álbum, “333”, teve a melhor estreia da história do Spotify: suas 12 faixas entraram no Top 50 Brasil da plataforma (ontem, o primeiro lugar era de “Crack com Mussilon”, a faixa de abertura do álbum). O cearense recebe no palco Mundo os MCs Wiu e Teto, igualmente bem-sucedidos artistas da sua gravadora, 30Praum.

– Dessa vez, resolvi fazer música para mim, principalmente ali da metade do disco para a frente. Uma coisa que sempre deu certo é que, em cada lançamento da minha carreira, estava fazendo algo que era o contrário do som do momento, ou da estética do momento – conta ao GLOBO o artista, que no disco investiu num som mais rock e despojado, e não antecipou nenhuma música em singles.

– Na minha visão, o trap e o rap hoje carregam um pouco da energia do rock, das bandas punk dos anos 2000. É muito bate-cabeça, é a energia explosiva de show. Acho irônico nesse dia do trap a gente tocar um rock psicodélico, as coisas são cíclicas. Da mesma forma que o rock acabou indo um pouco para o trap, agora o trap está extravasando um pouco para o rock.

Dono de um show inteiro no Dia Brasil (sábado da próxima semana) no Rock in Rio, o trap nacional ainda colhe os louros esta sexta no palco Sunset com MC Cabelinho & Coral das Favelas, os encontros de Orochi, Oruam e Chefin e de Veigh e KayBlack. No palco Favela, por sua vez, estará Slipmami, uma das fortes representantes femininas do estilo, que lança hoje, de surpresa, o seu segundo álbum, “Até aqui, Slip nos ajudou”.

– (As mulheres) ainda têm muita coisa para conseguir nesse meio do trap, que é muito panelinha de homem, muito fechadinho. Tem contratantes que escalam algumas mulheres como cota, nunca é uma coisa natural. Mas eu tenho esperança assim de que ainda vai dar bom, porque aqui no Brasil tem muita mina que consome trap – diz Slipmami.

*Shows desta sexta-feira

Palco Mundo

16h40 Matuê com Wiu e Teto

19h Ludmilla

21h25 21 Savage

0h Travis Scott

Palco Sunset

15h30 Funk Orquestra convida MC Daniel, Rebecca e MC Soffia

17h50 Veigh & Kayblack

20h10 Orochi, Oruam e Chefin

22h45 MC Cabelinho & Coral das Favelas

Palco New Dance Order

22h Cat Dealers

23h30 Chemical Surf

1h Fatsync x Malifoo

2h30 Deadmau5

Palco Espaço Favela

16h Slipmami

19h Kevin o Chris

21h TZ da Coronel e Borges

Palco Global Village

15h30 Victor Xamã

17h30 Katú Mirim

19h15 Hungria

Palco Supernova

15h Mc Maneirinho

17h The Box

18h30 Mizzy Miles

20h30 Major RD

Highway Stage

14h The Lokomotiv

15h Canto Cego

17h Black Jack

18h20 The Lokomotiv

19h20 Canto Cego

Texto de: Silvio Essinger (AG)