EXPOSIÇÃO

Artistas paraenses têm obras incorporadas ao acervo permanente do Masp

As artistas paraenses Rapha Moreira e Rafa Bqueer celebram entrada no acervo do museu paulista

Artistas paraenses têm obras incorporadas ao acervo permanente do Masp Artistas paraenses têm obras incorporadas ao acervo permanente do Masp Artistas paraenses têm obras incorporadas ao acervo permanente do Masp Artistas paraenses têm obras incorporadas ao acervo permanente do Masp
Artistas destacam a valorização de trajetórias artísticas amazônidas a partir da chegada em locais como o Masp. FOTO: reprodução
Artistas destacam a valorização de trajetórias artísticas amazônidas a partir da chegada em locais como o Masp. FOTO: reprodução

Obras das artistas paraenses Rapha Moreira e Rafa Bqueer entraram para o acervo do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp) e passaram a fazer parte da exposição permanente do espaço.

A obra “Trava na Beleza – Safira”, de Rapha Moreira, entrou no acervo do Masp no final de 2022, a partir da participação na exposição “Histórias Brasileiras” que reuniu os principais artistas nacionais.

“Essa obra faz parte de uma pequena série chamada ‘Trava na Beleza’, onde pensa a beleza travesti na identidade, rosto, na nossa expressividade enquanto vida possível. Essa série pensa o corpo e a identidade trans para além das caricaturas que a cisgeneridade cria sobre nós, é uma visão humanizada de retratar travestis”, falou Rafaela Moreira, que assina seus trabalhos como Rafael Matheus Moreira por uma questão política e poética.

“No passado mulheres cis tiveram seus trabalhos desrespeitados pelo sistema da arte e como estratégia elas usavam nomes masculinos, de pais ou esposos, para adentrar esse sistema. Hoje ao usar esse nome questiono: será se corpos trans são respeitados pelo sistema da arte?”, pontua Rafaela Moreira, que é formada em Licenciatura em artes visuais pela Universidade Federal do Pará e mestra em artes pela UFPA também.

Para Rafaela Moreira, enquanto artista paraense é uma grande honra ser reconhecida por uma das principais instituições de Arte da América Latina. “Isso é a prova de que travestis conseguem ir muito além da prostituição e da marginalidade se tivermos oportunidades na vida. É também muito emocionante saber que minha obra vai ser lembrada e guardada neste acervo, pois assim posso ser a referência que não tive e que gostaria de ter tido”, declarou ela, que ganhou o Arte Pará em 2022 e em 2024, e que realizou em Belém a sua primeira individual: “Como pintar uma travesti”.

Para a artista, toda obra de arte fala sobre a vida de quem a cria, logo as dela não seriam diferentes. “As minhas obras estão fortemente ligadas com a vida travesti na Amazônia urbana de Belém. As minhas obras usam elementos que fundem o cânone da história da arte com a visualidade de Belém para sonhar, sonhar com um mundo onde vidas trans são celebradas, são homenageadas e são amadas”, disse ela.

Já Rafa Bqueer tem no acervo do Masp uma fotografia que estava na exposição coletiva “Histórias da LGBTQIA+”, do próprio Masp, que encerrou este ano, e dessa exposição foi direto para o acervo, doação de uma colecionadora.

“A obra é uma fotografia, onde estou vestida da minha drag, Uhura Bqueer, o figurino, maquiagem, reúne elementos zoomorfos, hibridismos entre corpo, natureza e monstruosidade. São temas recorrentes no meu trabalho nos últimos anos, trazendo elementos da natureza, da cultura amazônica, cultura drag, clubber, and ‘other crowd’ e também de perspectivas de ficção científica”, disse ela, que destacou que a fotografia traz elementos drags e hibridismos que estão completamente ligados à trajetória da artista no Coletivo das Themônias.

“Na minha presença como artista da Noite Suja, produtora paraense, e como nós artistas desse movimento conseguimos pegar os elementos regionais e amazônicos e introduzir na cultura drag e também nas artes visuais. Esse elemento da montação, que é também drag, são elementos que construímos no Coletivo das Themônias. Então, é uma vitória também para mim e também, sem dúvida, para esse movimento artístico de vanguarda tão importante de Belém do Pará, que é o Movimento das Themônias”.

Para Rafa Bqueer, é muito importante elas como artistas paraenses entrarem no acervo do museu paulistano, por serem artistas LGBTQIA+, pretas, da Amazônia, lutando por um reconhecimento histórico, ancestral, contra uma invisibilidade de suas narrativas.

“Poder entrar para esse acervo é uma validação para a história da arte brasileira. Poder entender que a nossa obra estará em importantes exposições, estará com uma importante visibilidade para que futuramente a nossa obra seja referência de estudos e pesquisas para estudantes e jovens artistas. Esse acervo representa para mim o reconhecimento de uma trajetória de um pouco mais de 10 anos e que tem também a ousadia de fazer e falar de arte a partir de um lugar dissidente, travesti, de um lugar que durante séculos foi negligenciado e visto com muito preconceito pela sociedade e por muitos museus do Brasil e do mundo”, destacou ela.

Segundo Bqueer, a aquisição da obra foi uma iniciativa do museu, junto à sua galeria, e ela acredita que é um movimento nacional de alguns museus estarem buscando artistas pretas, LGBTQIA+, para seus acervos, porque historicamente o museu é criado a partir de uma perspectiva muito europeia. “A produção contemporânea, com cada vez mais crescimento de artistas periféricas, pretas, tem tornado inevitável a aquisição de obras de artistas não-brancas, que vêm de um universo que durante muito tempo esteve à margem dos museus e que agora, por conta de muita luta, política, estamos conseguindo adentrar. Ter uma obra no acervo do museu é a validação de uma luta de muitos anos, de reconhecimento da produção afro-brasileira, ancestral travesti. E essas vivências, elas são tecnologias, são vivências culturais, que falam não só de mim, mas de uma série de grupos de pessoas que estão pelo Brasil todo”, destacou Rafa Bqueer.