Um episódio pouco conhecido da trajetória do cantor e compositor Cazuza ocorreu em Belém, no final da década de 1980, antes da célebre entrevista concedida à jornalista Marília Gabriela, na qual o artista revelou ao país que era portador do vírus HIV. Em um show realizado na capital paraense, o músico sofreu um ferimento e começou a sangrar em cena. Foi levado ao antigo Hospital Incor, onde demonstrou preocupação com a segurança dos profissionais de saúde que o atenderam.
Segundo relatos de médicos e enfermeiros que o atenderam na ocasião, Cazuza estava ciente da possibilidade de transmitir a doença e pediu que evitassem contato direto com seu sangue. O gesto de cuidado e responsabilidade emocionou os profissionais, que tomaram conhecimento de sua condição antes mesmo da revelação pública feita por ele posteriormente.
Na época, a AIDS ainda era cercada de forte estigma, desinformação e preconceito. Por isso, a postura do cantor, de proteger terceiros mesmo diante de uma situação emergencial, contrasta com o tratamento cruel que recebeu de parte da imprensa meses depois.
A Reportagem da Revista Veja
No dia 26 de abril de 1989, a revista Veja publicou uma reportagem com o título de capa: “Cazuza, vítima da AIDS, agoniza em praça pública”. O texto, considerado insensível por familiares e fãs, antecipava a morte do cantor — que só viria a ocorrer um ano e dois meses depois — e colocava em dúvida a relevância de sua obra. A reportagem também enfatizava o histórico de consumo de drogas e vida sexual ativa do artista, sem contextualizar adequadamente os desafios enfrentados por pessoas com HIV naquela época.
Lucinha Araújo, mãe do cantor, relatou no livro Cazuza – Só as Mães São Felizes que a leitura da reportagem causou forte abalo emocional em seu filho. “Ele leu a reportagem inteirinha. Quando acabou, seus olhos estavam cheios de lágrimas: ‘Eu só não perdoo eles terem posto em dúvida a qualidade de meu trabalho’, disse”, escreveu Lucinha Araújo.
Ainda segundo a mãe, Cazuza teve uma crise nervosa logo após a leitura, precisou ser internado e ficou com a pressão arterial quase zerada. O episódio reforça o impacto do estigma em torno da doença e a importância da responsabilidade da mídia no tratamento de temas sensíveis.
O Legado de Cazuza
Com apenas oito anos de carreira, Cazuza deixou um legado com 126 músicas gravadas, outras 34 registradas por colegas e mais de 60 composições inéditas à época de sua morte. Seu repertório e sua coragem em expor a realidade da AIDS contribuíram significativamente para a conscientização sobre a doença no Brasil. Ele morreu em 7 de julho de 1990.
Com informações de Oswaldo Coimbra