Texto: Wal Sarges
Há um século, o universo de sonho e fantasia contemplado pelas narrativas de filmes e animações produzidas pela Disney permeia o imaginário coletivo. São histórias que transitam entre as diferentes gerações, sempre alcançando novos públicos. Do clássico “Branca de Neve e os Sete Anões”, de 1938, até a mais recente produção, “Mundo Estranho”, de 2022, o estúdio de animação criado por Walt Disney – que no último dia 16 completou cem anos, abrindo uma agenda intensa de comemorações – sempre foi conhecido por seu pioneirismo na indústria de longas-metragens de animação, e pelas inovações, influenciado novos estúdios com conceitos e princípios agora comuns na animação.
Desde a infância, a advogada Daniele Ribeiro, 44, diz que já amava as histórias e personagens da Disney. E tudo iniciou com o clássico “Branca de Neve e os Sete Anões”. Em 2012, no mesmo ano em que engravidou da única filha, Valentina Ribeiro, foi lançada a versão 3D de “A Bela e a Fera”, que passou a ser o seu clássico preferido.
“Eu e minha família adoramos os filmes da Disney desde que eu era criança. A minha irmã chegou a ganhar do meu avô a coleção inteira dos filmes, que eram o nosso entretenimento”, recorda a advogada, dizendo que hoje é com a filha Valentina que compartilha esse sentimento pelas animações. As duas sempre visitam os parques da Disney, em Orlando (EUA), onde a menina, hoje com 11 anos, comemora o aniversário desde o primeiro aninho.
Se as produções cinematográficas da Disney continuam sendo celebradas até hoje, para Daniele, isso tem a ver com as histórias, e com a forma de contá-las. “O enredo, a produção, a fotografia e a trilha sonora são impecáveis. Enquanto assistia a um filme, o mundo paralisava. São megaproduções, as trilhas sonoras nos colocam em êxtase. Eu continuo a elogiar veementemente as recentes produções: ‘Encanto’, ‘Valente’, ‘Frozen’, ‘Mulan’ etc. A Disney traz evolução a cada produção, e assim o espectador tem vontade de ir ao cinema”, avalia, destacando uma referência sentimental. “De todos, o Mickey sempre será a primeira referência da Disney. Ele é especial e nunca perderá para as princesas, que vêm na sequência”, opina Daniele Ribeiro.
Para ela, visitar os parques da Disney traz um pouco de cada personagem. “Morei nos Estados Unidos. [Lá] O Walt Disney é fortíssimo. Com a minha residência lá, a paixão aumentou. É meu destino preferido. Definitivamente, Disney faz com que sonhos se tornem realidade.”
A publicitária Gabrielle Santiago, 34, também compartilha com a filha Ana Clara Rodrigues, 11, a paixão pela Disney. “Lembro que o primeiro filme a que assisti no cinema foi o ‘Rei Leão’, quando tinha menos de 5 anos. A lembrança desse momento é muito forte em minha memória. Além disso, tinha a coleção de ‘fitas’ d’A Pequena Sereia’, que eu assistia todos os dias. Sempre fui apaixonada pelo filme ‘A Bela e a Fera’. Quando a Clara nasceu, colocava para ela ver os vídeos das ‘paradas Disney’ no YouTube, além dos filmes, é claro. Ela já cresceu apaixonada por esse mundo”, conta Gabrielle, que concedeu essa entrevista direto de Orlando, em sua primeira viagem com a filha ao “reino mágico” da Disney.
Narrativas cultivadas em fantasia
Tem uma frase que diz que ‘na Disney você volta a ser criança’. É exatamente isso que acontece. Estar lá é reviver memórias afetivas que vêm à tona a todo momento. Foi um presente para a ‘Gaby criança’ e para minha filha. Para a mulher que sou hoje, foi um marco que me diz ‘você conseguiu’. Os personagens mexem com nosso imaginário, mas para mim, vai além: tocam em uma área muito íntima dos nossos sonhos, e como é bom sonhar”, diz Gabrielle Santiago que tem na princesa Bela e na Pequena Sereia suas personagens emblemáticas – a filha gosta d’A Pequena Sereia’ e ‘Frozen’.
Mesmo tendo preferência pelos clássicos, Gabrielle Santiago diz que está de olho nas atualizações que o estúdio tem feito em suas produções mais recentes. “Adoro ‘Avatar’. Inclusive foi um dos brinquedos que mais amei da Disney, uma verdadeira imersão ao mundo Avatar”, diz.
A publicitária e estudante de administração, Giovanna Querino, 22, é outra apaixonada pelo universo da Disney. Inclusive o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) dela foi sobre a criação da Disney. Ela diz que essa história de amor começou a partir da mãe dela, Elaine. “Desde muito nova fui apresentada à magia desse universo, seja através de brinquedos e filmes, ou até mesmo viajando para conhecer os parques. E acredito que assim como eu, várias crianças cresceram rodeadas dessa magia e compartilharam isso com a suas famílias”, comenta.
Com tantas narrativas especiais, ela acha difícil escolher apenas um personagem ou animação. “De filme, tem ‘Frozen’ por conta da mudança no estilo de princesas da Disney, e ‘Rei Leão’ por ser um clássico, além de ter uma trilha sonora perfeita. Com relação à personagem, o Mickey é um que sempre vai ser um dos meus favoritos, por ter sido o primeiro criado por Walt Disney, então ele tem um significado muito importante”, afirma.
“Acredito que muito além de animações, esses filmes trazem mensagens. Penso também que a fórmula usada faz com que todos tenham sentimentos de alegria e diversão quando crianças. Quando se tornam adultas, as pessoas sentem nostalgia e conseguem apreciar a mensagem. No final, a gente percebe que eles são pensados para todas as fases da vida e sempre você vai tirar uma lição e experiência nova deles”, reflete.
E toda essa paixão provocada pelas produções da Disney é explorada e alimentada nos parques, criando envolvimento com esse universo. “Experienciar toda essa magia de perto é uma sensação única. Ver como eles utilizam o storytelling dentro dos parques para fazer você se sentir dentro da história é mágico”, ressalta.
Para a jovem, há uma preocupação maior hoje do estúdio em abordar assuntos importantes nas suas histórias. “É interessante ver como as animações estão tentando acompanhar a velocidade que o mundo vem mudando”, pontua.
Giovanna Querino diz que está sempre antenada com as novidades lançadas pelo estúdio. “Gosto muito das produções atuais, acredito que de uns tempos para cá, a Disney vem cada vez mais vem se modernizando em estilo de animação, como é o caso de ‘Wish’, que vai estrear, ele traz novos traços para o estúdio. E até mesmo o curta de especial de 100 anos, que trouxe a mistura de 2D e 3D”, compara.
“Wish: O Poder dos Desejos” é um musical e será o 62º filme de animação produzido pelo estúdio. Dirigido por Chris Buck e Fawn Veera Sunthorn, o filme está previsto para chegar ao Brasil em janeiro do ano que vem.
Disney teve criatividade oxigenada pelo intercâmbio com outros estúdios, avalia crítico
Editor do DIÁRIO e estudioso da sétima arte, tema de sua coluna no site diariodopara.dol.com.br, Carlos Eduardo Vilaça é fã das animações da Disney, a que ele cresceu assistindo, ainda na época das videolocadoras e das coleções de “Clássicos Disney”, uma tradição para várias crianças. “Um primo tinha uma coleção invejável, que ele morria de ciúme e tentava esconder, mas óbvio que todo mundo ia lá mexer nas coisas dele. Lembro até hoje do cheiro das fitas VHS, de abrir a capa, ver o nome estampado nos adesivos, e sentir que possuía um item realmente importante. Você não estava vendo um filme qualquer. Era um Clássico Disney. Ver um ‘Fantasia’, ‘A Pequena Sereia’, ‘Aladdin’, ‘A Bela e a Fera’, ‘O Rei Leão’, eram acontecimentos”.
Para ele, os filmes correspondiam ao que se esperava. “Eles te entregavam emoção, te apresentavam histórias consagradas culturalmente e te incentivavam a buscar mais, a saber mais – dos contos dos Irmãos Grimm e conhecimento de música clássica, passando pelas Mil e Uma Noites e até mergulharmos em Shakespeare. Claro que, quando crianças, não temos essa noção, mas muito foi moldado ali. É por isso que praticamente todos esses clássicos animados que citei representam bastante para mim”, conta.
Vilaça lembra que o estúdio Walt Disney é um divisor de águas entre as animações. “A Disney revolucionou o cinema e influenciou tudo o que veio depois em relação à animação. A partir de ‘Branca de Neve e os Sete Anões’, seu primeiro longa-metragem, o cinema de animação ganhou complexidade em termos narrativos e profundidade no aspecto técnico”, destaca.
“Até então, nos curtas-metragens do estúdio, a história era centralizada em um personagem forte, o Mickey, por exemplo, e basicamente toda a ação era mostrada dentro de um único quadro, de forma panorâmica. Agora, não mais. Mundos passaram a ser criados e habitados pelos mais diversos personagens de acordo com a inventividade de cada artista, com múltiplos pontos de vista e histórias de fato, não mais apenas ‘gags’ visuais”, completa.
Essa maneira narrativa foi se aperfeiçoando e se encaixando naquilo que se pode chamar de “estilo Disney”, comenta Vilaça. “Tematicamente falando, são parábolas para crianças, contos de fada baseados em alguns arquétipos que nos fazem traçar paralelos com a realidade e que, por isso, nos tocam tanto. Encontramos exemplos disso em ‘Pinóquio’ e a importância da consciência nos guiar; em ‘Bambi’ lidando com o luto; em ‘O Rei Leão’ e a necessidade de crescer e encarar suas responsabilidades”, argumenta.
“Isso vale também para a tecnologia, que se mostrou praticamente ‘pronta’ em ‘Branca de Neve’ e só se desenvolveu com o passar do tempo, chegando à computação gráfica. É um cabelo que consegue balançar ao andar, um suor escorrendo, ou expressões faciais mais realistas. A gente pode considerar que a Disney fundou totalmente as bases e as manteve de forma sólida para ter um público cativo por um bom tempo”, reitera.
Houve uma mudança nos anos 2000 e os desafios do novo milênio, com o crescimento de um novo público, aborda o crítico. “A partir do final dos anos 1990 e durante toda a década de 2000, houve certo esgotamento, a Disney não criava mais personagens e histórias interessantes, ao mesmo tempo em que estúdios como Pixar e Dreamworks começaram a mostrar força e a entender melhor a mentalidade e os gostos de uma nova geração. Quando a Disney comprou a Pixar, essa criatividade foi oxigenada e os horizontes do estúdio se expandiram – embora cada um ainda seja responsável por produzir seus próprios filmes. Mas existe, sim, uma espécie de intercâmbio. Não é à toa que, desde então, a Disney começou um movimento de apenas revisitar seus clássicos, agora em live-action, paralelamente a esses novos projetos, como ‘Frozen’, ‘Operação Big Hero’, ‘Detona Ralph’… Assim, ela consegue abranger todo o tipo de público, seja apostando na nostalgia ou na originalidade”, analisa.
Vilaça diz que o estúdio assimilou mudanças, mas traz algo na essência de seus filmes originais que permanece relevante. “O romance idealizado, a história contada através da música, o maniqueísmo entre o bem e o mal, a antropomorfização de animais e objetos, todos esses elementos realmente estão na base, nos primórdios da Disney. É o ‘Era uma vez…’ por excelência. Mas, de fato, o mundo mudou. Não vivemos mais tempos tão inocentes. As discussões evoluíram dentro dos filmes de animação, ganharam camadas mais profundas. Por isso se torna ainda mais relevante a aquisição da Pixar pela Disney. Pois os filmes que são puramente de aventura, com aquele toque de contos de fada, continuam sendo necessários”.
“Nós precisamos desse respiro, de uma fuga da realidade por um momento que seja, como em ‘Moana’ ou ‘Zootopia’, que têm essa pegada mais clássica e estão dentro do guarda-chuva da Disney. Por outro lado, o braço do estúdio comandado pela Pixar fica responsável por tratar de temas mais delicados, que atraem, inclusive, adultos, não só as crianças. Um exemplo é como lidar com nossos sentimentos, nossas emoções, de forma extremamente criativa, em ‘Divertida Mente’; ou refletir sobre a memória, identidade cultural e importância da ancestralidade, em ‘Viva – A vida é uma festa’. Esse equilíbrio organizacional fez muito bem à Disney e, obviamente, ao público, plenamente contemplado com todo o tipo de histórias”, considera o crítico.