O brasileiro está acostumado com a turbulência na política nacional, todo mundo já espera que na semana vá acontecer alguma coisa em Brasília com capacidade de aflorar os ânimos do brasileiro. Quando há calmaria, paira no ar o sentimento de estranheza acompanhado da certeza de que algo pior está por vir. Esse mar de incertezas já faz parte do cotidiano brasileiro, e se para nós isso é ruim, o nosso vizinho Peru está aí para mostrar que tudo pode piorar.
Os peruanos passam por uma crise política sem precedentes. Seus últimos cinco presidentes eleitos estão sendo acusados de corrupção. Além disso, para se ter uma noção da gravidade do momento, nos últimos quatro anos tiveram quatro chefes de estado, sendo três deles trocados em uma semana. O motivo da instabilidade atual no país vem de um nome conhecido pelos brasileiros nos últimos anos: Odebrecht.
Alejandro Toledo comandou o país peruano de 2001 até 2006 e é acusado de ter recebido U$20 milhões da empreiteira brasileira em troca da licitação de trechos da rodovia interoceânica Peru-Brasil. Com medo de acabar na prisão, o ex-presidente fugiu para os Estados Unidos onde está detido e hoje é considerado foragido no seu país.
Ollanta Humala, presidente do Peru entre 2011 e 2016, foi preso junto com a sua esposa por suspeita de receberem U$3 milhões de propina da Odebrecht para a campanha presidencial. Seu antecessor, Alan García, também é investigado por supostos subornos pagos pela empresa brasileira, e ao ter sua prisão decretada, decidiu cometer suicídio para evitar o cárcere.
Pedro Paulo Kuczynski, eleito presidente do Peru em 2016 com discurso de combate à corrupção, renunciou ao poder em 2018 por conta das investigações de ter recebido suborno de mais de U$780 mil da empresa brasileira, e chegou a ser preso por obstrução de justiça.
O ex-ditador Fujimori é o único que não está envolvido com a Odebrecht, mas foi condenado a 25 anos por crime contra a humanidade por conta de dois massacres promovidos durante seu governo. Ele também é acusado de suborno e apropriação de recursos públicos.
Diante de tantos casos de corrupção e crise generalizada, naturalmente a população ficou cada vez mais descrente na capacidade da classe política de apresentar nomes capazes de tirar o Peru do lamaçal que se encontra. A insatisfação ficou latente no primeiro turno das eleições presidenciais ocorridas no último dia 11 de abril, já que nenhum candidato foi às urnas com mais de 13% nas pesquisas, e se o passado da política peruana é um retrato da falência do sistema, os nomes que se colocaram para mudar os rumos da nação nos próximos cinco anos são ainda mais tenebrosos.
Entre os candidatos com chances de ir para o segundo turno, todos contam com uma história peculiar. Rafael López, candidato da ultra direita peruana, é um empresário acusado de lavagem de dinheiro e apelidado de “el Bolsonaro de Peru”. Ele chegou muito perto do segundo turno acusando a quarentena de ser “coisa de marxista”. López também já disse que quando vê alguém atraente, pensa na Virgem Maria e revelou que todo dia se autoflagela com um metal afiado para manter-se celibatário.
Yonhy Lescano e De Soto também estavam no páreo e ambos apresentaram soluções peculiares para o enfrentamento da pandemia no país. O primeiro disse que a covid podia ser tratada com sal e cachaça peruana, o segundo chegou a dizer que se fosse eleito não compraria nenhuma vacina porque o cidadão deveria fazer isso sozinho, sem intermédio do Estado.
Apesar dos esforços, os peruanos escolheram outros candidatos dos extremos. Pedro Castillo, professor e sindicalista de esquerda terminou o primeiro turno em primeiro lugar para a surpresa da capital, que pouco havia escutado falar de Castillo. Durante o primeiro turno ele fez campanha usando um chapéu de palha e no dia da votação, foi votar montado em uma égua com a promessa de um Estado socialista e o fim do Tribunal Constitucional, além de ser contrário ao aborto e casamento entre homossexuais.
Do outro lado, representando a direita peruana está Keiko Fujimori, filha do ex-ditador que comandou o Peru na década de 90 e, dentre tantos crimes, esterilizou forçadamente mais de 350 mil mulheres peruanas. Keiko já esteve presa por escândalos envolvendo a Odebrecht e promete continuar o legado de seu pai que está na prisão.
Sob tantos agravantes, a única certeza é que não há perspectiva de dias melhores para o país em um futuro próximo. A vitória de Pedro Castillo trará maior estatização no setor de mineração do Peru, o que poderia afetar a relação comercial com o Brasil. O triunfo de Fujimori seria a consagração de uma família de veias antidemocráticas. A crise das instituições de um país vizinho jamais deve passar despercebida, mas sim compreendida como um alerta para todos nós. Tudo que tá ruim, pode piorar.