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População paraense é a que mais tem medo do câncer no Brasil

População paraense é a que mais tem medo do câncer no Brasil

A Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) fez uma pesquisa com 1.500 pessoas, homens e mulheres, de 18 anos ou mais, nos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal para entender melhor o medo que as pessoas têm do câncer.

Os participantes estabeleceram pontuação, de 1 a 10, para definir o nível de medo de ter a doença. A média nacional de pessoas que indicaram o nível máximo, ou seja, 10, foi de 41%. Os paraenses ficaram bem acima da média, com 54% dos entrevistados colocando o medo de ter câncer no nível mais alto, superando todos os outros estados.

Na classificação por gênero, as mulheres demonstraram ter mais medo do que os homens. A média nacional de mulheres que declaram medo no mais elevado nível é de 48%, contra 32% dos homens.

Caso tivesse participado da pesquisa, a aposentada Margarida Massayo Abe, de 70 anos, provavelmente teria declarado medo do câncer em nível máximo. Em 2018, Margarida foi diagnosticada com câncer no intestino. Fez a cirurgia para a retirada do tumor, mas depois abandonou o tratamento, não fez o tratamento de quimioterapia indicado pela equipe de saúde. “Não fiz. Tinha pavor desses tratamentos porque acompanhei algumas pessoas com câncer e vi o quanto sofriam”, lembra Margarida, que afirma que 5 primas morreram de câncer. Segundo ela, o histórico familiar inclui ainda um avô e um tio que tiveram a doença. “Passei 3 anos sem acompanhamento nenhum, pelo medo e trauma que sentia em relação ao câncer”, completa a aposentada.

Em 2021, Margarida voltou a ter problemas de saúde. “Comecei a ter tosse persistente. Achava que era Covid ou gripe, mas tive que buscar atendimento médico e os exames mostraram que era metástase. Meus dois pulmões estavam minados de nódulos. Eram muitos e por isso não era mais possível operar”, conta.

Com o novo diagnóstico, a médica oncologista e o filho de Margarida precisaram argumentar bastante sobre as consequências para que ela aceitasse fazer o tratamento indicado novamente, a quimioterapia. Dessa vez, Margarida enfrentou o medo e está fazendo tratamento. Fez quimioterapia por 6 meses. Os nódulos sumiram, mas pouco tempo depois o exame de Petscan mostrou o retorno de alguns nódulos pequenos e ela voltou para novas sessões de quimioterapia, por mais 6 meses.

“Hoje, estou há cerca de 8 meses com os tumores estabilizados, não desapareceram e nem aumentaram, e continuo em tratamento. Mas agora sei que precisamos vencer o medo. Esse é o primeiro passo para enfrentar o câncer”, conclui Margarida.


“A decisão de fazer o tratamento é sempre do paciente, mas ele precisa estar consciente de todas as informações, sobre todas as consequências”, explica a oncologista Amanda Gomes. “O medo da doença é um fator importante a ser considerado, pois pode colocar a vida do paciente em risco, se impedir o tratamento de alguma forma”, avalia.

“As consequências disso são evidentes. O diagnóstico precoce fica comprometido e, como se sabe, quando o câncer é diagnosticado em fase avançada diminuem drasticamente as chances de sucesso do tratamento e de cura do paciente”, alerta a oncologista.

Câncer não é uma sentença – O estigma assassino da doença se consolidou até as primeiras décadas do século XX, quando o câncer matava a maioria dos pacientes, tinha chances de cura muito reduzidas. “Já faz muitos anos que o câncer deixou de ser uma sentença de morte. Nós lutamos todos os dias para derrotar de vez esse estigma, que já foi muito mais forte, mas, infelizmente, ainda há falta de informação e também falta de ação, de pessoas que se deixam paralisar por esse medo que pode matar”, diz a oncologista Amanda Gomes. “Felizmente, a ciência tem provado que todo esse estigma criado em torno do câncer está ultrapassado. Hoje, as perspectivas para o diagnóstico e a terapêutica são bastante promissoras”, explica a médica. “Em casos como os de mama e próstata, que estão entre os tipos mais comuns, as perspectivas de cura superam os 90%, caso sejam descobertos no começo”, diz ela.

Apesar dos notáveis avanços da medicina, do crescimento significativo das chances de os tratamentos serem bem-sucedidos, das chances de cura terem aumentado substancialmente nos últimos anos, uma parcela da população ainda não gosta sequer de falar a palavra câncer.

“Ter medo, episódios de tristeza ou ansiedade diante do diagnóstico de uma doença grave é normal. Mas é preciso ter atenção para que esse medo não ultrapasse a linha do que é razoável”, avalia a psicóloga Natália Rêgo. “Quando o medo impede de fazer alguma atividade, se coloca a vida em risco e é caracterizado como uma fobia, é preciso cuidado para tratá-la, para que o paciente possa tomar sua decisão consciente e fazer o tratamento”, finaliza a psicóloga.

Estimativas – Segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), o Brasil deve ter 704 mil novos casos por ano, no período entre 2023 e 2025.

A OMS estima 20 milhões de novos casos de câncer e 9,7 milhões de mortes por ano, no mundo. Cerca de 1 em cada 5 pessoas desenvolverá câncer durante a vida.