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O conflito entre Israel e Hamas é também uma guerra de narrativas

The Old City of Jerusalem, including the Dome of the Rock and various church steeples, seen through coils of razor wire, illustrating the Holy Land's history of division and conflict.
The Old City of Jerusalem, including the Dome of the Rock and various church steeples, seen through coils of razor wire, illustrating the Holy Land's history of division and conflict.

Desde a semana passada as imagens de mísseis sob o céu de Israel e da Faixa de Gaza têm dominado a internet e os noticiários, causando tristeza para quem assiste, revolta e terror para quem vive de perto. O conflito é mais um episódio de uma guerra que parece não ter fim e, além da disputa bélica, há também uma intensa batalha pelo domínio da razão na história, o que prejudica muito uma busca por alternativas pacíficas para o problema.

Para começar, é preciso falar de Sheikh Jarrah, um bairro em Jerusalém Oriental onde palestinos residem em maioria e que se tornou o gatilho para a escalada da tensão. Em 1948, após a primeira guerra árabe-israelense, Jerusalém foi dividida em duas partes: a Ocidental, sob domínio de Israel; e a Oriental, sob domínio da Jordânia. Essa divisão perdurou até 1967, quando ocorreu a Guerra dos Seis Dias e Israel passou a controlar Jerusalém Oriental, incluindo o bairro de Sheikh Jarrah que fica localizado nesta região. Desde então, o bairro é alvo de intensas disputas por terras entre palestinos e judeus.

Nas últimas semanas uma corte israelense decidiu que os judeus tinham o direito de reivindicar terras em Sheikh Jarrah, levando famílias palestinas à Suprema Corte de Israel para lutarem contra as ameaças de demolição de suas casas e deslocamentos forçados. Os judeus que entraram na justiça, alegam que compraram essas terras de duas associações judaicas que eram proprietárias na área no século 19; os palestinos alegam que vivem ali por direito desde a década de 50. Mexer neste vespeiro que se tornou Sheikh Jarrah foi uma decisão extremamente arriscada da corte israelense, condenando famílias palestinas que nada tem a ver com o conflito entre as autoridades dos dois lados.

Aliado a isso, em abril iniciou-se o tenso mês sagrado muçulmano do Ramadã. Neste período houveram intensos confrontos partindo dos dois lados, criando condições para que a guerra das narrativas entrasse novamente em cena. Israelenses relatam casos de alguns palestinos batendo em judeus ortodoxos e filmando para colocar na internet, o que gerou a revolta de um grupo de extremistas que partiu para o confronto direto contra árabes em Jerusalém. Já os palestinos tiveram que lidar, durante o seu momento sagrado do ano, com violentos ataques da polícia israelense à mesquita de Al-Aqsa, considerado um dos locais mais sagrados do islã.

Diante de tanta tensão, entrou em ação o Hamas, grupo de resistência palestina que prega o fim de Israel e é corretamente considerado como um grupo terrorista por grandes países ocidentais. Financiado principalmente pelo Irã, o Hamas iniciou uma verdadeira ofensiva com mísseis contra Israel, minando o céu de Tel Aviv com bombardeios que, se não fosse a excelente defesa israelense interceptando a grande maioria dos mísseis, fariam um incontável número de vítimas. A resposta veio a partir do dia seguinte, Israel iniciou um contra-ataque muito mais poderoso, afinal, contam com a ajuda dos Estados Unidos para manter uma defesa com tecnologia de ponta e armamento bélico muito maior que os seus vizinhos.

Aqui é importante frisar algumas diferenças fundamentais entre os ataques, a começar pelos mísseis: se Israel tem a capacidade de interceptar quase todos os ataques aéreos do Hamas, o mesmo não ocorre do outro lado. Todos os mísseis lançados de Israel atingiram seus alvos que, segundo a defesa israelense, eram locais usados pela inteligência do Hamas para planejar ataques e armazenar armamentos. Os mísseis lançados da Faixa de Gaza não tinham alvos certos porque o Hamas não tem tecnologia para isso, eles são lançados sem rumo no território israelense. Isso se comprova ao ver que os poucos torpedos que não foram interceptados por Israel, caíam em uma rua, atingiam um ônibus, às vezes um apartamento ou simplesmente um estacionamento. Aliás, alguns mísseis lançados pelo Hamas nem chegam em Israel, muitos caem no território deles, matando os próprios palestinos.

Outra diferença está na forma como acontecem esses ataques, eu tenho acompanhado sem parar o conflito, alternando entre canais israelenses e correspondentes em Gaza, tentando ao máximo achar um meio termo nas coberturas. Diversas vezes vi a defesa de Israel alertando os civis de Gaza para evacuarem determinada área porque iriam atacar ali em breve, dando tempo para evitar a morte de inocentes. Sabendo disso, o Hamas tem como estratégia lançar mísseis de dentro da casa de civis e também tenta persuadir cidadãos a ficarem em casa para alegar que Israel está matando inocentes.

Embora Israel tenha toda a tecnologia para realizar ataques mais precisos, também cometeram erros gravíssimos nos ataques. Diversas crianças acabaram morrendo, inclusive um desses ataques matou dez membros de uma família sem ligações com o Hamas, incluindo oito crianças, o que é inaceitável. Outro ataque grave foi ao prédio em Gaza onde trabalhavam jornalistas da imprensa internacional, que foram avisados com uma hora de antecedência para saírem às pressas do local sob a justificativa de que o Hamas operava naquele mesmo prédio e só teriam autorizado a imprensa a se estabelecer ali justamente para evitar ataques. Se Israel comprovar que ali havia atividade do Hamas, o ataque estará respaldado pela Convenção de Genebra; caso contrário, é crime de guerra.

No meio de tantos conflitos e lançamentos de mísseis, existem dois povos que querem viver suas vidas em paz. A guerra de narrativas faz com que as pessoas escolham seu lado como se fossem times de futebol, mas não deveria ser assim, os dois apresentam argumentos extremamente plausíveis e ambos também cometem severos erros. Um cessar-fogo deve e vai acontecer, mas é um remédio paliativo, um mero band aid momentâneo e insuficiente, já que o conflito vai se repetir em um futuro nem tão distante.

Azar dos civis judeus e palestinos que permanecerão sob fogo cruzado, assistindo um interminável conflito que segue matando os seus.