Como dito pelo médico inglês William Harvey (1578 – 1657), famoso por ter sido o primeiro a descrever a circulação sanguínea sistêmica: “tudo o que sabemos ainda é infinitamente menor do que tudo que permanece desconhecido”.
Em janeiro de 1950 nasciam em Moscou as gêmeas siamesas Masha e Dasha Krivoshlyapova. Unidas na cintura em um ângulo de 180 graus, com duas cabeças, dois troncos, dois braços e uma perna cada, além de um terceiro membro na parte de trás, sua mãe fora informada que havia dado à luz a um mutante, não sendo capaz de ver as filhas.
Alegando que as gêmeas precisariam de cuidados em tempo integral do Estado, a mãe concordou em permitir tal assistência, mas com a condição de que mantivesse a custódia e as visitasse regularmente.
Infelizmente ter o contato da mãe atrapalharia os planos do fisiologista russo Pyotr Anokhin, que conduzia estudos sobre os papéis dos sistemas nervoso e circulatório. Gêmeos siameses, com um mesmo sistema sanguíneo, mas sistemas nervosos separados, eram casos ideais para pesquisa do fisiologista.
Naquela noite uma enfermeira trouxe as gêmeas para ver sua mãe, mas, na sequência, foi informada por um dos pesquisadores de Anokhin que haviam morrido de pneumonia.
Na realidade, as gêmeas foram levadas para o Instituto de Medicina Experimental de Moscou com o objetivo de serem estudadas em condições de laboratório.
Os experimentos incluíam colocar uma das gêmeas no gelo para reduzir a temperatura a níveis quase fatais, controlando as mudanças de temperatura na irmã, queimá-las, privá-las do sono e eletrocutá-las ao mesmo tempo para testar seus reflexos, entre vários outros.
Seus pulmões, corações e a atividade cerebral eram constantemente monitorados, assim como tubos eram frequentemente inseridos em seus estômagos para monitorar a secreção gástrica. Coletas de sangue eram feitas três vezes ao dia, constantemente.
O proposito de Anokhin era avaliar a capacidade do corpo humano de ajustar-se a condições como a privação prolongada do sono, a fome e a mudança de temperatura extremas.
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Por possuírem sistemas circulatórios interligados, compartilhando o mesmo sangue, era de se esperar que as gêmeas desenvolvessem patologias semelhantes. Porém, as doenças as afetavam de forma diferente.
Ao serem infectadas pelo vírus do sarampo, por exemplo, acreditava-se que ambas iriam manifestar a doença. Mas o que poderia explicar o fato de apenas uma das irmãs manifestar a enfermidade? Como poderia apenas uma adoecer, tendo o vírus circulando no mesmo sistema sanguíneo? Tal fenômeno foi evidenciado repetidas vezes. Gripes, resfriados e doenças comuns da infância foram todas vivenciadas separadamente.
Se apenas os patógenos fossem a causa das doenças infecciosas, por que uma das gêmeas estaria livre da doença enquanto a outra estava doente? Quais mecanismos estariam envolvidos no processo? Perguntas difíceis sobre saúde e doença já estavam sendo feitas e postas à prova, principalmente por Aleksey D. Speranskiy, patologista e fisiologista russo, que em 1943 havia publicado o livro “Uma base para a teoria da medicina”.
Em sua obra Speranskiy estabelecia a importante participação do sistema nervoso no processo da doença, sendo a interação entre “mente, sistema nervoso e o sistema imunológico” a base de nossa capacidade adaptativa e, consequentemente, das doenças.
Será que a personalidade das gêmeas, ou seja, seu padrão mental, poderia influenciar, e talvez até determinar, o surgimento das doenças?
Dasha, destra, submissa, pensativa e quieta, era míope e propensa a resfriados. Masha, canhota, dominante e atrevida, tinha boa visão e uma constituição mais saudável.
A incrível, e triste, história das gêmeas, além de um documentário produzido pela Academia Soviética de Ciências Médicas detalhando a pesquisa, é retratada pela jornalista inglesa Juliet Butler no livro “The Less You Know The Sounder You Sleep”, de 2017. Masha faleceu em abril de 2003, e Dasha dezessete horas depois.
Nossa história de hoje é a porta de entrada para uma série de matérias onde iremos explorar teorias e comprovações cientificas que nos fazem tentar entender o papel, e o poder, da mente humana. Veja o vídeo:
