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Um diamante para os olhos: filme que acaba de estrear na Netflix é tão deslumbrante quanto um pôr do sol inesquecível

Um diamante para os olhos: filme que acaba de estrear na Netflix é tão deslumbrante quanto um pôr do sol inesquecível

Ricos vão desenvolvendo hábitos estranhos até para si mesmos, tudo para se manter o mais distantes quanto conseguirem da massa ignara, os pobres mortais que, trocando em miúdos, permitem-lhes jamais descer do pedestal de glória e encantamento com que os destino os premia. É claro que nunca há garantia o bastante de que fortunas colossais não derretam de um minuto para o outro e a magia se desvaneça para sempre, e por isso é que endinheirados e suas camarilhas rodeiam-nos, primando pela sutileza, mas também sabendo projetar suas garras quando necessário, dando conta de virtuais predadores antes que a cúpula perceba. 

Em 2019, Michael Engler levou para a tela grande o encanto de “Downton Abbey”, distribuído por 52 episódios em seis temporadas, e três anos depois, Simon Curtis decidira que era hora de revigorar a série da ITV. “Downton Abbey 2: Uma Nova Era”, como diz o título, abre as cortinas para um tempo de mais ventura para os já célebres aristocratas do início do século 20, estendendo seus domínios para um paraíso na Riviera Francesa, ou algum lugar semelhante.

Quanto mais se ganha, mais se tem a perder. Este parece um raciocínio elementar, mas as privações lucrativas do amor, mais que um brutal oximoro, são um manancial de constantes revelações para quem se permite beber dessa água, turva, às vezes salobra, mas sempre salvadora, terapêutica, curativa. Há maneiras e maneiras de se cantar o mais humano e o mais nobre dos sentimentos, aquele que encerra tudo quanto se possa querer da vida, o mesmo que torna o insignificante, valioso e faz com que lembremos do mais secreto de nós mesmos, tão oculto e abafado que demoramos a reconhecer como parte do que somos. Violet Crawley, a condessa viúva da abadia e matriarca do clã, recebe de um velho conhecido — muito velho, por sinal: eles se viram pela última vez na década de 1860, e agora é por volta de 1928 — uma imensa herdade no sul da França.

Quase todos rumam para lá, e Downton Abbey fica entregue a uma equipe de filmagem, sob a vigilância dos empregados, por óbvio. Com cuidado, o roteiro de Julian Fellowes perscruta essa nova aura de mistério e requinte que desaba sobre a família de Violet, usando de boas referências a partir de “Singin’ in the Rain” (1952), de Stanley Donen (1924-2019) e Gene Kelly (1912-1996). 

Há também uma dose generosa de Jane Austen (1775-1817) e todos os seus romances em “Downton Abbey 2: Uma Nova Era” na maneira como Curtis escancara segredos da fidalguia e expõe seus medos mais ridículos e seus sentimentos mais básicos, como Austen fez, sobretudo em “Orgulho e Preconceito” (1813), quando explica quão utópico e inútil é ansiar por uma sociedade de fato justa. O filme de Curtis não vai tão longe, preferindo concentrar-se em cenas iluminadas como um raio de sol em meio àquela penumbra mental. E não há nenhum indício de novos horizontes nesse novo tempo.