*Por Thays Brasil, advogada trabalhista e sócia no Feltrin Brasil Tawada Advogados
A luta por igualdade de direitos e respeito às diversidades ganha cada vez mais destaque em nossa sociedade. No âmbito profissional, a utilização do nome social de pessoas trans no ambiente de trabalho tem sido um tema de extrema relevância, refletindo a busca por um ambiente laboral mais inclusivo e respeitoso. Recentemente, temos presenciado condenações de empresas que desrespeitam o uso do nome social, o que nos alerta para a necessidade de ações efetivas em prol da dignidade e valorização desses profissionais.
O nome social é aquele pelo qual uma pessoa transgênero escolhe ser identificado, de acordo com sua identidade de gênero, independentemente do nome registrado em seu documento de identificação. É uma forma de permitir que essas pessoas sejam reconhecidas e tratadas de acordo com sua verdadeira identidade, evitando constrangimentos e violências.
Um marco importante em prol da contra a discriminação e contra o tratamento excludente, foi a decisão do Supremo Tribunal Federal (ADI 4.275) em 2018, que reconheceu o direito das pessoas trans de utilizar seu nome social em todos os ambientes, incluindo o local de trabalho. Essa conquista representa um avanço na garantia da igualdade e no combate à discriminação.
A referida decisão de relatoria do Ministro Marco Aurélio aborda a questão, inclusive, considerando o direito comparado, ou seja: como a questão vem sendo tratada nos diversos ordenamentos jurídicos do mundo. Neste sentido, aponta que o Tribunal Europeu de Direitos do Homem já possui entendimento pacificado de que “a recusa em autorizar a retificação de certidão de nascimento de transexual ofende a garantia à vida privada prevista na Convenção Europeia de Direitos Humanos”. Sendo importante notar a fundamentação dada à questão pelo referido Tribunal Europeu, que considera “incongruente permitir a alteração de prenome sem a correspondente modificação de sexo no registro civil” e que “o direito fundamental à identidade de gênero justifica a troca de prenome, independentemente da realização da cirurgia”.
Nesse sentido, cabe indagar ao leitor: será legítimo recusar a transexuais o direito à alteração do prenome e gênero no registro civil? A resposta desta que lhe escreve é certamente negativa. Afinal, é tempo de a coletividade atentar para a insuficiência de critérios morfológicos para afirmação da identidade de gênero, considerada a dignidade da pessoa humana. Tal princípio constitucional (frisa-se), desprezado em tempos tão estranhos, deve prevalecer a fim de garantir o direito do ser humano de buscar a integridade de apresentar-se à sociedade como de fato se enxerga. Entendimento diverso apenas reforça o estigma que conduz muitos cidadãos transgêneros à depressão, à prostituição e ao suicídio.
No Brasil, o processo de alteração do nome nos documentos oficiais ainda é complexo e moroso, o que gera um ônus adicional às pessoas trans, que já enfrentam diversas formas de constrangimentos cotidianos e, na maioria dos casos, dificuldades de encontrar apoio dentro de suas próprias casas. Sem falar da falta de suporte jurídico (por ausência de respaldo legislativo), financeiro e social adequado, o que acaba por deixá-las à mercê de uma sociedade que não compreende suas necessidades e não oferece o apoio necessário para sua plena integração.
É essencial, pois, que o sistema jurídico seja aprimorado para oferecer amparo adequado a esses indivíduos, assegurando-lhes uma vida digna e livre de detecção. Nesse sentido, os mais diversos Tribunais Regionais do Trabalho tem reconhecido que o desrespeito ao nome social no ambiente de trabalho representa grave violação aos direitos fundamentais dessas pessoas e um ato de discriminação de gênero.
Vale alertar que tais condenações possuem consequências significativas para as empresas. Isto, pois, além das consequentes implicações financeiras, há também dano à imagem e reputação da organização. Uma vez que, atualmente, as empresas que não se adequam às demandas de inclusão correm o risco de perder clientes, parceiros comerciais e até mesmo enfrentar processos coletivos por discriminação.
Ou seja: o reconhecimento do nome social do empregado(a) trans é mesmo fundamental (além de premissa básica) para o bem-estar e a inclusão no ambiente de trabalho. Respeitar o nome social é um passo importante para construir uma cultura de respeito e inclusão, proporcionando um ambiente seguro e acolhedor para as pessoas transgênero praticarem suas atividades profissionais.
Mas não é só. Até mesmo porque, promover um ambiente de trabalho respeitoso é dever legal do empregador e, nesse sentido, que a implementação de políticas inclusivas de não discriminação e assédio no ambiente de trabalho é crucial para promover a igualdade de oportunidades e respeito. As quais, por sua vez, devem ir além do reconhecimento do nome social e abranger uma série de medidas que visem criar um ambiente seguro e livre de preconceitos, tornando clara as consequências (e, portanto, as penalidades) que acarretam as ações discriminatórias com base na identidade de gênero.
Uma das principais ações que as empresas podem adotar é a implementação de treinamentos e programas de sensibilização para conscientizar os colaboradores sobre as questões relacionadas à identidade de gênero e diversidade. Tais treinamentos devem ter como objetivo a desconstrução de estereótipos e preconceitos, além da promoção efetiva da compreensão e empatia em relação às experiências das pessoas transgênero.
Outra medida relevante é a revisão dos processos internos da empresa para garantir que eles sejam inclusivos e respeitem a diversidade. Isso inclui a atualização de sistemas de recursos humanos para permitir o registro e o uso do nome social de forma adequada, sem a necessidade de exposição desnecessária ao constrangimento de ser quem se é.
Ao implementar políticas inclusivas e promover um ambiente de trabalho respeitoso e acolhedor, as empresas não apenas atendem às necessidades das pessoas transgênero, mas também fortalecem sua cultura organizacional e atraem talentos diversos. A diversidade de perspectivas e vivências é um dos principais impulsionadores da criatividade, inovação e desempenho no ambiente profissional.
Outra importante iniciativa relacionada à valorização da dignidade e ao combate à discriminação no ambiente de trabalho é o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O documento visa orientar magistrados sobre como aplicar a perspectiva de gênero nos julgamentos, considerando as desigualdades e violências vivenciadas pelas pessoas transgênero e outras minorias de gênero. Afinal, como bem introduz o referido protocolo: “o Direito tem um papel extremamente relevante [no enfrentamento à desigualdade]: por um lado, pode ser perpetuador de subordinações; por outro, se analisado, construído, interpretado e utilizado de maneira comprometida com a igualdade substancial, pode se tornar um verdadeiro mecanismo de emancipação social”.
Esses instrumentos, que incluem a já conhecida Convenção nº 190 da OIT, são importantes referências para embasar a defesa dos direitos das pessoas transgênero no ambiente de trabalho. Eles fortalecem a necessidade de se adotar medidas concretas para eliminar a discriminação, a violência e o assédio, garantindo que todas as pessoas, independentemente de sua identidade de gênero, tenham a oportunidade de exercer suas atividades profissionais em um ambiente seguro, inclusivo e respeitoso.
No entanto, é essencial que esses instrumentos sejam efetivamente implementados e que haja um engajamento de todos os atores envolvidos, incluindo empresas, organizações sindicais, órgãos governamentais e a sociedade como um todo. A conscientização, a educação e a adoção de políticas e práticas inclusivas são fundamentais para que o respeito à dignidade dentro e fora do ambiente de trabalho se torne uma realidade para todos, independentemente de sua identidade de gênero.
Por fim, as questões apresentadas, evidentemente, não esgotam a multiplicidade de situações a serem enfrentadas no cotidiano por pessoas trans. No entanto, o que se pretende, é mesmo apontar a necessidade de olhar e interpretar as normas trabalhistas pelas lentes da perspectiva de gênero e da diversidade, como forma de equilibrar as assimetrias existentes em regras supostamente neutras, além – é claro – de acautelar sobre as boas práticas empresariais frente ao respeito e inclusão da pluralidade, que (felizmente) já vem sensibilizando a sociedade em geral e, como não haveria de ser diferente, o judiciário trabalhista brasileiro.
*Thays Brasil é advogada trabalhista com ampla experiência na área. Formada em Administração de empresas com ênfase em Marketing pela Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC) e em Direito pela Universidade do Sul do Estado de Santa Catarina. Possui, ainda, duas pós-graduações em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, a primeira pela Faculdade Damásio de Jesus e a segunda pela Fundação Getúlio Vargas. Com mais de 12 anos de formação, integrou equipes de bancas brasileiras de grande renome, com atuação em processos estratégicos, participando na definição de teses e estratégias processuais e consultivas, bem como na análises de risco e prognósticos de processos. Também atuou perante o Ministério Público do Trabalho.