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Entrevista com Mônica Lira, diretora e fundadora do Grupo Experiência (PE)

Entrevista com Mônica Lira, diretora e fundadora do Grupo Experiência (PE)

1. Qual o balanço que fazem desses 30 anos em atividade?

O balanço desses 30 anos é de um trabalho muito importante, principalmente no contexto da nossa cidade, Recife (PE), porque o grupo, além de ser artístico, com várias obras no repertório (cerca de 25 obras criadas nesses anos), também tem uma trajetória muito forte na formação. 

A gente teve um projeto social durante dez anos, de onde saíram vários dos bailarinos que hoje dançam com o Grupo e outros que estão pelo Brasil. Por ser um grupo independente, a nossa cidade não tem nenhuma companhia subvencionada, a gente considera que o trabalho do Experimental é muito relevante para que possa impulsionar também outros cenários, outras formações de grupos, já que a gente faz parte de uma geração lá atrás. Então, acho que é importante continuar. 

E a gente tem nessa trajetória também muitas circulações. Por exemplo, é a segunda vez que a gente volta para Belém. A gente tem circulações internacionais pela Europa, principalmente aqui pela América Latina, por vários países, então acredito que é um trabalho que não parou,  gente continua desde o primeiro ano de criação e acho isso muito positivo dentro de um cenário como o Nordeste, assim como o Norte, a gente tem muita dificuldade de se manter. Então acho que é uma vitória chegar até aqui.

2. Por que se deslocar em direção ao Norte?

Considero que a gente precisa fazer mais conexões entre Norte e Nordeste. A realidade nossa e estar fora desse circuito do Sudeste sempre foi um grande desafio para nós. E o Norte é uma região que eu tenho muita simpatia, gosto muito do povo, da cultura, acho que a gente tem forças que se complementam e que podem trazer a gente para um lugar de reflexão, de repensar as nossas permanências nessas regiões para valorizar mais as regiões e também os nossos próprios trabalhos. A gente escolheu viver nessas regiões – a gente poderia ter ido embora enquanto artista, como muitos vão, mas a gente resolveu ficar -, então vir ao Norte é também para fortalecer essa escolha de que a gente pode, sim, viver no lugar que a gente gosta e fazer ações que possam engrandecer a região.

3. Como se estabeleceu a relação do Grupo com Belém?

Então, lá em Recife sempre teve festivais de dança, eu já conheço muita gente aqui de Belém, professores da universidade, alguns artistas. Dentro da própria UFBA, que fiz um mestrado, encontrei artistas daqui [de Belém] que estavam estudando lá. E há dez anos, em 2015, a gente fez uma circulação com um trabalho chamado ‘Breguetu’, que a gente veio aqui para Belém e também Manaus, como agora dessa vez. Nós fomos primeiro para Manaus e agora a gente está voltando aqui para Belém, e essa conexão nunca se perdeu. São pessoas que eu mantenho um vínculo. Ano passado eu fiz parte também de um primeiro encontro Norte e Nordeste promovido aqui pela ETDUFPA, o curso de Dança, através da professora Larissa Chaves, e eu conheci vários artistas da cidade, então isso tudo faz com que a gente queira voltar para fazer outras trocas, então estar aqui é muito significativo e importante para nós.

4. Para o Grupo Experimental, o que é Dança Contemporânea?

Esse conceito de contemporaneidade é uma questão que na dança se expande de uma maneira muito ‘do que é hoje’. A dança pode trazer várias técnicas, várias formas de se mover, mas eu penso que a gente tem uma dança, não necessariamente uma dança contemporânea. Hoje eu me questiono, assim: ‘que dança a gente faz?’. A gente investiga um corpo, a gente descobre um corpo que se mexe para falar de temas que são políticos, que são sociais, que são emergentes. A contemporaneidade e a arte contemporânea, ela é a arte que questiona, que faz você refletir sobre algumas questões do mundo. Eu acho que a dança contemporânea que a gente provoca e que a gente leva, que a gente entrega para o público, é essa arte do questionamento, de pensar algumas questões que a gente traz nessa obra ‘Caosmose’, principalmente.

5. Sobre “Caosmose”, como nasceu a proposta do espetáculo?

O ‘Caosmose’ é o último trabalho do grupo. Ele foi criado em 2023, em comemoração aos nossos 30 anos. O grupo recebeu uma homenagem do Festival de Dança Internacional de Recife, promovido pela Prefeitura de Recife. E a gente já estava na investigação de um outro trabalho, mas com esse convite eu me senti impulsionada, junto com o grupo, a trazer essa obra, que sai [do palco fechado]. Já faz um tempo que a gente não trabalha diretamente dentro de palcos tradicionais. A gente tem uma investigação de um trabalho que se chama ‘Pontilhados’, uma intervenção urbana que já completa dez anos. E ‘Caosmose’ também sai do convencional. Então, a gente estreia esse trabalho dentro de uma galeria a céu aberto, de uma ocupação de um artista em Recife chamado Sergio Altenkirch, que tem várias instalações em um prédio abandonado e é lá que a gente estreia em 2023, para trazer pós-pandemia, pós-desmonte político, questões que a gente se sentiu impulsionado a falar e a dançar sobre isso.

6. Como se deu a construção da narrativa do espetáculo?

A gente montou esse trabalho num período curto, por conta do convite ter surgido do Festival, e aí eu trago, como pessoas, amigas, colaboradoras do grupo, em comemoração aos 30 anos, três artistas que são escritoras, pesquisadoras, professoras e colaboradoras do grupo, que chama Cristiana Gaudino, que também é nossa produtora, Silvia Goz, que é uma parceira de ‘Pontilhados’, e Renata Pimentel, que é uma professora, pesquisadora, artista, escritora também, para a gente dialogar sobre o que eu estava querendo levar para a cena. 

Então é um trabalho de muitas mãos, e aí a partir desse conceito de ‘Caosmose’, a dramaturgia, foi se desenvolvendo muito baseada, inicialmente, na desterritorialização que tem a ver com uma época do grupo que a gente perde a nossa sede lá em Recife. E eu trago para a abertura da obra essa pergunta: que espaço os artistas podem ocupar? Onde eles estão ocupando? Que segurança eles têm, se tem segurança, e como a gente segue fazendo arte dentro de tantas fragilidades e tantas vulnerabilidades? 

E aí esse tema inicial se esparrama pelo decorrer da obra, e vai para as questões pessoais de outros temas como gênero, racismo, violência contra a mulher e relações humanas. A gente fala de humanidades, a gente fala desse lugar de aprendizado e de recomeços.

7. O nome do espetáculo chama atenção. O que seria “Caosmose”?

O termo ‘Caosmose’ é um conceito de um filósofo francês, Félix Guattari, que, a partir das minhas reflexões de movimento de corpo, da pesquisa do grupo, junto com essas amigas parceiras que trabalharam essa obra junto, colaborando com essa dramaturgia, a gente encontra no conceito desse pensador, o que seria mais ou menos o que a gente estava falando, porque ele traz esse caos, que tem a ver com desordem e a ordem com o cosmos, e aí ele junta essas duas palavras, caos e cosmos, e nesse sentido da desordem que ele traz, ele não quer dizer que é uma desordem no sentido pejorativo, de destruição, mas sim no sentido de uma desordem que traz uma organização, que transforma você e que, a partir dessa desordem e dessa desorganização, você acaba encontrando outros caminhos e você ressurge. Tem a ver com um processo criativo contínuo, com esse movimento de se manter vivo, integrado à sociedade, aos seus sonhos também, realizando os seus sonhos. Então, tem uma abrangência que tem… o conceito tem muito a ver com o que a gente traz nas cenas, em particular da obra. Então, o nome vem desse conceito, desse filósofo.