NOVELA

Taís Araujo e público infelizes com a Raquel em 'Vale Tudo'

Endividada, a protagonista perdeu tudo e decidiu recomeçar do zero, vendendo sanduíches na praia.

Taís Araujo como Raquel em Vale Tudo — Foto: Globo/ Fábio Rocha
Taís Araujo como Raquel em Vale Tudo — Foto: Globo/ Fábio Rocha

Em entrevista recente, Taís Araujo evitou criticar Manuela Dias, autora do remake de “Vale Tudo“. Questionada sobre a despolitização do remake em comparação à novela original, disse que não cabia a ela julgar as escolhas da roteirista, mas sim fazer a melhor Raquel possível. Segundo a atriz, se pensasse só nas críticas, não conseguiria trabalhar.

Semanas depois, no entanto, o tom mudou. Em conversa com a revista Quem, Araujo demonstrou tristeza e fez duras críticas aos rumos de sua personagem, que volta à pobreza depois de um breve momento de ascensão social. Ela contou ter se surpreendido ao descobrir que Raquel voltaria a vender sanduíches na praia – algo que não acontece na versão original. “Entendi que era uma escolha da autora, e meu papel era seguir em frente e contar essa parte da história.”

Na trama, Raquel havia conquistado R$ 1 milhão em um reality show, investido na sua empresa de catering, a Paladar, e firmado sociedade secreta com Celina Junqueira. Mas a revelação da parceria a Odete Roitman resultou na compra e no fechamento da empresa.

Endividada, a protagonista perdeu tudo e decidiu recomeçar do zero, vendendo sanduíches na praia. No capítulo desta quarta-feira, reencontrou Heleninha, ex-mulher de seu namorado, no mesmo ponto onde sua trajetória havia começado no Rio de Janeiro.

O retorno à estaca zero causou frustração no público, que esperava ver Raquel se tornar a mulher poderosa da primeira versão da novela – quando interpretada por Regina Duarte. Nas redes, muitos apontaram que o arco reforça a ideia de que mulheres negras não podem alcançar estabilidade ou poder duradouro. A própria atriz disse ter sentido essa decepção.

“Eu gostaria muito que a Raquel tivesse uma curva ascendente, poderosa, que a batalha dela fosse outra e não a batalha pela sobrevivência. Para além das histórias que a gente conhece, a ficção, ela serve para a gente se sentir possível, para sonhar. Ela tem um trabalho de responsabilidade, sim, na construção da narrativa, de um país. E como o país entende um povo”, disse a atriz à revista Quem.

Críticas e Representatividade

Ironicamente, não é a primeira vez que Dias escreve uma personagem que perde tudo para a atriz. Em “Amor de Mãe”, de 2019, também escrita pela autora, Araujo viveu Vitória, advogada de sucesso que, ao longo da trama, foi levada à ruína financeira e pessoal, terminando como costureira no subúrbio. Em ambos os casos, a trajetória de mulheres negras interpretadas por Araujo seguiu uma lógica de perda e rebaixamento social, numa aparente romantização da pobreza pela autora.

O incômodo da atriz – e do público- toca em uma questão central sobre representação – não basta multiplicar papéis de destaque para atores negros, é necessário garantir autoria negra na criação dessas histórias. A Globo vem investindo em protagonistas negras em todas as faixas de horário, mas a iniciativa esbarra no limite de narrativas escritas majoritariamente por autores brancos.

A ascensão de Raquel, seguida da queda, ecoa um ciclo conhecido por muitos – a sensação de que, por mais esforço e talento, sempre há um teto imposto às trajetórias negras.

A visão de autores negros e a representação

A autora Bell Hooks, em seu livro “Olhares Negros: Raça e Representação”, alertou para o risco de produções brancas reforçarem estereótipos ao moldar personagens negros. Já Stuart Hall lembrou que a representação nunca é neutra – carrega significados sociais e políticos. Por isso, levar Raquel de volta à praia não é apenas uma decisão de roteiro, mas um símbolo de contenção de possibilidades.

Sueli Carneiro amplia essa reflexão. Segundo ela, o poder de narrar é tão decisivo quanto o de aparecer. A presença de protagonistas negras não rompe estruturas racistas se não houver também a mão negra na escrita, disputando sentidos do que significa prosperar e permanecer no topo. Carneiro chama esse apagamento de “epistemicídio” – quando vozes negras não escrevem suas próprias histórias, prevalece a visão da branquitude, ainda que personagens negros ocupem o centro da cena.

Araujo chegou a dizer a esta repórter que foi um equívoco não pensar Helena, sua personagem de “Viver a Vida” duramente criticada na época, a partir do aspecto racial. Raquel parece ser uma nova oportunidade perdida. (Nadine Nascimento)