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Série vai relembrar tragédia do ‘Bateau Mouche’

Os diretores Tatiana Issa e Guto Barra durante as gravações que reproduziram a tragédia na Baía da Guanabara. Foto: Daniel Darcoso
Os diretores Tatiana Issa e Guto Barra durante as gravações que reproduziram a tragédia na Baía da Guanabara. Foto: Daniel Darcoso

Talita Duvanel – Agência O Globo

Por volta das 20h da última noite de fevereiro, o tanque oceânico da UFRJ – espécie de piscina gigante construída na Ilha do Fundão, no Rio, com 15 metros de profundidade, usada para simulações de tecnologias de engenharia naval – ficou quase às escuras. A luz vinha de alguns refletores, o suficiente para iluminar a filmagem que acontecia num dos cantos do tanque, onde estava um barquinho com pouco mais de três metros de comprimento.

No “casco” desse modelo, a inscrição “Bateau Mouche IV” indicava o que estava sendo feito ali: a reprodução da noite do dia 31 de dezembro de 1988. Pouco antes da passagem daquele ano, o barco, que seguia superlotado em direção à Praia de Copacabana, afundou entre a Ilha de Cotunduba e o Morro da Urca, matando 55 pessoas. É sobre esta tragédia que se debruçam os diretores Tatiana Issa e Guto Barra na próxima série documental que assinam para a Max (antiga HBO Max).

‘Bateau Moche’ deve estrear no ano que vem, e o Globo acompanhou a noite em que os diretores ‘viraram o barco’ e filmaram figurantes na água, representando os passageiros.

“Foi o nosso Titanic, guardadas as devidas proporções”, compara Tatiana. “Claro que o Titanic era um barco muito maior, mas o grau de tragédia é similar. Era numa noite de alegria, de desejo por um futuro melhor, em que sempre se faz planos. Ninguém está sozinho num réveillon, todo mundo perdeu alguém”.

A tragédia tocou pessoalmente Tatiana, na época com 15 anos, porque ela sabia quem era a atriz Yara Amaral, uma das vítimas, e conhecia um dos dois filhos dela, Bernardo. Ele costumava dar entrevistas sobre o imbróglio na Justiça. Somente três dos 11 réus foram condenados, em regime semiaberto, mas fugiram do país.

“Claro que é ingenuidade nossa achar que vamos mudar alguma coisa, de fato, no país ou em qualquer lugar. Mas acho que todo mundo que assistir poderá começar a se perguntar: ‘Por que isso aconteceu? O que deu errado, o que poderia ser evitado?’”, diz a diretora. “Vemos a história se repetir tantos anos depois, com uma Boate Kiss, por exemplo (incêndio que aconteceu em 2013, na cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul), algo semelhante no sentido da impunidade e de parar o Brasil”.

‘PACTO BRUTAL’

Tatiana e Guto são os mesmos diretores de ‘Pacto Brutal: o assassinato de Daniella Perez’, série documental lançada também na Max, em 2022, sobre o crime cometido por Guilherme de Pádua e Paula Thomaz em 1992. Um dos maiores sucessos nacionais da plataforma, a produção se concentrou nos depoimentos da autora de telenovelas Gloria Perez, mãe de Daniella, e outras pessoas próximas à vítima. Os assassinos Guilherme (que morreu cerca de seis meses depois da estreia) e Paula apareceram apenas em imagens de arquivo. Em ‘Bateau Mouche’, a ideia é a mesma: focar nos sobreviventes.

“Do lado de cá, não queremos transformar assassinos em celebridades”, diz Tatiana. “Sempre vamos privilegiar a vítima, contar a história de quem sofreu, para evitar fazer algo que muitas vezes acontece nos true crimes: o assassino ser a estrela de uma história. Aqui, estamos falando de 55 mortos; se somarmos os sobreviventes, isso triplica”.

A dramatização acompanhada pelo Globo foi um recurso não usado no ‘Pacto Brutal’, mas, segundo o co-roteirista Guto Barra, é necessário neste caso para que as pessoas entendam todos os erros cometidos na embarcação. E não foram poucos: o Bateau Mouche afundou por diversos motivos, desde reformas irregulares até a vista grossa da Marinha para a superlotação. Para se ter uma ideia, cabiam 62 pessoas no barco; na hora do acidente, haviam 142.

As filmagens para dar o clima da noite aconteceram não apenas na UFRJ, como também em marinas da Baía de Guanabara, para simular as cenas do embarque e da festa que acontecia a bordo quando a tragédia começou.

“Foi um ano inteiro discutindo ‘é realmente apropriado?’. Mas achamos que eram importantes para explicar algumas questões do barco”, diz Guto, que assina o roteiro com Renata Amato, filha de uma das vítimas. “Para você se conectar com a história, precisa ver as coisas acontecendo. Às vezes, gravamos partes que nem usamos porque tudo depende do tom. Não podemos passar do limite”.