Por que Viola Davis e “A Mulher Rei” assustam Hollywood?

Por
que Viola Davis e “A Mulher Rei” assustam Hollywood?

Quase tão
difícil quanto as batalhas que as guerreiras de “A Mulher Rei”
encaram foi tirar o novo filme de Viola Davis do papel. A estreia não tem,
afinal, o perfil de blockbuster que a Hollywood tradicional procura. Para
começar, é estrelado quase que inteiramente por mulheres, e, reforçando a
resistência que o roteiro encontraria, elas são todas negras.

É um filme
assustador para a indústria, vem dizendo a atriz e produtora em entrevistas, ao
lado da diretora Gina Prince-Bythewood. Foram seis anos buscando quem bancasse
o projeto e, não fosse o sucesso de bilheteria de “Mulher-Maravilha”
e “Pantera Negra”, talvez ele nunca tivesse sido produzido, acredita
a dupla.

“Quando
a oportunidade de fazer esse filme chegou, eu pensei: será que Hollywood um dia
vai estar pronta? Bom, tivemos que esperar esses filmes mudarem o jogo. Depois,
foi preciso a fama da Viola e a minha experiência em um outro filme de ação, aí
as peças enfim se encaixaram”, diz Bythewood, que dirigiu de “The Old
Guard”, tão bem-sucedido que vai virar franquia.

“A
Mulher Rei” é, afinal, um blockbuster de US$ 50 milhões -o equivalente a
mais de R$ 260 milhões-, com efeitos especiais, sequências de ação, cenários e
figurinos tão rebuscados e grandiosos quanto os dos filmes de super-heróis. Já
seria difícil assegurar o orçamento em condições normais, mas só a premissa da
trama foi suficiente para barrar o filme em muitos estúdios.

O longa
volta à África do início do século 19, para onde é hoje o Benin, e narra a
história real das ahosi, guerreiras que protegiam o antigo Reino de Daomé -mais
um ponto de encontro com “Pantera Negra”, já que as dora milaje de
Wakanda foram inspiradas nelas.

Viola Davis
interpreta a líder delas num momento crucial para o reino, já que o rei, papel
de John Boyega, vem sendo pressionado para acabar com sua participação no
tráfico de escravos para as Américas. Foi assim, na história real e nas telas,
que Daomé conseguiu boa parte de suas riquezas, vendendo negros capturados de
outras tribos para os europeus.

A ideia para
o filme surgiu na viagem de uma das produtoras ao Benin. Desenvolver a
história, no entanto, foi um desafio, porque eram poucos os documentos, filmes,
livros e artigos sobre o assunto.

Bythewood
pensava que se “Pantera Negra” podia atrair público aproveitando
partes dessa história real, um filme exclusivamente sobre Daomé também
conseguiria. Mais: se “Coração Valente” e “Gladiador”, duas
inspirações, provaram que civilizações do passado rendem grandes espetáculos
modernos, por que os povos africanos nunca tinham se visto na tela nessa
escala?

“Essa
história foi ignorada, silenciada, assim como muitas outras que fogem do padrão
hollywoodiano. O fato de agora termos ‘A Mulher Rei’ e ‘Pantera Negra’
coexistindo é um verdadeiro milagre.”

Com uma
bilheteria de US$ 1,3 bilhão, ou R$ 7 bilhões, o longa-metragem da Marvel foi
peça-chave para provar que há público faminto por representatividade. Desde
2018, são vários os estúdios que têm bancado projetos que seguem essa linha.

De forma
semelhante, aumentou o esforço para diversificar quem cria os projetos que
Hollywood vai filmar. No caso de “A Mulher Rei”, não há apenas uma
mulher negra dirigindo um dos maiores orçamentos do ano, mas outras mulheres e
negros em posições de comando nos bastidores, onde raramente são vistos.

Polly Morgan
faz a fotografia, Terence Blanchard cuida da trilha sonora, Terilyn A.
Shropshire fica com a montagem, Akin McKenzie capitaneia a direção de arte,
Gersha Phillips cria os figurinos e por aí vai. Era algo importante para que
Viola Davis topasse também produzir o filme.

Em entrevista
por vídeo, ela conta que tem ouvido muitos falarem sobre a “importância
cultural” de “A Mulher Rei”, mas refuta o discurso. “Para
nós [negros], é só o certo. Esse é o nosso normal. Isso é o que sempre soubemos
fazer. Essas pessoas passaram a vida treinando para isso. Vocês se veem diante
de um momento histórico, mas simplesmente porque estão finalmente percebendo o
nosso potencial.”

Além de
Davis e Boyega, o elenco também é encabeçado por Lashana Lynch, de “007:
Sem Tempo para Morrer” e “Capitã Marvel”, além de Sheila Atim e
Thuso Mbedu, da série “The Underground Railroad”. No filme, Mbedu faz
uma jovem órfã que inicia os treinamentos para virar uma ahosi. A relação
ficcional dela com a chefe do grupo corre em paralelo ao cenário histórico ao
redor.

Para os
brasileiros, vai ser possível captar, aqui e ali, algumas palavras em português
e várias menções ao Brasil. Como alguns dos principais financiadores e
beneficiários do tráfico de escravos da África, os portugueses estão presentes
em “A Mulher Rei”, dando lances num mercado que hoje desperta horror.

Há um
personagem português e outro brasileiro, interpretados por Hero Fiennes Tiffin
e Jordan Bolger, que na verdade são britânicos. Talvez por isso a turnê de
divulgação do filme vá passar pelo Rio de Janeiro no início desta semana.

Davis
desembarcou em solo carioca para uma festa de lançamento de “A Mulher
Rei” e, antes mesmo da viagem, disse que o Brasil é uma parte importante
da história dos negros e do racismo e que, portanto, não poderia ser ignorado
pela trama.

Apesar da
visita, sua primeira para o país, com ares de turismo, ela faz parte de um
esforço muito sério para levar o público aos cinemas. “Esse filme precisa
fazer dinheiro, e isso me deixa em conflito. Se não fizer, o que isso vai
significar? Que mulheres negras não podem liderar as bilheterias mundiais. É
isso. Ponto”, diz ela.

“Não é
assim que funciona para filmes brancos. Se um deles falha, fazem outro igual.
Por isso, tudo se resume às pessoas que vão ao cinema, não a mim ou ao meu
trabalho. Eu não quero que elas vão por causa do ‘impacto cultural’ que ele tem
por ser negro, mas porque ele entretém como qualquer outro. Se brancos e negros
são mesmo iguais, então eu desafio o público a me provar -não pela minha
carreira, mas pelo mundo e o cinema que nós queremos daqui para frente.”

A MULHER REI

Quando: Estreia nesta quinta (22), nos cinemas

Classificação: A definir

Elenco:Viola
Davis, Lashana Lynch e John Boyega

Produção EUA, Canadá, 2022

Direção Gina
Prince-Bythewood