Advogados se dividem quanto à sentença de Léo Lins condenado a oito anos e três meses de prisão por comentários considerados discriminatórios no show de stand-up “Perturbador”, de 2022, exibido no YouTube.
O advogado do humorista, Carlos Eduardo Ramos, diz que não esperava a sentença, porque, no seu entendimento, o processo apontava para uma absolvição. “Ficou demonstrado que não houve intenção de ofender ninguém. A acusação afirma que esse show -realizado no palco, com enredo, cenário e figurino- não seria uma obra de ficção, mas algo real, que representasse a opinião do artista. As testemunhas e o próprio Leo Lins negaram isso.”
Ramos nega que o show se enquadre no crime previsto pela lei 14.532, criada em 2023, que condenou o chamado racismo recreativo, isto é, praticado para a diversão. “A intenção da lei é dizer que você não pode ser preconceituoso e fingir que é arte. Leo é um artista consagrado. Ele não usou o pretexto de fazer arte para ofender alguém”, diz o advogado.
A defesa acrescenta que Leo Lins é um personagem e não representa Leonardo de Lima Borges Lins. “O personagem é conhecido por seu humor ácido, por falar de questões que são tabus. No final do show, ele traz um aviso -‘não sou preconceituoso e não quero quero que ninguém se sinta mal com as minhas piadas’.”
Ramos afirma que sua estratégia é buscar a absolvição de seu cliente na segunda instância, o Tribunal Regional Federal. “Temos fé que a justiça vai ser restabelecida no caso. Estamos muito confiantes.”
Outros profissionais do direito consultados pela reportagem se dividem entre concordar e discordar dessa visão. Fábio de Sá Cesnik, do escritório CQS/F, afirma que “a liberdade de expressão não é absoluta, e ferir a dignidade de alguém é igualmente importante”.
Pedro Estevam Serrano, professor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, exemplifica o caso. “Quando uso da minha liberdade de expressão de pensamento para reprimir a liberdade de expressão afetiva do outro, estou praticando uma violência”, afirma.
Gustavo Sampaio, professor da Universidade Federal Fluminense, diz que, em sua visão, é diferente a maneira que a apresentação de Leo Lins e uma novela de época expõe preconceitos raciais.
Um exemplo é o humorista Paulo Gustavo, que interpretava personagens como a Senhora dos Absurdos. Ela fazia afirmações preconceituosas, mas a piada era a própria personagem -ultraconservadora-, não o preconceito. Ela também era completamente diferente do artista -para começar, era uma mulher; tinha outro nome; exibia trejeitos diferentes dos dele.
Mas isso não é consenso. Gustavo Scandelari, do escritório Dotti Advogados, diz que Leo Lins está sendo punido várias vezes por um mesmo crime. Ele discorda que piadas homofóbicas e racistas possam ser consideradas de forma separada na punição, já que, na prática, são o mesmo crime.
Scandelari afirma ainda que, para condenações por discriminação, é preciso comprovar que houve intenção de ofender os grupos atingidos. Ele critica a forma como o chamado racismo recreativo está especificado na lei e diz que não é evidente o limite imposto aos comediantes, que, para ele, não podem ser avaliados com os critérios usados para considerar piadas racistas feitas numa mesa de bar, por exemplo. Rafael Paiva, do escritório Paiva & André, diz que a condenação é indevida. “Temos um problema grande no Brasil de coerência judicial. Hoje um traficante primário não pega uma pena superior a quatro anos de prisão. É um show de mau gosto, mas categorizar isso como crime é muito perigoso. Não me parece que o intuito ali seja discriminar ninguém, mas tirar sarro”, ele afirma. “Acho que a melhor solução para isso é as pessoas não irem a esses shows.”
Sua visão encontra amparo na de Marco Antonio Sabino, do escritório Mannrich e Vasconcelos. “Racismo e preconceito são dois crimes dos mais repugnantes. Ainda assim, achei perigosa a sentença como censura. Ele estava no show dele, em que as pessoas sabem qual é o tipo de humor.”
Texto de DIOGO BACHEGA